Por ter renovado o contrato com o GP do Bahrain até 2036, a Fórmula 1 está a ser acusada de “abandonar os que foram torturados e presos”
Dan Istitene - Formula 1/Getty
O Instituto do Bahrain para os Direitos e a Democracia criticou a extensão do acordo para continuar a correr no país, considerando que a prova "tem contribuído para o sofrimento de pessoas" num Estado sobre o qual há recorrentes acusações de desrespeito pelos direitos humanos. "Há dois pesos e duas medidas a serem aplicados no Médio Oriente", em comparação com a suspensão do GP da Rússia, argumenta o Instituto
Os olhos do mundo do desporto vão virar-se para o Médio Oriente quando, no domingo, decorrer o Grande Prémio Bahrain, a primeira prova do Mundial de Fórmula 1 de 2022. E vermos o rugir dos motores por aquelas paragens promete continuar a ser um cenário que se repete anualmente: nos últimos dias, a organização do campeonato chegou a acordo para renovar, até 2036, o contrato com a corrida do reino situado no Golfo Pérsico.
Desde 2004, parte do itinerário global do circo da Fórmula 1 — com uma interrupção apenas em 2011, quando protestos pró-democracia trouxeram instabilidade ao país e levaram à morte de mais de 30 pessoas, número então avançado pela "BBC" —, o Bahrain foi o primeiro Estado do Médio Oriente a acolher uma corrida da modalidade. No entanto, a ligação da Fórmula 1 ao país não é consensual.
O Instituto do Bahrain para os Direitos e a Democracia acusou a Fórmula 1 de "abandonar os que foram torturados e presos" ao renovar o contrato. Sayed Ahmed Alwadaei, diretor do Instituto, escreveu uma carta a Stefano Domenicali, diretor-executivo da F1, sublinhando que o novo acordo "contradiz a ideia defendida pela Fórmula 1, que no ano passado disse 'levar a violência, os abusos dos direitos humanos e a repressão muito a sério'".
Ao longo dos últimos anos, várias organizações internacionais criticaram a situação dos direitos humanos no Bahrain. No relatório publicado em 2021 sobre o reino, a "Human Rights Watch" enumerou a "prisão e assédio de defensores de direitos humanos, jornalistas, advogados ou líderes da oposição", indicando que "todos os media independentes do Bahrain foram banidos desde 2017 e todos os grupos de oposição dissolvidos".
A "Amnistia" Internacional" aponta a existência de "variados relatórios" sobre "o uso de práticas de tortura" no sistema judicial do Estado. A "Human Rights Watch" — que alerta para as "condições extremamente sérias" de "saúde e higiene" nas "sobrelotadas prisões" do país — nota que "agentes acusados de tortura" não são "responsabilizados", acusando o Bahrain de "negar acesso à monitorização independente de direitos humanos", "particularmente" quanto "à tortura".
Tendo em conta este contexto, o Instituto do Bahrain para os Direitos e a Democracia refere que o Grande Prémio tem "contribuído para o abuso e sofrimento de pessoas", ao ajudar a legitimar e projetar a imagem internacional do país. "A Fórmula 1 não tem conseguido usar a sua projeção para ajudar a colocar um ponto final nos abusos ou assegurar compensação para as vítimas".
Salman bin Hamad bin Isa al-Khalifa, príncipe do Bahrain, dá o prémio de segundo classificado a Max Verstappen, no GP Bahrain de 2021
LARS BARON/Getty
Para o Instituto, "há dois pesos e duas medidas a serem aplicados no Médio Oriente" pela Fórmula 1, em comparação com o que se viu, recentemente, com a Rússia. Depois da invasão do país liderado por Vladimir Putin à Ucrânia, a F1 cancelou o GP que estava marcado para Sochi, não se realizando, também, a corrida em São Petersburgo, para onde estava previsto que a prova russa se mudasse em 2023.
Face ao cortar de relações da modalidade com a Rússia, o Instituto do Bahrain para os Direitos e a Democracia recorda o conflito no Iémen, onde atua uma coligação militar liderada pela Arábia Saudita, país que acolhe a segunda corrida da temporada. Segundo Sayed Ahmed Alwadaei, o Bahrain e os Emirados Árabes Unidos — que recebem, em Abu Dhabi, a última prova do ano — "também estão envolvidos no Iémen".
O Instituto do Bahrain para os Direitos e a Democracia pediu que houvesse uma "comissão independente" para a "investigação" às "alegações de violação de direitos fundamentais associadas à corrida" no país.
Em resposta à carta enviada a Domenicali, um porta-voz da Fórmula 1 disse que a organização "leva as responsabilidades em matéria de direitos muito seriamente", colocando "padrões éticos muito elevados", acrescentando: "Há décadas que a Fórmula 1 tem lutado de maneira árdua para ser uma força positiva em todos os lados onde corre, através de melhorias económicas, sociais e culturais".
Quatro das 22 corridas da Fórmula 1 em 2022 são no Médio Oriente. Com a renovação do contrato com o Bahrain, esses quatro Grande Prémios (Bahrain, Arábia Saudita, Abu Dhabi e Catar) têm vínculos que durarão até aos anos de 2030.