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O “clique” de Monfils, o artista das mil alcunhas que tirou o número 1 do ranking ao russo Medvedev

O “clique” de Monfils, o artista das mil alcunhas que tirou o número 1 do ranking ao russo Medvedev
TPN/Getty

O francês derrotou (4-6, 6-3, 6-1), em Indian Wells, o vice-campeão do Open da Austrália. O resultado fará com que, na próxima atualização da hierarquia mundial, Daniil Medvedev perca a liderança da lista para o sérvio. Aos 35 anos, Gaël "não perde a fé" de vencer os mais importantes torneios do ténis, ainda que carregue outro pensamento: o "choro" da sua mulher, a jogadora ucraniana Elina Svitolina

O “clique” de Monfils, o artista das mil alcunhas que tirou o número 1 do ranking ao russo Medvedev

Pedro Barata

Jornalista

Dar um epíteto a alguém significa tentar fixar em poucas letras a essência dessa pessoa, agarrando em certas características fundamentais daquele ser humano. Ora, se alguém possui diversas alcunhas, isso significa que, provavelmente, estamos na presença de um indivíduo com vários traços distintivos, com um leque de particularidades que se entrelaçam para construir uma singularidade peculiar.

É o caso de Gaël Monfils. Desde o descritivo "The Entertainer" até ao simples "La Monf", passando pelos fantásticos "Homem Elástico" ou "Sliderman" — referências ao seu invulgar atleticismo —, o leque de cognomes mostra bem como o francês foi, ao longo dos anos, captando a atenção e estimulando a criatividade dos que assistiam ao seu ténis repleto de agilidade, voos e truques. Aos 35 anos, as lesões poderão ter privado o gaulês de importantes momentos — já falhou nove torneios do Grand Slam devido a problemas no joelho ou no ombro —, mas não o fazem desistir.

Em Indian Wells, torneio considerado o mais importante da bola amarela depois dos Grand Slams, Monfils, 28.º do ranking, derrotou Daniil Medvedev (4-6, 6-3, 6-1) para chegar aos oitavos-de-final. Foi a segunda vez que Gaël bateu um número um do mundo, num resultado com consequências no topo do ténis mundial: o russo — que atua sem qualquer referência ao seu país, devido às medidas adotadas na sequência da invasão da Ucrânia, — perderá a liderança do ranking ATP, na qual esteve apenas durante três semanas e à qual voltará Novak Djokovic.

Medvedev tinha de chegar aos quartos-de-final em Indian Wells para permanecer como número um, pois esta semana irá perder os 250 pontos ganhos por ter vencido o ATP 250 de Marselha em 2021. Assim, Djokovic chegará, na próxima segunda-feira (quando a hierarquia mundial for atualizada), à 362.ª semana na posição mais cobiçada da modalidade, ainda que a curta diferença entre ambos, aliada à ausência do balcânico do torneio de Miami, prometam manter a incerteza quanto ao detentor da primeira raquete masculina do planeta.

Nos dois últimos majors, Monfils foi derrotado em cinco partidas por dois italianos que estão entre os melhores do planeta. No US Open, caiu perante o muito talentoso Jannik Sinner, ao passo que na Austrália foi batido por Matteo Berrettini, atual número seis do mundo. Em ambas as ocasiões, ficou a sensação de que o veterano francês poderia ter seguido em frente, aproximando-se do sonho de estar na final de um torneio do Grand Slam pela primeira vez na carreira.

Depois da derrota contra Berrettini, em Melbourne, Monfils fez um discurso cheio de esperança, indicando que, aos 35 anos, vê ainda um futuro com coisas positivas à sua espera: "Nos dois últimos majors consegui chegar à possibilidade de bater jogadores do top 10. Continuo a aprender dessas situações, mas sinto como se fosse sempre duro para mim. No entanto, de certa maneira, não perco a fé", garantiu o francês, que disse que só precisa de "uma vez", dado que "não vencerá 20" Grand Slams, mas "só precisa de um" e "continua a acreditar que é possível".

"Quem sabe? Este ano pode ser o clique".

Depois de bater Medvedev, Monfils pareceu pegar nas palavras da Austrália para explicar o triunfo, dizendo que "pode parecer parvo", mas que tem a "impressão" que o encontro "simplesmente lhe sorriu": "As pessoas querem ouvir algo racional, mas acho que o jogo me favoreceu nos momentos importantes. Fui recompensado".

Gaël também referiu a "frustração" do seu adversário como fator importante para o desfecho do duelo. Daniil reconheceu não ter sido a sua "melhor prestação" e evidenciou sinais de frustração no segundo e terceiro sets, tendo mesmo partido a sua raquete no começo do último parcial. No jogo de serviço que selou a vitória do francês, o russo cometeu três duplas faltas.

FREDERIC J. BROWN/Getty

Com três semanas no topo do ténis mundial, Medvedev garante que "quer estar" no cimo da hierarquia por "muito tempo", mas, no seu estilo peculiar, atira que "é melhor ter sido número um pelo menos uma vez do que nunca o ter sido". E aproveitou o rescaldo da sua derrota para tecer elogios a Nadal, Federer e Djokovic, os grandes dominadores dos courts da última década e meia.

"A parte mais difícil do ténis é dares o teu melhor nível encontro após encontro. E é por isso que os elementos do big three são irreais: não importa as condições ou as superfícies, eles continuam a ganhar torneios e a ter desempenhos incríveis. Tenho que melhorar para apresentar o meu nível máximo mais consistentemente", refletiu o moscovita.

Do outro lado da rede, a felicidade de Monfils, protagonista nas manchetes do seu país, era mitigada pelo drama da guerra que afeta de maneira muito particular a sua família. A tenista ucraniana Elina Svitolina, 18.ª do ranking WTA, é, desde o verão de 2021, casada com o jogador francês.

Monfils e Svitolina, num treino conjunto em Indian Wells
Robert Prange/Getty

Já eliminada de Indian Wells, Svitolina estava nas bancadas a torcer por Monfils e, no final do encontro, o gaulês disse ser "difícil" ver "os sogros a sofrerem" e Elina a "chorar todas as noites": "Tento apoiá-los da melhor maneira. Grande parte da família dela ainda está na Ucrânia. Tentamos gerir isto dentro do possível...".

Monfils assegura que "faria qualquer coisa" para ajudar a família de Svitolina, sublinhando ser "um apoio" para a sua mulher, um "ombro em que ela se pode apoiar sempre". Enquanto procura ser uma fonte de conforto para quem vive o drama da guerra, Gaël vai vivendo a sua eterna juventude, voando em direção aos troféus que tem perseguido — e lhe têm escapado — nos últimos 20 anos.

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