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Um futuro chamado Iga Swiatek

Um futuro chamado Iga Swiatek
CHANDAN KHANNA/Getty

A polaca de 20 anos já sabia que ia sair de Miami como a nova número 1 mundial do ténis, mas juntou o título ao estatuto, com uma impressionante exibição na final do WTA 1000 frente a Naomi Osaka, por 6-4 e 6-0. Num circuito onde a inconstância é a constante, Swiatek parece uma espécie de aposta segura. Segue-se a terra batida, que lhe deu o primeiro grande resultado, em 2020

Foi um Roland Garros estranho, tanto quanto aqueles tempos o eram - e são. Em 2020, já o frio invadia Paris quando se jogou o Grand Slam francês, em outubro e não na primavera amena da cidade-luz, fora de tempo depois da covid-19 trancar a Europa em casa no início desse ano.

Iga Swiatek era então uma miúda de 19 anos e 4 meses com um par de resultados interessantes, mas ainda fora dos lugares que lhe dariam o privilégio de ser uma das pré-designadas em Paris. Era apenas a número 54 mundial, zero títulos na carreira, mas tudo mudaria a partir dali. A polaca não perdeu qualquer set no torneio, atropelou a 4.ª cabeça de série Sofia Kenin por claros 6-4 e 6-1 na final, tornando-se na jogadora com ranking mais baixo a vencer Roland Garros desde a introdução destes, em 1975. É possível que, face à altura do ano em que estávamos, que também tenha sido a primeira tenista a fazê-lo usando mangas compridas ao longo daquelas duas semanas.

No ténis feminino dos últimos anos não faltam, como se sabe, one-hit wonders, tenistas de uma nota só, que tão depressa ganharam um título do Grand Slam como entraram num vórtex de maus resultados. Jelena Ostapenko, Sloane Stephens, Bianca Andreescu e Sofia Kenin serão bons exemplos e o 2021 irregular da polaca fez, por momentos, soar alguns alarmes. Favoritíssima em Roland Garros, caiu cedo, nos quartos de final, nos restantes torneios do Grand Slam não passou da 4.ª ronda e nos Jogos Olímpicos da 2.ª. Ainda assim, Swiatek terminou o ano com dois títulos (Adelaide e o WTA 1000 de Roma) e já bem dentro do top 10.

E para todos os que franziram o olho em 2021, o 2022 de Iga Swiatek está aí para nos dizer que temos tenista para mais grandes momentos, capazes de um greatest hits e não de apenas um sucesso.

Este domingo, a polaca de 20 anos tornou-se na primeira tenista a vencer os três primeiros torneios WTA 1000 da temporada, ao juntar Miami a Indian Wells e Doha, todos conquistados em pouco mais de um mês. Na final de Miami, Swiatek superiorizou-se a Naomi Osaka, travando com autoridade o ressurgimento da japonesa, atormentada por questões mentais nos últimos meses e que teve na Flórida talvez o seu melhor torneio desde a vitória no Open da Austrália de 2021 - 6-4 e 6-0 foi o resultado, em apenas uma hora e 20 minutos.

E que maneira de carimbar a subida a número 1 mundial, herdado após a inesperada retirada de Ashleigh Barty, mas uma liderança nem por isso pouco merecida, numa temporada em que tem sido a tenista mais consistente nos grandes torneios depois de também chegar às meias-finais no Open da Austrália.

O jogo de abertura, com mais de 11 minutos de paradas e respostas, parecia dar o mote para uma final equilibrada, mas desde cedo Swiatek quebrou mentalmente Osaka com a sua venenosa resposta ao serviço, com o seu jogo variado de abertura de ângulos e o topspin colocado em cada bola. A polaca converteu o primeiro break point para se colocar em vantagem a 3-2 e a partir daí cruzou suavemente entre o calor e humidade de Miami, com a maturidade de quem tem muito mais que 20 anos no bilhete de identidade.

No final, para lá do à-vontade em court, as estatísticas diziam muito: Swiatek não teve de defender qualquer ponto de break, fez apenas 14 erros não forçados face aos 29 de Osaka e atirou ainda mais winners que a adversária. E assim levantou o 6.º título da carreira, ela que apenas uma vez perdeu uma final, já em 2019.

Mente forte e sorriso na cara

Ao vencer de forma consecutiva Indian Wells (considerado o 5.º Grand Slam) e Miami, Iga Swiatek tornou-se apenas na 4.ª jogadora a fazer o chamado Sunshine Double, como são conhecidos estes dois torneios. E ensolarada é também a personalidade da polaca, divertida e descontraída, que mantém com Naomi Osaka uma amizade que se notou nas simpáticas palavras que trocaram na entrega de prémios - e consiga a nipónica de 24 anos encontrar estabilidade emocional e no seu jogo e estaremos provavelmente perante uma das rivalidades mais especiais do ténis feminino para os próximos anos.

Uma abraço entre amigas. E estará aqui a grande rivalidade do ténis para os próximos anos?
CHANDAN KHANNA/Getty

Mas, aos 20 anos, Swiatek já sabe os sacrifícios e o trabalho que é necessário enfrentar para chegar e continuar no topo. Depois da inesperada vitória em Roland Garros, a polaca, filha de um antigo remador olímpico, Tomasz Swiatek, falou abertamente do seu trabalho com Daria Abramowicz, psicóloga desportiva e presença tão habitual na sua box quanto treinadores ou preparadores físicos. A questão da saúde mental é, aliás, uma preocupação constante para a jovem, que em outubro do ano passado decidiu doar parte do seu prize-money em Indian Wells a duas instituições do seu país, na sequência do Dia Internacional da Saúde Mental, que se assinala a 10 de outubro.

Ainda assim, e tal como referiu na entrevista rápida após o título em Miami este sábado, Swiatek acredita que só este ano chegou a um estado quase zen de fortaleza mental. “Esta temporada sinto que tudo está a fazer aquele clique”, referiu após a 17.ª vitória consecutiva, num torneio onde também não cedeu qualquer set.

Fisicamente também num momento irrepreensível (“Consegui chegar a todas as bolas. Corri para tudo e dei tudo”, sublinhou), Swiatek vai agora iniciar a temporada de terra batida, a mesma terra batida que lhe deu aquele que é, para já, o seu único torneio do Grand Slam. E é bem possível que chegue a Paris como número 1, um estatuto que, confessou, pensava que ia chegar “de outra maneira” e não após o abandono de uma colega. Swiatek diz que não se sentia merecedora do lugar nas últimas semanas, mas a vitória em Miami trouxe-lhe a confiança de que, sim, talvez seja mesmo a melhor jogadora do Mundo neste momento.

“Agora talvez mereça um pouco mais”, atirou, bem-disposta mas sempre de pés bem assentes na terra, depois de um mês imparável. Num circuito com resultados tão voláteis e desempenhos tão díspares, Iga Swiatek parece a tranquilidade. O futuro do ténis passa por ela. E ela chega agora ao topo, por direito e merecimento próprio.

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