O que nos une na Europa? Na atual crise, em que o mundo está a passar de uma ordem baseada em regras para uma ordem baseada no poder, a Europa está a ficar mais próxima e a recordar o seu princípio mais importante: aplicam-se regras e leis. Isto foi acordado no Porto e Helsínquia, Bruges e Atenas, Varsóvia, Praga e Ljubljana.
O futebol é um mosaico da vida social. Contribui para negociar e comunicar valores. A sua aceitação e a sua identificação com a sociedade ocidental dependem do facto das suas competições serem justas e estarem sujeitas a boas regras, ou seja, muitos podem participar tendo a hipótese de serem bem sucedidos.
Isto funciona surpreendentemente bem nas seleções nacionais, medido pelo facto da dimensão dos países ser um fator decisivo e ninguém na Europa querer mudar nada sobre a soberania das suas fronteiras. Houve dez vencedores diferentes em dezasseis competições do Campeonato Europeu.
O problema reside no futebol de clubes. Aqui entra muito dinheiro, com o qual algumas ligas e equipas lucram desproporcionalmente. Isto cria monopólios nacionais. E na Liga dos Campeões, regiões completas da Europa ficam para trás. Depende agora das autoridades da concorrência.
“As pessoas vão ao futebol porque não sabem qual será o resultado”, disse uma vez Sepp Herberger, treinador da seleção alemã, campeã do mundo em 1954. Isto já não é verdade na Alemanha, mas o mesmo se passa em França. As duas metrópoles de Munique e de Paris transformaram-se em monopólios.
Com o Bayern a disputar o seu décimo campeonato consecutivo, agora na Alemanha discutem-se os play-offs. O título passaria assim a depender de alguns jogos no final da época. É desta forma que se supõe que a Bundesliga se torne novamente entusiasmante.
Mas os play-offs não podem ser a solução. Apenas combatem os sintomas, não a sua causa. Alterar o modo não substitui a pergunta: como se organiza uma competição que envolva muita gente e onde o futebol seja divertido?
A maior concentração de bons atletas e bom desempenho está na Premier League, onde quase todos os clubes estão nas mãos de proprietários muito ricos. No entanto, não foi dada devida atenção a quem pode financiar o futebol como um ativo nacional. Roman Abramovich, o proprietário do Chelsea, foi agora sancionado. E, em Inglaterra, o debate sobre como regular no futuro quem pode investir, e em que condições, está a ser conduzido de forma muito intensa. Na Europa, os direitos humanos universais devem ser fundamentais nesta questão.
Os campeonatos internacionais necessitam de inovação, precisam de ser reinventados regularmente. A Liga dos Campeões é aliciante, as finais são vistas por mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo. Mas os vencedores dos últimos onze anos vieram de apenas três países. Neste século, nenhum clube da Escandinávia, dos Balcãs, da Europa Central Oriental ou da Europa de Leste chegou às semifinais. O último foi o Dynamo Kiev em 1999.
Será o futebol europeu apenas composto por Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França? E os outros países? Devem ficar felizes por jogar nas rondas eliminatórias?
O Benfica, por exemplo, vencedor da Taça dos Campeões Europeus em 1961 e 1962, tem um grande estádio, muitos sócios, uma rica tradição. A cidade exerce o seu esplendor até à América do Sul. O Benfica está agora nos quartos de final, mas como campeonato português é muito pequeno, é muito difícil para o clube competir na Liga dos Campeões. O mesmo pode ser dito sobre o Ajax, de Amsterdão.
Praga, Varsóvia, Budapeste e Copenhaga também só podem assistir até ao começo da fase decisiva. No entanto, Essas grandes cidades seriam interessantes para investidores que pudessem criar as condições necessárias para o sucesso.
O registo costumava ser diferente. Os últimos dez vencedores da Taça das Nações Europeias, nome dado à Liga dos Campeões antes da sua introdução em 1992, vieram de oito países, incluindo a Roménia, Portugal, Holanda e Jugoslávia. Esta diversidade gerou entusiasmo, tornou o futebol socialmente relevante e tornou a Liga dos Campeões possível.
A Europa significa encontrar soluções inteligentes na mesa de negociações - cooperativas, dispostas ao compromisso, tendo em conta os diferentes interesses. Isto inclui moldar uma Liga que ofereça muitas oportunidades de sucesso, tanto ao nível desportivo como ao nível económico. Não é uma tarefa fácil, mas é interessante. A UEFA e todas as associações nacionais, incluindo as que financiam o desporto, têm aqui uma responsabilidade. Se não for agora, quando será a altura de fazer uma reforma? Neste momento, o desejo de mudança e o sentido da solidariedade são grandes.
A experiência com a Super Liga planeada no ano passado mostra que: se as instituições não fizerem nada, a questão poderá acabar por ficar fora do seu controlo. Mas se forem alguns clubes de topo a definir as condições, o modelo que irá prevalecer será o de uma Liga europeia mais lucrativa e não o modelo mais interessante do ponto de vista cultural.
A Europa tem um grande encanto no mundo, porque adere à sua ordem democrática e defende a liberdade e a igualdade. Isto aplica-se igualmente às suas competições desportivas, desde que estas ofereçam participação e igualdade de oportunidades. Estes são valores que estão constantemente a ser reequilibrados numa aliança de nações iguais. O Ocidente está, nestes dias e semanas, a reforçar a sua coesão. E o futebol tem de dar o seu contributo.