Irreconhecível e sem pedalada, Djokovic foi superado por um mergulhador implacável em Monte Carlo
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O número 1 do mundo jogou apenas três jogos em 2022. Após recusar ser vacinado, o sérvio não pôde disputar Open da Austrália, Indian Wells e Masters de Miami. “Os últimos três ou quatro meses foram muito difíceis, mental e emocionalmente”, admitiu recentemente. O nível do seu ténis caiu muito e agora perdeu com o espanhol Davidovich Fokina, que seguiu para os ‘oitavos’ do torneio monegasco
Os músculos, fiando na memória, achavam que seria como sempre. A técnica, rainha que não admite banalidades, não escutava rumores infundados. Viesse o que viesse, a mente estaria por lá para, qual mãe acompanhando os seus pequenotes pela mão antes do derradeiro beijo na testa, emendar qualquer coisa.
Mas não seria bem assim.
Novak Djokovic, o número 1 do mundo, jogou apenas três jogos em 2022. Após recusar ser vacinado, o tenista sérvio não pôde disputar Open da Austrália, Indian Wells e Masters de Miami — “Os últimos três ou quatro meses foram muito difíceis para mim, mental e emocionalmente”, admitiu recentemente. Ou seja, não jogava desde fevereiro e isso notou-se e de que maneira no seu ténis, nas pernas e na confiança. Saiu a sorte grande a Alejandro Davidovich Fokina (46.º do ranking), que saiu vencedor na segunda ronda de Monte Carlo: 6-3, 7-6, 6-1.
O sérvio, que não jogava naquela superfície desde Roland Garros 2021, parecia nem sempre estar bem posicionado a bater na bola, como se estivesse surpreendido com alguns ressaltos daquela ferramenta amarela que lhe dá razões para sair da cama todas as manhãs. Às vezes, sentiam-se as travessuras do vento, é verdade. Tanto ele como o espanhol, potente e rápido como uma pantera, iam dividindo erros. No primeiro jogo, Djoko teve logo de suar para evitar dois pontos de break, algo que seria corriqueiro nesta partida.
Davidovich Fofina inaugurou então os seus jogos em branco, estava bem no serviço, num estado de euforia serena a responder como quem não quer saber que do outro lado está o número 1. É visível que esse número 1 está cheio de dúvidas e, certamente, com falta de pedalada nas pernas. As pessoas no Court Ranier III iam ficando embasbacadas. O sérvio começava a mirar a terra, mas esta nada lhe dizia, não responde a apuros. E o break do espanhol chegou, seguido de mais um jogo em branco, 4-1. O nível do ténis de Novak, que insistia estranhamente em amortis infelizes, era quase difícil de acreditar. Nesta altura, o espanhol, agressivo e a ousar sonhar contra o ídolo, tinha ganhado 13 dos anteriores 15 pontos.
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Apesar de uma recuperação tímida do sérvio, que se espera sempre que seja definitiva pois os tubarões não fazem gazetas, Fokina confirmou a solidez do seu ténis e, breakando, fechou o set com um 6-3, assinando três quebras de serviço em 44 minutos. Explicando o que se testemunhou, cruamente: Djokovic somou 16 erros não forçados (vs. sete de Fokina) e apenas oito winners (vs. 13 do rival, que ia mostrando uma esquerda a duas mãos interessante).
O segundo set teve outro nível. Embora tenha começado com uma bolinha mágica de Novak, Fokina ia explorando a falta de pedalada do rival. Até os maiores do mundo andam às apalpadelas. “Djokovic ficou com cara de poucos amigos a olhar para o vento”: este comentário espetacular saído da televisão explica bem, ou de certa maneira, a desilusão e a ficção científica que iam coabitando naquele court de Monte Carlo.
Com o 2-0 a favor no marcador, neste segundo set, Fokina demonstrou alguma irreverência e atrevimento ao servir por baixo, de surpresa, o que deixou completamente desamparado o homem que estava do outro lado. Mas Djoko salvou e Davidovich, castigado pelos universos que protegem os deuses, falhou o lob. A qualidade do ténis ia subindo, havia mais bolas longas, mais refinadas, salpicadas por melhores decisões. Ainda assim, o sérvio ia sendo menos agressivo, dando vida ao rival a cada pancada, que surpreendentemente chegou ao 3-0. Djoko suspiraria até ao 4-4 e, às vezes, depois de tantos erros não forçados e opções pouco habituais, batia com força, acelerava, parecia estar de volta, afinal os monstros regressam sempre. E fazem os outros tremer: Fokina, que mergulhou para inúmeras bolas e tatuou as costas com a terra de Monte Carlo, fez três duplas faltas e ofereceu a reviravolta na liderança do set ao adversário, 5-4.
Foi necessário o tie-break para resolver entre o escândalo e a normalidade, e desta vez o sérvio, pecando aqui e ali, sobreviveu. O 7-5 foi uma bolaça de Djoko. A seguir, meteu o indicador na orelha, dobrando-a para escutar melhor, pedindo amor. E sorriu, finalmente. E berrou, finalmente. E foi Novak, finalmente, já liderando em winners (14-10). Uma hora e 23 minutos tardou este segundo set.
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Há inevitáveis e este seria um deles: Djokovic não permitira ao quase anónimo Davidovich Fokina alimentar o sonho... certo? Na teoria. Mas uma dupla falta ofereceu numa bandeja o break ao espanhol, que voltaria a meter a cabeça no lugar, a calma na temperatura certa, o pulso tenso como se quer. Depois do 2-0, Djokovic, que ia juntando alguns slices ao leque de ferramentas, ganhou finalmente um jogo, tendo de salvar três pontos de break, um sinal da decadência. O espanhol sentia que podia escrever uma história bonita e, quem sabe mais cansado ou subestimando a besta do outro lado, ia encurtando os pontos, colocando mais força na bola, o que injeta uma dose de risco e perigo.
E, num abrir e fechar de olhos e contrariando obviedades, Fokina chegou ao 4-1. A coisa não se afigurava famosa para Djokovic, que já não contava com Marian Vajda, o seu treinador nos últimos 15 anos. Jogo em branco para o espanhol: 5-1. O desdém que Novak revelava em algumas bolas não era desdém, era desolação. Desta vez não houve salvação possível, como no segundo set, até porque, superando os 50 erros não forçados, as pancadas eram tristes e cheias de desesperança: 6-1 para Fokina, foi o nono break. Agora, nos oitavos de final, o tenista malaguenho terá pela frente ou o belga David Goffin ou o britânico Daniel Evans.
Davidovich, com uma fita pouco útil no cabelo e uma meia de cada cor, abraçou o sérvio durante poucos segundos na rede e sorriu depois incredulamente. Já sentado, punha as mãos na cabeça, soltava risos contidos, olhava de lado como quem tinha algum embaraço pelo que fez. Mas os olhos brilhavam, quanta alegria. Para fechar em beleza, com a caneta para assinar na lente da câmara, escreveu: “Adota, não compres”. Há cerca de um ano, Alejandro Davidovich Fokina lançou uma plataforma online – Adoptas.org – para ajudar os cidadãos de Espanha a encontrarem um animal de estimação para adoção. E isso, admitiu, deixou-o mais nervoso do que jogar ténis. Ninguém diria...