Na segunda-feira, 4 de abril, Noah Rubin, 440.º do ranking ATP, perdeu no Oeiras Open 2 contra Alex Rybakov, compatriota com quem viajou para atuar em Portugal porque vir com a equipa técnica “teria sido demasiado caro”. Com voo de regresso a Nova Iorque marcado para quarta-feira, Rubin reservou a terça para passear por Lisboa, ficando combinado que a conversa com a Tribuna Expresso decorreria na capital.
No entanto, o tenista teve de ficar o dia inteiro nas instalações oficiais do torneio à espera do sorteio do lucky looser, que ainda lhe poderia dar uma chance de continuar a competir. Uma das situações da responsabilidade da ATP “que não fazem qualquer sentido”, comenta, sentado numas escadas do Centro Desportivo Nacional do Jamor, enquanto olha para o céu acizentado.
O que te pareceu esta passagem por Portugal?
É um dos melhores torneios Challenger em que já estive. Pelas pessoas que o organizam, a infra-estrutura… O tempo não foi excelente, um pouco de frio e vento, mas foram dias muito bons. Os campos são excelentes. No cômputo geral, é sem dúvidas um dos melhores Challenger em que já estive.
Mencionas os campos. Aqui são de terra batida, uma superfície que dizes apreciar.
Tanto eu como o Alex Rybakov, que me derrotou ontem, gostamos de terra batida…
… o que não é muito norte-americano.
[risos] Não, de todo. Para o Rybakov, sempre foi a superfície dele. Os meus melhores resultados foram em hard courts, mas sinto-me muito bem em terra batida, acho que o meu corpo se adapta bem. Eu sou um tipo baixinho, gosto de correr à volta do court e, portanto, a terra batida adapta-se bem a mim.
É engraçado ouvir isso de um antigo campeão do torneio de Wimbledon em juniores.
É verdade, é o oposto.
Acho que foi o Roger Federer que disse que ir da terra batida para a relva era uma boa transição, que o ajudava a preparar-se.
Sim, disse. Para mim, como sou pequeno e me mexo bem, o meu jogo encaixa bem nos extremos, seja em condições muito rápidas ou muito lentas. Sempre gostei de terra batida, especialmente se é boa terra batida, como aqui.
Indo um pouco atrás, li que começaste a jogar com um ano. Como foi isso?
A primeira fotografia no meu telemóvel mostra que é verdade [Noah mostra-nos a fotografia, com um bebé agarrando uma raquete desproporcional para o seu tamanho].
Caramba, a raquete é maior que tu!
É mesmo. Os meus pais tinham uma raquete e uma bola e eu comecei, com um ano e meio, a dar umas pancadas na bola. Pratiquei vários outros desportos, mas o ténis é como se estivesse sempre no meu sangue.
Nasceste e cresceste em Nova Iorque, certo?
Sou 100% new yorker, man.
Ainda vives lá?
Sim. Fui algum tempo para a Flórida, treinei lá durante um tempo porque é o place to be em relação a centros de ténis nos EUA. Foi há uns dois anos, mas Nova Iorque é a minha casa, é onde estou feliz. Posso treinar de forma árdua em qualquer lado, mas o fundamental é estar feliz. Na Flórida eu não estava muito feliz.
Tiveste saudades de Nova Iorque enquanto estavas na Flórida?
Sim, tive muitas. Nova Iorque é a minha casa e é onde quero viver. É onde está a minha família, onde encontro a felicidade. Então, voltei para Nova Iorque e foi uma excelente decisão.
Além do facto óbvio de ser a tua casa de sempre, a que achas que se deve essa conexão a Nova Iorque?
Não sei bem. Quando eu era mais novo e comecei a viajar por causa do ténis, as pessoas perguntavam-me onde é que eu queria viver no futuro e eu nunca dizia Nova Iorque. Na verdade, às vezes dizia que seria em qualquer sítio menos Nova Iorque. Mas depois fui crescendo e, entre os 20 e os 24 anos, passei muito tempo fora de Nova Iorque e estava sempre a pensar “uau, tenho saudades de Nova Iorque”. Com as viagens, passas muito tempo fora de casa, mas nesta fase da vida tenho a certeza que Nova Iorque is my place, é o local ideal para mim.
Vê-se um sorriso na tua cara sempre que falas de estar em casa. Nesta fase, em média, quantas semanas por ano passas fora?
É difícil dizer, mas talvez passe, por mês, duas semanas e meia a três semanas fora de casa. Geralmente, diria que por mês nunca passo mais de 10 dias em casa e isso é um problema. Tendo família e namorada lá, tenho muitas saudades. Mas mesmo colocando o aspeto familiar de lado, Nova Iorque é uma das maiores cidades do mundo, é única.
Como é que lidas com essa rotina de viagens constantes? Por exemplo, como escolhes o teu calendário? Para alguém que esteja de fora parece muito caótico, porque se fores um jogador de topo é mais ou menos fácil prever boa parte do calendário — os Grand Slams, Miami, Indian Wells, Monte Carlo e por aí fora —, mas fora dessa realidade há, literalmente, um mundo de opções.
Se fores top 50 no mundo o calendário é mais ou menos previsível. Mas mesmo se fores 90.º é tudo muito aleatório, e abaixo de 120 do mundo é, basicamente, up to you — tu escolhes e crias o teu calendário. É caótico e acho que dificulta, também, o seguimento que os fãs queiram fazer. Será que ele está na Austrália ou na África do Sul? Ah, está em Portugal, mas não estava em Marrocos?
Diria que o primeiro critério na escolha do calendário é a superfície. Pensas em que superfície queres jogar num mês concreto. A partir daí, tentas ver de onde vens e para onde vais, pensando qual a viagem mais fácil e barata de um torneio para o outro. E, além disto, olhas para qual será o torneio mais duro e em que torneio terás melhores hipóteses de chegar longe tendo em conta a concorrência. Por exemplo, há alguns locais para os quais poderá ser mais difícil viajar e isso pode levar a que haja piores jogadores. Mas é sempre uma ginástica difícil.
Esta resposta faz-me lembrar de algo que me disseste da primeira vez que falámos: “A parte de jogar ténis não é a mais difícil para um jogador”.
Estou sempre a dizer isso. Quando eu estava com problemas, não querendo mais jogar ténis, isso não tinha nada a ver com jogar ténis em si. Devia-se a ter de garantir que o meu corpo se sentia bem, que eu trazia dinheiro para casa, que eu tinha uma equipa comigo, que o meu calendário de viagens era bom… Não tinha nada a ver com bater bem uma esquerda.
Aqui em Oeiras, viajaste com alguém?
Não, viajei sem ninguém da minha equipa. Vim com o Alex Rybakov. Eu e ele tentamos fazer com que os nossos calendários coincidam, porque sabíamos que nesta fase estaríamos a jogar em terra batida e gostamos um do outro, portanto é bom viajarmos juntos. Eu comecei recentemente a trabalhar com um novo treinador que viaja comigo, mas não achava que, na semana passada, conseguisse chegar ao quadro principal [Noah foi eliminado nos quartos-de-final do Oeiras Open 1 e no qualyfiing do Oeiras Open 2]. Então disse-lhe para não vir, porque havia o risco de que ele viesse e se fosse embora logo a seguir. Há muita coisa para planear, é muito duro.
Quando dizes “a minha equipa”, de quem estás a falar?
A questão da equipa é complicada. Neste momento, tenho uma boa quantidade de pessoas comigo, mas levou muito tempo para conseguir juntar esta equipa, dado que nem sempre tive as condições financeiras que agora possuo para que seja exequível ter estes profissionais junto de mim. Tenho um fisioterapeuta, um preparador físico, um treinador que viajará comigo durante uma boa quantidade de semanas e um outro treinador em casa. É uma boa equipa, com a qual me sinto confortável e me ajuda a preparar-me para estes torneios. Mas, financeiramente, é muito difícil viajar sempre com pessoas. Tens de ir escolhendo e fazendo opções constantemente.
Mencionaste o período em que deixaste de querer jogar ténis. Quando foi?
Começou antes da pandemia e teve várias fases. A primeira fase em que isso me aconteceu foi quando atingi o melhor ranking da minha carreira [125 do mundo, em outubro de 2018]. As pessoas dizem sempre que se estás no teu melhor momento profissional, deverias estar feliz, mas comigo não foi assim. Na minha cabeça, achava que por estar naquela posição merecia mais dinheiro, merecia mais. Era o 125.º do mundo, mas não tinha o suficiente. É duro dizê-lo, mas ainda me faltavam ganhar imensos jogos para ser, sei lá, 90.º do mundo. Cansei-me, basicamente. Esse foi o primeiro ponto em que pensei: “uff, não sei o que mais tenho dentro de mim nem o que posso fazer”. Depois, em 2019, regressei a casa, voltei a Nova Iorque.
Porque quando foste 125.º, estavas na Flórida?
Sim, estava, foi em 2018. Derrotei o John Isner [tenista norte-americano que em 2018 chegou a ser o 8.º do mundo] e tive várias das melhores vitórias da minha carreira naquela altura. Mas precisava de começar a fazer as coisas à minha maneira e garantir que a minha felicidade era a prioridade. 2019 foi um ano difícil para mim, mas vivendo em Nova Iorque e treinando só uns 45 minutos por dia, porque não tinha muita vontade, consegui superar o qualifying de Wimbledon e chegar à primeira ronda. Isso provou-me que eu conseguia fazer as coisas como queria, que podia estar em casa, em Nova Iorque, e mesmo assim jogar bem ténis.
Em 2020 esforcei-me muito para sentir-me bem comigo mesmo, no começo do ano estava a jogar muito bem, mas depois veio a pandemia. E na pandemia foi tipo “hey, queres ir ao Uzbequistão durante uma pandemia para jogar um challenger?”. E não, não queria. Portanto, basicamente não joguei nesse ano. E em 2021 também não joguei muito, não estava motivado para jogar, o que está a afetar o meu ranking agora. Portanto, a minha relação e motivação para com o ténis tem altos e baixos e, sobretudo, o mais difícil não é como bater bolas de esquerda ou direita, mas sim tudo o que está à volta, a saúde mental, as viagens, a questão financeira… Tudo o que está à volta do ténis, mas não tem muito a ver com jogar ténis.
Por um lado, os teus problemas estavam relacionados com saudades de casa, mas também vias que estavas no melhor momento da tua carreira, e ainda assim, chegar, por exemplo, aos 80 primeiros ainda te parecia muito distante, como se já tivesses subido muito, mas ainda houvesse muita montanha para escalar.
Exato. Eu sentia que ganhava imensos jogos, estava muito bem, era o 125.º do mundo. E pensava: “como é que ainda não estou no quadro principal de Grand Slams?” Sentia que ainda faltava imenso por fazer e, simplesmente, estava cansado. Provavelmente, deveria ter tirado umas semanas de folga e relaxar, mas não o fiz e isso afetou-me. Fui tendo vários altos e baixos desses, que também evidenciam as dificuldades deste desporto, que exige imensa consistência. Todos os anos tens de jogar praticamente todas as semanas.
Dizes que deverias ter tirado semanas de folga. Mas vocês, no ténis, não podem parar, certo? Parar é cair no ranking, e quanto mais cais, mais difícil é a tua vida a cada torneio.
É verdade, esse é outro problema. Olhando para a big picture, o que eu deveria ter feito era tirar umas semanas sem competir, perder alguns pontos no ranking, mas a verdade é que essa é uma decisão muito difícil e é outra pressão adicional. Se te lesionas, vais descer no ranking; se tiras tempo para ti, vais descer no ranking; se perdes encontros, vais descer no ranking. Não é como quando jogas no Chelsea, que se tiveres alguns meses maus eles não te vão despedir, continuas na equipa. No ténis tens de provar o teu valor semanalmente.
Recuando um pouco na tua carreira. Ganhaste Wimbledon em juniores. Como foi lidar com a expetativa de ser quase uma estrela adolescente, uma grande promessa?
O último ano de juniores foi muito bom e as pessoas esperavam muito de mim. Depois eu fui para a universidade e, quando vais para a universidade, as pessoas começam a achar que vais desistir da tua carreira de ténis, o que, obviamente, não foi o caso. Tive muito hype, é verdade. Fui à final de alguns torneios future e dois ou três meses depois de acabar a escola ganhei o meu primeiro Challenger. Era um adolescente e recebi um wild card para o Open da Austrália, onde derrotei o Benoît Paire na primeira ronda. E claro que estava a subir no ranking muito rápido, estava mais ou menos a 160 do mundo, tudo acontecia a correr nessa altura. Mas, pouco depois, lesionei-me no torneio de Houston e comecei a entender os altos e baixos do ténis e a perceber que nem tudo seria sempre tão rápido. A verdade é que muita gente esperava imenso de mim e que eu chegasse aos 100 primeiros ainda como adolescente, mas o ténis profissional é assim, muito inconstante e difícil.
Há algo muito interessante: quase todos os jogadores que estão no top 300 — para não ir mais longe — foram, em algum momento da sua infância ou adolescência, estrelas locais. Foram os melhores das suas cidades, regiões ou países. E depois, de repente, há um momento em que são os 'piores' jogadores profissionais do mundo e quase nunca ganham um encontro. Passam a infância e a adolescência habituados a ganhar sempre e, de um momento para o outro, nunca ganham.
Isso é muito, muito difícil. A maior parte dos jovens não sabem o que significa ser um tenista profissional. Além de tudo aquilo de que já falámos — problemas financeiros, a dureza das viagens —, tu levantaste algo muito importante. Sendo júnior, estás sempre a ganhar, mas, quando sobes a profissional, se estiveres 50/50 em vitórias e derrotas já é muito, muito bom. É excelente. É muito difícil para muita gente, porque, no ténis, a maioria dos jogadores perde muito mais do que ganha. Às vezes há pais que me dizem que os seus filhos ou filhas são top 50 num qualquer escalão jovem do seu pais e perguntam se eles serão profissionais. Bem, eu era número um dos EUA, cheguei a ser o melhor do mundo e, mesmo assim, tenho dificuldades para passar ao próximo nível.
As pessoas não entendem o quão difícil é, porque não só estás a jogar com os outros melhores do mundo da tua idade, estás também a jogar com os melhores do mundo que são um ano mais velhos, e dois anos mais velhos, e três, quatro, cinco anos mais velhos e por aí fora. Julgo que não se entende bem a dureza de tudo isto.
Aos 26 anos, em que momento ou ponto da tua carreira dirias que estás?
Eu trabalhei muito para me motivar para esta temporada. Como já disse, estive muito perto de não voltar a jogar ténis.
Decidiste continuar porquê?
Coloquei a cabeça na almofada uma noite e comecei logo a arrepender-me da decisão de retirar-me — e não a tinha tomado. Com o talento que tenho e o esforço que sei conseguir fazer, tenho de dar-me a mim mesmo a oportunidade de tentar chegar ao top 100 ou top 50 do mundo. Se não me der a mim mesmo essa oportunidade, acho que acabarei por me odiar. Não quer dizer que chegue lá, mas tenho de tentar.
Durante todo este processo de cuidado pela tua saúde mental, foste tendo o acompanhamento de profissionais, nomeadamente psicólogos?
Sim, usei muitos profissionais. Trabalhei com psicólogos, treinadores de performance… Alguns ajudaram, outros não, alguns ajudaram um pouco, outros ajudaram muito. Tentei encontrar toda a ajuda especializada e profissional que consegui e a minha família também sempre quis que eu o fizesse. Há aspetos mentais e de pressão que tornam o ténis um desporto muito duro e, para viver a vida como quero, tive e tenho de recorrer a ajuda profissional. Agora sinto-me bem, não estou a dizer que é perfeito nem que não tenha altos e baixos, mas estou pronto para competir.
Mudando um pouco de assunto para outro parte fundamental da tua vida. O que é o “Behind the Racquet?”
O “Behind the Racquet” surgiu de um dos momentos em que tive uma relação complicada com o ténis, foi quando comecei a lidar mais com ansiedade e depressão, em 2018. E achei que era impossível que eu fosse o único tenista a lidar com isso, então pensei em conectar-me a outros jogadores para nos ajudar-nos uns aos outros, tentando que o ténis melhorasse. Comecei a fazer perguntas aos meus amigos, sem saber bem onde é que isso me levaria, e do nada explodiu para a dimensão que tem agora. Tira-me algum tempo, mas temos conseguido publicar imensas histórias que significam muito para mim e dão aos jogadores a plataforma para partilhar as suas histórias, para serem vulneráveis, abrirem-se da forma que quiserem e mostrarem ao mundo que estão a lidar com certas questões que são muito difíceis.
Eu apontei uma frase que está no “Behind the Racquet”, que diz: “Comecei a compreender que existe uma verdadeira desconexão entre a forma como os espetadores entendem esta modalidade e o que realmente ela é. A perceção de um estilo de vida de glamour estava longe do que está realmente a acontecer.”
Tu pensas em ténis e a primeira imagem que te vem à cabeça é, provavelmente, Roger Federer em Wimbledon, impecavelmente vestido e sem uma gota de suor a escorrer, erguendo um troféu de campeão antes de embarcar no seu jato privado. Mas isso não é o ténis, isso é 0,001% do ténis. A maior parte do ténis… A maior parte do ténis é this right here [Noah aponta para uns 10 metros de distância da zona onde estamos a conversar, onde duas tenistas que acabaram de competir estão a subir umas escadas tendo de carregar sacos desportivos bastantes pesados, com visível esforço]. São jogadores viajando por sua conta e risco, carregando sacos em courts de treinos enquanto fazem, literalmente, contas à vida. “Behind the Racquet” é a oportunidade de ver os bastidores e ver o cenário na totalidade e não as exceções.
Realmente, isto [apontando para as tenistas, que já terminaram de subir as escadas] não tem muito glamour e parece muito duro. De onde vem essa necessidade, essa vontade de partilhar as histórias?
Eu sempre amei jornalismo, desde logo. E também quero que os fãs conheçam melhor os tenistas e quebrar o estigma sobre falar de saúde mental. Não é fácil falar sobre saúde mental, não é divertido falar sobre saúde mental, mas temos de falar sobre saúde mental, porque vai ajudar muitas pessoas. A última razão é que eu amo o ténis. Não amo tudo o que está associado ao ténis, mas amo dar pancadas numa bola de ténis e acho que este desporto tem de evoluir, para trazer mais adeptos e torná-lo maior, levando-o para o patamar do futebol americano ou do basquetebol. Não tem essa capacidade neste momento. Na Europa é mais popular do que nos EUA, mas acho que podemos torná-lo mais entusiasmante, aproximá-lo das pessoas e acho que um olhar mais aproximado, como o que se faz no “Behind the Racquet”, pode ajudar as pessoas conectarem-se com os jogadores.
Defendes a ideia de um circuito por regiões ou zonas. Achas que isso ajudaria os jogadores a aproximarem-se dos adeptos?
Completamente. A questão das viagens não é só dura — financeira e psicologicamente — para os jogadores, mas também para os fãs. Se tu gostas de mim, seja como adepto ou mesmo como amigo, é difícil saber onde estou. Por exemplo, os meus amigos em Nova Iorque dizem: “Hey, tu estás em Portugal? Mas está a acontecer o Miami Open, não estás lá? E vimos na televisão um torneio na Austrália, quem está na Austrália? E na semana passada não estiveste em Marrocos?” Não há conexão, é difícil de seguir. O ténis sempre pensou que ser um desporto tão internacional seria positivo, mas acho que levámos isso demasiado longe.
Achas que a série da Netflix que haverá sobre o circuito de ténis vai ajudar a aumentar a popularidade?
Bem, quer dizer, sou um pouco…
… temes que vá mostrar só a parte do glamour, a minoria?
Sim, vai mostrar o ténis à luz daquilo que tem sido sempre mostrado. E está tudo bem com isso, mas quem sabe, talvez mostre novos aspetos. A Netflix vai sempre ajudar, vimos o que o “Drive to Survive” fez pela Fórmula 1. Eu era um fã de Fórmula 1 e ver o entusiasmo pela Fórmula 1 nos EUA depois da série é fantástico, é incrível. Acredito que a Netflix vá ajudar, mas temo que o mundo fique a pensar que o ténis é incrível e o desporto mais perfeito do mundo e depois diga aos jogadores: “Vocês queixam-se porquê? Vocês são milionários, têm tudo aquilo de que precisam, deviam ser felizes”.
Temes que aumente o estigma?
Sim, o estigma do glamour. 100%. E é preciso combater esse estigma.
Mesmo alguns jogadores de topo têm sofrido com a saúde mental, particularmente no WTA. Osaka tem falado muito disso e há umas semanas a retirada da Ash Barty foi um choque para todos.
Barty é um excelente exemplo. Osaka teve os seus problemas e falar tão abertamente deles foi fantástico. Mas com Ash Barty… Ela estava, literalmente, no top of her game. Tinha vencido três Grand Slams, acabava de ganhar um major em casa, era a incontestada número um e melhor do mundo. Pensarias que ela estava perfeita. Mas quando a ouves dizer que o ténis era tão exigente, tanto mental como fisicamente, a um ponto que a fazia deixar de amar o desporto… Coloca muitas coisas em perspetiva e evidencia que este desporto é muito duro, é muito difícil. Mesmo quando estás no topo, não tens um dia de folga. Tens de aparecer e garantir que quando chega o torneio X, tu tens de estar ao teu nível. Perdes duas vezes seguidas na segunda ronda? Boom, já não és a número um. Não tem piedade.
Achas que alguém se deveria preocupar com isso ou tentar corrigir isso?
Eu já falei com muitas jogadoras, obviamente, mas não conheço a WTA a fundo. A ATP eu conheço muito bem e sei que não há suficiente cuidado pela forma como os jogadores se estão a sentir — e se houver esse cuidado, eles simplesmente não estão a fazer o suficiente. Não se tratam somente de tenistas, são pessoas e estão a sair do ténis num ponto pior ao que estavam quando começaram no ténis. O melhor exemplo que dou é que quando falo com a maioria dos jogadores e lhes pergunto se colocariam os seus filhos no ténis, eles dizem que não. Quer dizer, estes são alguns dos melhores tenistas do mundo, se esta resposta não te diz tudo o que precisas de saber sobre o ténis, não sei.
A tua maior motivação é fazer do ténis um lugar melhor?
Sim é, espero que sim. As vezes soa muito negativo e nem sempre as pessoas gostam de me ouvir, mas trabalho muito para tentar melhorar, seja através de novos circuitos ou de ajudar os jogadores, tento deixar o ténis um lugar melhor do que aquele que eu encontrei quando vim para este mundo.
O que é essa ideia do novo circuito?
Bem, trabalhámos muito nela durante a pandemia. Achávamos que quando a pandemia terminasse ou acalmasse teríamos a ideia do novo circuito pronta, mas ainda estamos a trabalhar nela. Basicamente, é colocar em prática todas as ideias que eu tenho sobre o ténis no meu próprio circuito: adeptos que possam bater palmas, coaching, cânticos nas bancadas, música ao vivo, bebidas, comida, algo um pouco mais entusiasmante para trazer novas pessoas para o desporto. Há muitas mudanças — grandes e pequenas — que podemos fazer pelo ténis e trazem mais pessoas para o ténis.
Faria sentido haver vendas de comida e bebida, alguma música a tocar… Vamos pensar que alguém traz um filho de oito anos ao seu primeiro encontro de ténis de sempre. O rapaz começa a gritar e, se calhar, grita demasiado e o juíz diz “quiet, please”. O miúdo não quererá vir a mais nenhum encontro de ténis, o pai também não virá porque o filho não vem e pronto, acabaste de perder uma família de ténis. Isto acontece tanto e tão rapidamente. Repara no basebol: muitos norte-americanos não acham que seja especialmente divertido ou que entretenha muito, mas as pessoas vão pelos hot dogs, pela cerveja, porque se divertem e passam bom tempo com os amigos. O ténis não tem isso, é muito exclusivo e não permite que as pessoas desfrutem da forma como gostariam.
Nas mudanças que propões, permitirias expressões de apoio vindas das bancadas e coaching?
Sem dúvida, esse seria o passo um. A localização geográfica seria algo mais profundo. Basicamente, eu escrevi toda uma proposta sobre isso para a ATP e eles não fizeram nada quanto a isso. Haveria muito mais mudanças, mas a base é envolver mais os fãs e as pessoas.
Quando dás essas sugestões à ATP, sentes que eles te ouvem ou ignoram?
Na verdade, sinto que não me ouvem nas coisas grandes, mas nas pequenas acho que ouvem, só que alguns jogadores de topo rejeitam. Por exemplo, Rafa Nadal disse que não ao cheering, à possibilidade de deixarmos os adeptos expressarem-se e apoiarem. Há alguns jogadores que dificultam que o ténis evolua.
Estás habituado a encontrar esse tipo de resistência por parte dos jogadores?
Acho que o “Behind the Racquet” deu-me uma plataforma para que muito mais pessoas me ouvissem, mesmo que o meu ranking não fosse entre os 20 primeiros. Mas claro que há imensos jogadores que dizem para eu me calar, mas também há muitos que me agradecem pelo trabalho que faço com o “Behind the Racquet”. Eu sei o que vou fazer, sou nova-iorquino e, portanto, não escuto muito as pessoas quando elas me dizem para parar de fazer algo. Acredito no que faço e sei que tenho muito mais a fazer. Este desporto precisa de mudanças.
Sentes que a tua voz é mais ouvida ou mais irritante para algumas pessoas?
[Risos] Depende. Vou ao Twitter e leio ambos, tanto pessoas que dizem para eu me calar como pessoas que me agradecem e reconhecem as dificuldades que passamos. Aprecio ambos os lados, na verdade, e tento aprender o máximo. Sei o que é bom para o desporto e o que poderia ser benéfico e tentarei construir coisas com base nisso. Veremos, nos próximos cinco anos, que mudanças poderá haver.
Um jogador com o Nadal é contra o cheering porquê?
É complicado quando tu, durante 15 anos, te habituaste a uma coisa, e agora sugerem-te mudanças. Ele é muito supersticioso — tal como muitos outros jogadores. Eu joguei ténis na universidade, onde as pessoas ficavam crazy durante os encontros e isso era divertido, transmitia energia, eu gostava de fazer disso e os fãs também. Quando está tudo calado… é mais complicado. Mas os tipos que estão no topo e jogaram de uma forma durante tanto não gostam de mudanças.
A PTPA [associação de jogadores profissionais criada por Vasek Pospisil e Novak Djokovic] pode ser algo bom ou não?
Há alguns bons aspetos em relação a ela. A verdade é que já passou muito tempo [desde que foi criada] e ainda têm pouco trabalho para mostrar. As minhas ideias são para a mudança ser feita fora da ATP, sem ajuda da ATP, porque acho que a ATP não quer mudar — e têm-no provado constantemente. Na minha opinião, é preciso fazer as mudanças estando fora da ATP, mas a PTPA quer fazer as mudanças estando dentro da ATP, e isso não tem resultado.
O teu novo circuito seria um concorrente da ATP?
A ideia é essa. É preciso competição. Noutros desportos há competição. O novo circuito não teria de ser tão grande como a ATP, mas teria de dizer: “Knock, knock, nós estamos aqui. Se vocês continuarem a fazer as coisas mal, nós vamos levar os vossos jogadores”. Noutros desportos isso já aconteceu. Em tudo, um monopólio é mau, porque se permite que alguém faça tudo o que quiser. Quero garantir que a ATP é responsável pelas suas ações. Trabalharei de forma árdua para garantir que esta nova competição é criada, mas ainda falta um longo caminho.
Temes pela imagem que casos como o de Djokovic na Austrália manchem a imagem do ténis?
Temos tido vários casos que trouxeram má imagem recentemente. Entre a situação da covid, a de Zverev…
O que achaste da forma como a ATP não lidou com Zverev [o 3º tenista do ranking que foi acusado por Olga Sharypova de violência física e emocional, que terá levado a ex-namorada do alemão a tentativas de suicídio]?
É impressionante. Prova, novamente, como a ATP não está disposta a tomar ações reais sobre nada. Recorda-nos que eles não estão dispostos a mudar e a pandemia mostrou isso. Era a altura perfeita para fazer mudanças e eles não as fizeram. Então alguém tem de fazer essas mudanças.
O caso de Zverev pode mostrar algo mais estrutural no ténis? No sentido de que, por exemplo, uma namorada ou companheira, se acompanhar um jogador no circuito, está longe da sua família ou amigos, isolada de uma rede de segurança.
Não iria tão longe agora, mas diria que a ATP tem a obrigação de olhar para a situação. Se alguém está a chorar por ajuda, tens de ouvir, não esperas 11 meses. Não esperas que uma notícia seja publicada, e depois esperas ainda mais para que uma segunda notícia seja publicada. Há vidas de pessoas em risco… É fácil pensar que se o jogador fosse o número 100 do mundo, a situação seria diferente. Dá a sensação de que o Zverev é uma das estrelas e, portanto, tem um 'acesso livre', free pass. Foi muito triste como a ATP lidou com a situação.
Estamos aqui num torneio com jogadores esperando pelo transporte oficial, depois de um dia duro, no qual muitos perderam e têm de fazer contas para irem para outra parte do mundo, numa vida cheia de incerteza e longe do glamour. O que mantém tudo isto a andar, tantos jogadores de tantos lugares do mundo a jogar?
Depois de tudo o que de negativo te disse sobre o sistema do ténis, há qualquer coisa de mágico em relação a um momento. Não há nenhum outro desporto em que um momento possa mudar tanto a tua vida — e no ténis podes ser 260.º do mundo, vais ao qualifying de um Grand Slam, chegas ao quadro principal e vais até às meias-finais e isso muda tudo para sempre. Qualquer coisa pode acontecer. E esse momento — que todos os jogadores, a certa altura, sentiram, nem que seja um pouco dele — é o que mantém as pessoas nisto. Para o bem ou para o mal, mantém-nas durante muitos anos. Às vezes magoa os jogadores, outras é uma história incrível. A grande questão é que sucede para um grupo de jogadores muito restrito, mas é a sensação que persegues. E pode acontecer a qualquer altura.
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