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A manobra artística de Karim

A manobra artística de Karim
Robbie Jay Barratt - AMA

O penálti surrealista de Karim Benzema, quando estava 4-2 para o City em Manchester, colocou o Real Madrid mais vivo do que nunca na semifinal da Liga dos Campeões. Os dados sugerem que a taxa de sucesso sofre um ligeiro encolhimento quando se executa este gesto protagonizado pela primeira vez por Antonin Panenka, em 1976. Mas não faltam exemplos de futebolistas que bateram assim em momentos decisivos e regados por uma avassaladora tensão

Há mais camadas dentro de um panenka do que a mera valentia. A ciência oculta é divina. A corrida dissimulada, o retardar do gesto para não levantar suspeitas, o ângulo com que se coloca a bota nos tenros ossos da bola, a intensidade nostálgica com que se bate, às vezes minutos depois da última ação com aquela ferramenta redonda, ameaçando uma certa falta de sensibilidade. À quase ficção científica e transparente técnica junta-se a mentalidade, a explicação. Para quê?

Seis dias antes, Karim Benzema falhara dois penáltis no estádio do Osasuna. Na terça-feira, com um 2-4 a sangrar no marcador do estádio e de todas as televisões, acompanhado pelo bailado dos que representam a cor do céu, o francês não teve dúvidas, voltaria a bater o penálti. Pep Guardiola já tinha avisado: em tempos adversos, esta gente da realeza estica o dedo e implora por responsabilidade. Afinal, como dizia um poema de Pessoa, “os deuses são deuses porque não se pensam”.

Limpou o rosto na manga que sustenta a pesadíssima braçadeira de capitão daquela entidade interestelar, mirou o apito do árbitro que tardava em manifestar-se, trocou demoradamente um olhar cheio de luxúria com a bola, suspirou como quem estava tenso, mero fingidor, e voltou a cravar os olhos no apito, desinteressando-se pelo operário de luvas que tinha à sua frente, assim como a rede de pesca que garante o ganha-pão dos monstros.

Quando ouviu o silvo, moveu-se como se estivesse atrasado para alguma coisa e tocou na bola como quem arranca algo gentilmente com uma colher. Enquanto a bola viajava para a baliza, atrás da mesma uma adepta teve tempo para abrir a boca e colocar a mão esquerda na cabeça, permitindo à outra descansar no peito. A trajetória da bola, que se fez panenka durante o périplo aéreo e fugaz, subiu mais do que a tradição recomenda. Golo. Quatro-três e servida a promessa de uma tremenda segunda mão no Santiago Bernabéu, onde 90 minutos é muito tempo.

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