Davidovich Fokina, o tenista que ajuda animais: “Isto não é sobre ténis, o que te fará jogar bem é o estado em que está a tua cabeça”

Editor de Desporto
Há um cantinho no Clube de Ténis do Estoril que tenta ter algum recato, o possível no meio da azáfama do 25 de abril, dia que libertou, em artimanha bicéfala com o sol, uma pequena enchente para o torneio. Mesmo ao lado do pequeno estádio que circunda o court principal há um corredor que ladeia dois campos escondidos de olhares curiosos e desagua num pátio, onde descansam sofás, mesa de snooker, treinadores e jogadores. Mais abrigado e na sala de portas escancaradas para este espaço, está um tenista loiro e de pele braseada pelas horas de exposição soalheira, com um pequeno carrapicho de cabelo na cabeça.
De perna cruzada e sentado sozinho, a um canto da sala cheia de televisões, uma máquina de café e utensílios de conforto — dois copos para lançar dados repousam em cima da mesa que tem à frente —, eis Alejandro Davidovich Fokina, um espanhol nascido em Málaga e com pais russos que chega ao Estoril Open como um dos jogadores de arregalar o sobrolho. Não é que a culpa seja imberbe, mas teve um laivo bastante recente porque, nem há duas semanas, ele estava a jogar a final do Masters 1000 de Monte Carlo, onde chegou após superar Novak Djokovic na segunda ronda.
Ele fala pausada e tranquilamente, não é pessoa de respostas fartas em longura, nem parece ser fã de dar nas vistas. Chega a baixar o tom de voz quando outros presentes na sala, por momentos, se calam, tentativa de existir abaixo da frequência que contrasta com o estilo que tem no court. No torneio francês, fartou-se de atirar o corpo para o chão em busca de alcançar bolas e até a ATP o mencionou nas estatísticas que vai dando a quem acompanha a transmissão dos jogos. "É algo que simplesmente me sai, mas não necessariamente para mostrar às pessoas", garante, pouco antes de luzir as crostas nas mãos que ainda tenta sarar dessas quedas.
No Estoril Open, onde começa a competir esta quarta-feira, já chegou às meias-finais na edição de 2019, vindo do qualifying e então a participar apenas no segundo torneio ATP. Ainda era um quase adolescente. Está hoje com 22 anos, um 28.º lugar no ranking e uma aptidão para bater pancadas brutos do fundo do court que já não passa despercebida. Quando, nem duas horas volvidas da entrevista, entra num dos campos secundários do complexo do Estoril com o seu treinador, dezenas de pessoas paravam para o ver a esquentar o corpo. Alejandro Davidovich Fokina chegou para fazer mossa.
Em 2019, vieste aqui ao Estoril jogar o qualifying e acabaste por só parar nas meias-finais. Era só o teu segundo torneio ATP. És um jogador muito diferente?
Sim, sim, a verdade é três anos dão para muita coisa e, mais do que dentro do campo, vais melhorando até fora, vais crescendo como pessoa. Afinal, vais evoluindo ao longo da vida. Vejo-me bastante diferente: mais competitivo, com muito mais vontade e também com as coisas mais claras na minha vida, tanto no ténis como fora dele, o que é o mais importante. Não é só ténis, ténis, ténis. Estou mais maduro e ainda me falta muito. Quando me perguntares o mesmo daqui a três anos, voltarei a responder que sim.
O teu pai era pugilista. Como é que acabaste com uma raquete na mão?
Desde que tenho 2 anos que o meu pai me colocou uma raquete nas mãos. Nunca me deu a escolher, sempre foi ténis e não sei porque nunca me inculcou o boxe ou me ensinou. Sempre tivemos as nossas brincadeiras, punha-me em pose de luta com ele, mas nunca me ensinou.
E ele joga bem ténis?
Começou a jogar comigo e, por acaso, não se dava nada mal. Mas não sabia nada de ténis.
Esta será a primeira vez que competes depois da final do torneio de Monte Carlo. Este intervalo serviu-te para quê?
Decidimos descansar porque tinha sido uma semana muito dura e não ia estar a 100% para jogar em Barcelona, então, também para assimilarmos o que aconteceu - porque houve muitas emoções e muita tensão -, não fiz nada durante dois dias para processor tudo o que se passou. Voltámos a treinar aos poucos a partir de quarta-feira [20 de abril] e a verdade é que me sinto muito bem. Sei que fiz uma final e ganhei vários bons jogos, mas queria ganhar [foi derrotado por Stefanos Tsitsipas]. A cada torneio que passa que tenho mais confiança em mim e vou tentar ganhar cada prova. Antes, não me via tanto assim. Agora, considero que tenho muitas possibilidades de jogar para conquistar um torneio. Foi uma boa assimilação.
Qual foi a maior aprendizagem que retiraste da tua caminhada em Monte Carlo?
Confiar mais em mim mesmo. Quando chegou o jogo com o Djokovic, eu não tinha ganhado muitos jogos, estava sempre a fazer só primeira e segunda rondas. Depois de vencer o Nole, tive um subidão de auto-estima e confiança, de acreditar mais em mim, e acho que a maior aprendizagem foi essa: no final, não é sobre ténis, o que te fará jogar bem é o estado em que está a tua cabeça. A partir desse momento, a minha cabeça e os meus pensamentos mudaram, ficaram mais positivos. A mudança foi essa.
Como foi a primeira conversa que tiveste com o teu psicólogo/mental coach após a final em Monte Carlo?
Bom, expliquei-lhe como me sentia e ele só diz que sim e que sim. Ele via-me muito decidido e quase que não o deixei falar com os meus pensamentos. Disse-lhe como queria que fosse as coisas agora na minha carreira. Hoje tenho tudo muito mais claro, sei que ainda tenho muito em que melhorar e estamos a trabalhar para isso.
O teu treinador já disse que tu és um vulcão. Porquê?
Tenho muita força dentro, mas esse vulcão sempre teve muitos furos e a minha força dispersava-se por muitos lugares, não era capaz de que esse vulcão explodisse só numa direção, controladamente. Agora estamos a ir por um bom caminho e esse vulcão, como ele lhe chama, está a ser direcionado para um caminho mais correto.
O mais difícil que um tenista tem para fazer é controlar esse seu lado mental?
Sim, no ténis podes ter uma má direita ou uma má resposta ao serviço, mas se competires por todos os pontos, tiveres uma boa mentalidade e fisicamente estiveres bem, é quase indiferente tudo o resto. Eu demonstrei-o esta semana. Vinha a jogar bem, mas, mentalmente, não estava a desfrutar de todo. Mas, justamente nessa semana, fiz o clique na minha cabeça e vejo tudo de forma diferente.
Essa frase foi pesada, a de estares a jogar bem e não te estares a divertir.
Ou seja, este ano tive muitos jogos meio que controlados ou ganhos contra jogadores do top 10, mas escaparam-me devido a detalhes. E só com a questão de continuar e continuar é que cheguei à conclusão de que a recompensa aparece sempre. Há que continuar a trabalhar para tentar melhorar a cada dia porque acredito que vais evoluindo até ao dia em que morres. Há que seguir e desfrutar do momento também, em Monte Carlo foi tudo muito bonito o que também ajudou a que isso acontecesse.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt