Afinal, Portugal vai ao derradeiro torneio de qualificação para o Mundial de râguebi. A culpa é de um sul-africano naturalizado espanhol

Editor de Desporto
Gavin Van der Berg nasceu na África do Sul, tem 26 anos, mede 1,87 m e quando se coloca no topo de uma balança o mostrador luzirá três dígitos, o que é normal, ele é um jogador de râguebi e a sua posição é a pilar, a profissão exige-lhe corpanzil musculado. Em 2018, chegou a Espanha para jogar no Alcobendas, em Madrid, país e equipa nos antípodas da bola oval por comparação com a terra onde ele veio ao mundo e, passados três anos, quiseram aproveitar a sua capacidade na seleção espanhola.
A 12 de fevereiro, foi convocado para jogar por Espanha e, seis dias volvidos, virou oficialmente espanhol quando esteve 19 minutos em campo frente aos Países Baixos, numa vitória por 52-7. Convinha à federação do país que o processo tivesse sido concluído quando o foi: a 1 de janeiro de 2022 entrava em vigor a nova regra da World Rugby para a naturalização de jogadores, que teriam agora de contar 60 meses seguidos na nova nação para serem elegíveis. Até então, o mínimo estava nos 36 meses. Já este ano, Gavin Van der Berg fez 33 minutos também contra os Países Baixos e outra vez a contar para o Rugby Europe Championship.
É neste ponto que a história de um sul-africano feito espanhol se entrelaça com a fortuna de Portugal.
A pouco mais de meia hora em campo, a 5 de fevereiro, custaram uma multa de 25 mil libras à Federação Espanhola de Râguebi e uma dedução de 10 pontos no torneio que é uma espécie de segunda divisão da vida oval na Europa. A decisão surge na sequência de uma queixa apresentada pela Roménia contra a “elegibilidade” do jogador, tendo o fundamento sido escalpelizado pelo jornal “Marca” — o jogador terá falsificado a data de entrada em Espanha, aquando do regresso de uma viagem à África do Sul para estar com o pai, então bastante doente, para cumprir com o prazo máximo de 60 dias em que podia estar fora do país e continuar a reunir as condições de naturalização.
A Espanha garantira o segundo lugar do Rugby Europe Championship e respetivo apuramento direto para o Mundial em março, nas barbas de Portugal, ao ganhar em Madrid por 33-28 e, em simultâneo, cortando as vazas da esperança de qualificação à seleção nacional. Mas, retirada esta dezena de pontos — os espanhóis têm 14 dias para recorrer da decisão —, no colo da Roménia caiu a ida direta ao Campeonato do Mundo de 2023 e Portugal ficou com a terceira posição final, que vem com um bónus atrelado.
A seleção nacional será a nação europeia presente no play-off onde se jogará pela última vaga disponível no Mundial, onde competirá para chegar apenas pela segunda vez à prova. Em 2007, foi a primeira equipa totalmente amadora a jogar entre anciãos do râguebi, mas, desta vez, as agruras que terá de aguentar serão outras.
Há 15 anos, a seleção nacional teve homens feitos a chorarem nascentes de lágrimas enquanto berravam o hino nacional ou a marcarem um ensaio à Nova Zelândia, partilhando depois uma peladinha de futebol contra os All Blacks, no final do jogo, para igualar um pouco as coisas, porque venceu o Uruguaio no derradeiro play-off de acesso ao Mundial. Agora, terá de jogar contra três adversários num mini-torneio de qualificação.
Agendado para novembro, Portugal sabe de onde virão essas seleções, mesmo desconhecendo quais serão. Da qualificação da Ásia/Pacífico, o Tonga jogará com a Malásia ou a Coreia do Sul para estar presente; das Américas, as hipóteses afunilam para entre os EUA ou o Chile, que se vão enfrentar na repescagem desse continente; e, de África, ainda falta jogar o torneio que ditará quem sobrevive do lote composto por Namíbia, Burkina Faso, Zimbabué, Costa do Marfim, Senegal, Argélia, Uganda e Quénia. Só em julho, quando se jogarão todos estes afazeres espalhados pelo mundo, a seleção nacional saberá quem defrontará.
Para já, a equipa portuguesa treinada pelo francês Patrice Lagisquet — que terminou com o melhor ataque do Rugby Europe Championship — foi granjeada com uma oportunidade descrita de outra forma pelo homem que o contratou. “Fomos agora, finalmente, premiados com alguma sorte”, resumiu Carlos Amado da Silva, presidente da Federação Portuguesa de Râguebi, em comunicado, reagindo à situação lamentada pela entidade, que “não a denunciou” como o fez a Roménia.
A fotografia é outra para a federação espanhola. Mesmo apelidando a sanção como “duríssima” e traçando-lhe a origem a “uma presunta falsificação do passaporte”, este é o segundo Mundial consecutivo a que a Espanha não irá devido a problemas de burocracia ou imprecisões de papelada: em 2017, a World Rugby também lhe deduziu pontos por culpa da utilização indevida de jogadores e a consequência foi a equipa sair do lugar que dava acesso ao play-off. O caso de Gavin Van der Berg é quase a sequela de um legado que, desta vez, sorriu a Portugal.
Se o riso for para ficar rasgado o mais possível em caras portuguesas, a seleção nacional acabará no Grupo C do Mundial, com Austrália, País de Gales, Fiji e Geórgia.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt