O pleno de Van der Poel: na estreia do Giro, é o primeiro camisola rosa. Já o tinha feito no Tour
Stuart Franklin/Getty
O neerlandês especialista em clássicas e no ciclo-cross estreou-se há um ano em grandes voltas. E foi logo camisola amarela no Tour, algo que o seu avô, o histórico Raymond Poulidor, nunca havia logrado. Na primeira participação no Giro repetiu a gracinha, ao vencer a 1.ª etapa, em Visegrado. João Almeida chegou entre os primeiros, mas perdeu quatro segundos para Richard Carapaz
Apesar da cara catraia, Mathieu van der Poel já não é exatamente um bebé. Há um ano, já com 26 anos, o neerlandês estreava-se na Volta a França depois de se dedicar essencialmente às corridas de um dia e ao ciclo-cross, disciplina onde já foi campeão mundial por quatro vezes.
Quando deixava os percursos lamacentos do todo-o-terreno, era nas clássicas que Van der Poel se sentia em casa: campeão na Amstel Gold Race em 2019 e na Volta à Flandres em 2020 (repetiu triunfo este ano), o explosivo neerlandês era sempre ausência de vulto nas grandes voltas, por não lhe interessar particularmente as exigências das três semanas - erradamente pensamos que os heróis estão só nas corridas por etapas - quando o seu corpo era feito para outras aventuras igualmente gloriosas.
Essa espécie de boicote não oficial às maiores corridas do mundo acabou há um ano na Volta a França. E com toda uma carga emocional às costas: o avô de Mathieu van der Poel era o mítico Raymond Poulidor, um dos mais amados ciclistas franceses da história, apesar de nunca ter conseguido vencer o Tour - foi segundo por três vezes, com a bola sempre a bater na trave.
E na estreia na mais importante prova do ciclismo mundial, o homem das clássicas brilhou naquele que é um dos seus habitats naturais: chegadas com rampas curtas mas exigentes. No Mur-de-Bretagne, logo à 2.ª etapa, o comboio Van der Poel bateu as pernas naquele ritmo tão pesado como difícil de acompanhar quando lançado. Foi o primeiro e apontou o dedo ao céu, para o seu avô falecido em 2019, logrando também o que Poupou nunca havia conseguido na sua larga carreira: envergar a camisola amarela na Volta a França.
Van der Poel passeou-se de amarelo durante cinco dias e depois foi à sua vida, para preparar os Jogos Olímpicos de Tóquio, nas bicicletas de montanha. E esta temporada resolveu dar nova oportunidade às grandes voltas.
A etapa inaugural do Giro não podia ser mais ao jeito do homem da Alpecin-Fenix, com partida em Budapeste, capital da Hungria, e chegada a Visegrado, com uma quarta categoria a fechar a tirada, uma subida curta mas capaz de criar mossa. Praticamente desde o quilómetro zero da etapa de 195 km, dois homens da Androni, uma das equipas italianas convidadas, atiraram-se para a frente, porque é nestas tiradas que aparecem as melhores oportunidades de mostrar a camisola. Mattia Bais e Filippo Tagliani andaram sozinhos praticamente até aos 15 quilómetros finais, quando foram apanhados por um pelotão até aí com um dia tranquilo.
João Almeida, antes do arranque da etapa inaugural do Giro, a cumprimentar Budapeste
Stuart Franklin
Com a chegada a Visegrado já à vista e o terreno a empinar, Lennard Kamna (Bora) tentou um ataque. A meta estava a dois quilómetros, mas a subida era inclemente, capaz de tirar praticamente todos os puros sprinters da equação. Só restou um: Caleb Ewan (Lotto), o pocket rocket, o australiano diminuto que parecia destinado a vestir a primeira camisola rosa da edição de 2022 da Volta a Itália.
Mas a etapa era para a passada de Van der Poel. Com Kamna já apanhado, o neerlandês apareceu nos metros finais, com Biniam Girmay (Wanty) na sua roda. A Ewan calhou o azar: bateu com a roda dianteira na traseira da do ciclista eritreu e caiu, deixando a luta pela vitória na tirada (e da camisola rosa) para os dois da frente. E Van der Poel, que no início da etapa já havia avisado o quão “especial” era correr no Giro, imitou o que fez no Tour: na estreia, vitória de etapa e camisola de líder no corpo.
Para Girmay o 2.º lugar é fraco consolo para quem chega ao Giro com um objetivo especial e importante: tornar-se no primeiro negro a vencer uma etapa numa grande volta. Terá outras oportunidades.
Quanto aos favoritos, nenhum deles subestimou esta primeira etapa e a sua exigente chegada: Pello Bilbao (Bahrain) foi terceiro e ainda agarrou quatro segundos de bonificações. Wilco Kelderman (Bora) foi 5.º e Richard Carapaz (Ineos) chegou em 6.º, ambos com o mesmo tempo do vencedor. Todos os restantes pontas de lança perderam segundos: João Almeida (UAE Emirates) deixou quatro segundos para Carapaz e arranca o Giro em 14.º na geral, a 14 segundos de Van der Poel.
Sábado será um dia em que Almeida poderá estar em destaque: o português será mesmo um dos favoritos ao curto contrarrelógio de 9,2 quilómetros que vai percorrer as ruas de Budapeste.