A inclusão de atletas transgénero no desporto feminino é uma inevitável – e aparentemente interminável – fonte de debate. Discute-se a “vantagem injusta” da testosterona, defende-se que as mulheres transgénero não deveriam ser autorizadas a participar em provas desportivas femininas. Ao mesmo tempo, lembra-se a máxima olímpica do desporto: a sua função inclusiva.
O podcast da BBC Sports Desk conversou com dois cientistas do desporto sobre o tema. Ross Tucker foca-se na testosterona e diz que as diferenças fisiológicas estabelecidas durante a puberdade podem criar “vantagens significativas” no desempenho. “As diferenças criadas pela testosterona persistem mesmo depois da redução da mesma”, diz Tucker.
“Quando os rapazes atingem os 13 ou 14 anos, as coisas começam a mudar fisicamente e vemos a massa muscular a aumentar, a densidade óssea altera a forma do esqueleto, o coração e os pulmões, os níveis de hemoglobina, e todos esses fatores contribuem significativamente para o desempenho [desportivo]. Baixar a testosterona tem algum efeito nesses sistemas, mas não é completo”, explicou Ross Tucker.
Joanna Harper, também cientista desportiva, é, ela própria, transgénero. Harper estuda os efeitos da transição nos corpos de atletas transgénero femininos. “As vantagens não são necessariamente injustas. (…) Os atletas esquerdinos têm vantagens sobre os destros em muitas modalidades, (…) como a esgrima. Mas os esgrimistas destros e esquerdinos podem defrontar-se”, afirma a cientista.
“No entanto, nunca pomos um pugilista pesado num ringue com um pugilista leve, ainda que este possa ser muito bom”, argumenta Harper, realçando o fator decisivo das questões de tamanho, prosseguindo: “A questão não é se as mulheres trans têm vantagens, mas se as mulheres trans podem competir com mulheres em termos desportivos. Honestamente, a resposta ainda não é definitiva”.
Segundo a cientista, “as mulheres trans podem ter desvantagens devido aos seus corpos mais largos, com uma redução da massa muscular e da capacidade aeróbica, mas isso não é tão óbvio como as vantagens de, pura e simplesmente, ser-se maior”.
Sobre a exclusão das mulheres transexuais do desporto feminino, Ross Tucker não tem dúvidas: “O objetivo da categoria feminina é acabar com a vantagem masculina, que resulta da testosterona. Até que seja provado que essa vantagem não persiste – ou existe – nas mulheres trans, então eu diria que não há bases para autorizar as mulheres trans a competir”. Tucker não exclui, no entanto, a hipótese de as circunstâncias mudarem.
Para Joanna Harper, “a ciência está na sua infância [neste tema] e não vamos ter respostas definitivas nos próximos 20 anos, provavelmente”.
“O Comité Olímpico Internacional tem dito que, até sabermos mais, não devemos restringir [a participação de] atletas trans. A World Athletics, por exemplo, disse que, quando as mulheres transgénero conseguem reduzir a testosterona ao longo de 12 meses, devem ser autorizadas a competir. Não é a política ideal (…) mas é o melhor que conseguimos ter com a ciência disponível. Penso que é uma abordagem mais razoável do que dizer que não deveria haver restrições ou que não devíamos permitir a entrada de mulheres trans até termos certezas”, disse Harper.
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