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Hotéis recomendados pela FIFA para o Mundial do Catar rejeitam receber hóspedes homossexuais

Hotéis recomendados pela FIFA para o Mundial do Catar rejeitam receber hóspedes homossexuais
Matthew Ashton - AMA/Getty

Investigação conjunta das televisões públicas sueca, norueguesa e dinamarquesa mostra recusa de vários hotéis indicados pela organização do Mundial do Catar em receber homossexuais. Federação sueca de futebol classifica política como “inaceitável”

Hotéis recomendados pela FIFA para o Mundial do Catar rejeitam receber hóspedes homossexuais

Pedro Barata

Jornalista

Na página oficial do Mundial 2022, 69 hotéis são recomendados pela FIFA para que os adeptos se alojem durante a competição que irá decorrer de 21 de novembro a 18 de dezembro no Catar. A "SVT", televisão pública sueca, a "NRK", estação pública norueguesa, e a "DR", rádio e televisão estatal da Dinamarca, entraram em contacto com todos esses hotéis. Através de pseudónimos e dizendo serem casais homossexuais, os jornalistas das televisões nórdicas expressaram interesse em passar a lua de mel no Catar, questionando os estabelecimentos quanto às suas políticas relativamente a homossexuais.

Três dos hotéis responderam, claramente, que "não aceitam" casais do mesmo sexo. "De acordo com a nossa política de hotel, não podemos acomodá-lo", contestou o "The Torch Doha". "Não aceitamos casais homossexuais", disse o "Wyndham Grand Regency".

Outras 20 unidades hoteleiras responderam dizendo haver "reservas claras" quanto ao comportamento que os casais deveriam apresentar, apontando para as leis do Catar, que criminaliza a homossexualidade. "Da nossa parte não há problema, mas no passado já houve incidentes que fizeram com que a política levasse homossexuais do nosso hotel", informou um dos estabelecimentos.

"Se se vestirem como homossexuais, vão contra a política do país e do governo. Para nós, não há problema, desde que se vista adequadamente e não mostre nenhum comportamento sexual ou carinho em público", sublinhou um outro hotel recomendado pela organização do Mundial 2022.

Num segundo contacto com os três hotéis que claramente rejeitaram a hipótese de acolherem casais homossexuais, os jornalistas abandonaram o disfarce e revelaram a sua identidade. Dois dos hotéis confirmaram ser essa a sua "política oficial" e outro argumentou seguir "as normas do Mundial": "Todos são bem-vindos, mas não devem demonstrar afeto em público".

picture alliance/Getty

Contactadas pelas estações dos países nórdicos, a FIFA seguiu o padrão de resposta que, aquando do sorteio do Mundial, Gianni Infantino, presidente da organização, havia dado. "A FIFA está convencida de que todas as medidas serão colocadas em prática para que os adeptos LGBTQI e outros possam desfrutar do torneio de maneira bem-vinda e segura", escreveu a entidade num e-mail.

Dirigentes das Federações da Suécia e Noruega já reagiram. Håkan Sjöstrand, secretário-geral da Federação sueca, considerou a situação "inaceitável", demonstrando "novamente" que é "errado atribuir um Mundial a um país que não respeita direitos fundamentais". Já Jakob Jensen, também secretário-geral da Federação da Dinamarca, lamenta que "nem todos se sejam bem-vindos" ao Catar.

No Catar, relações entre pessoas do mesmo sexo são criminalizadas. Em novembro de 2021, a Human Rights Watch denunciou que as autoridades do país procuram e detêm pessoas LGBTQ+ com base na sua atividade na internet. As autoridades “excluem conteúdo LGBTQ+ do espaço público”, indica a Human Rights Watch.

Em março, Nassar al-Khater, CEO do Mundial do Catar, “assegurou” que “qualquer fã, de qualquer género, orientação sexual, religião ou etnia” pode “ficar descansado” porque “o Catar é um dos países mais seguros do mundo”, sendo “eles” [os fãs] todos bem-vindos”. No entanto, Nassar al-Khater sublinhou que “as demonstrações públicas de afeto [por parte de homossexuais] são desaprovadas”, porque “não fazem parte da nossa cultura”.

No dia do sorteio da competição, a 1 de abril, a "Associated Press" publicou uma entrevista com o major-general Abdulaziz Abdullah Al Ansari, presidente do comité nacional anti-terrorismo do Ministério do Interior do Catar e um dos principais responsáveis pela segurança do torneio. Al Ansari disse que, caso adeptos "mostrem bandeiras arco-íris" durante o Mundial, estas poderiam ser-lhes retiradas.

"Se as bandeiras forem apreendidas, não é porque eu o queira fazer ou porque queira insultar as pessoas, mas sim para as proteger", argumentou o dirigente, que disse que se "não o fizer" [retirar as bandeiras], alguém à volta das pessoas as pode atacar. Não posso garantir o comportamento de toda a gente. E digo-lhes: 'por favor, não precisam de erguer bandeiras'. Tenho de estar perto do problema antes que fique fora de controlo e seja demasiado tarde", afirmou.

Al Ansari opinou que "quem quiser mostrar a sua opinião [sobre a causa LGBTQ+]", deve "fazê-lo numa sociedade onde isso se aceite", considerando que os espetadores devem "ver os encontros" e "está bom", mas "não vir e insultar toda a sociedade por causa disto". O major-general sublinhou que "não se podem mudar leis" nem "religião" por "28 dias de Mundial".

O responsável pela segurança do evento pediu que os adeptos "não se desloquem ao Catar para fazer demonstrações políticas": "Reservem o quarto juntos, durmam juntos, isso é algo que não é a nossa preocupação", disse.

Em 2010, duas semanas depois da atribuição do Mundial ao Catar, o então presidente da FIFA, Sepp Blatter, foi questionado sobre o tratamento que seria dado aos homossexuais no país do Médio Oriente. “Diria que eles se deveriam abster de quaisquer atividades sexuais”, disse, entre risos, Blatter.

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