O resistente João Almeida, o lutador que sobe à sua maneira e já é 2.º do Giro
LUCA BETTINI/Getty
O português terminou a 9.ª etapa da Volta a Itália, a primeira jornada de alta montanha, em 5.º, ficando a somente 12 segundos da liderança da geral. Subindo o imponente Blockhaus ao seu jeito, sem ir em acelerações bruscas, Almeida foi anulando a vantagem que favoritos como Carapaz, Landa ou Bardet chegaram a ter, não perdendo tempo na meta — a tirada foi vencida pelo australiano Hindley
O Blockhaus é uma subida que, antes de ser sentida nas pernas, já foi sofrida na cabeça. A dureza dos 13,6 quilómetros a uma pendente média de 8,4% torna impossível pedalar numa etapa com final na montanha localizada nos Abruzos, a caminho do Adriático, sem ter as aflições que por lá se passarão na mente. Forçando o sofrimento por antecipação, o Blockhaus já é pesadelo no cérebro de quem o desafia antes de ser realidade que amassa as pernas.
Ainda faltavam quase nove quilómetros para a meta da 9.ª etapa do Giro de Itália quando João Almeida começou a parecer ir no elástico do grupo de favoritos da corsa rosa. De manhã, o português avisara que não se "sentia muito bem", apesar de "não saber porquê", avisando que seria "um dia muito duro". E aquele aparente descolar quando ainda havia tanto por subir não parecia indiciar nada de bom.
Mas o que se seguiu foi nova demonstração da resiliência, espírito lutador e maturidade competitiva de João Almeida. Se a capacidade física do português lhe permite aspirar a uma carreira na elite do ciclismo, são a força mental e inteligência que o poderão tornar num grande campeão. A exibição do caldense no Blockhaus, contra a nata presente na Volta a Itália, reforça as legítimas expectativas de ver o homem da UAE Emirates discutir a classificação geral final.
Colocando o seu ritmo, alheio às acelerações e travagens de Carapaz, Bardet ou Landa, João Almeida foi reduzindo a diferença para os grandes favoritos à vitória no Giro. Pouco a pouco, ciclistas que tinham descolado do grupo depois do português eram por ele ultrapassados. E o trabalho de formiguinha de João teve prémio nos quilómetros finais, quando conseguiu chegar junto dos primeiros na geral — levando à boleia Hindley e Pozzovivo.
Já sem forças para o sprint, o português foi 5.º na etapa, com o mesmo tempo do australiano Hindley, vencedor da tirada. Mais importante que isso, subiu ao 2.º lugar da geral, a escassos 12 segundos da camisola rosa que já lhe é familiar ao corpo. O espanhol Juan Pedro López ainda resiste com o símbolo de líder do Giro.
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"Foi duro no começo da subida, estava a ter dificuldades. Não tinha pernas tão boas para hoje, por isso coloquei um ritmo inteligente". Foi com esta naturalidade que, depois do final da etapa, João Almeida explicou a estratégia utilizada. De facto, depois de um início de subida em que a sua equipa o acompanhou bem, com um importante trabalho realizado por Rui Costa, as primeiras rampas deixaram claro que os avisos do líder da UAE de manhã não eram bluff.
Começando a perder contacto com o grupo da frente a quase nove quilómetros do fim, Almeida teve uma primeira ajuda do seu colega Davide Formolo para aguentar o embate. Os sinais poderiam ser preocupantes, numa fase em que candidatos como Simon Yates — perdeu mais de 11 minutos — ou Wilco Kelderman — cedeu mais de 10 minutos — já tinham hasteado a bandeira branca da rendição. No entanto, João, qual pugilista resistente, consegue aguentar os golpes sem tombar.
Impondo o seu ritmo, escalando da forma que mais lhe convém, sem mudanças de ritmo frenéticas, o ciclista das Caldas da Rainha foi ultrapassando rivais. A sete quilómetros para a meta já era evidente que Almeida estava em mais um daqueles dias em que seria preciso muito trabalho para o levar ao tapete.
A pouco menos de cinco quilómetros para o final, Carapaz atacou, sendo acompanhado por Landa e Bardet, num trio que deu sinais de muita frescura física. Lá atrás, o português das mãos descobertas de luvas cerrava os dentes e, pedalada a pedalada, reduzia as diferenças para aqueles que desde o início da subida estavam à sua frente.
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Sempre levando Pozzovivo e Hindley na roda, João Almeida ia, sem ajuda, perseguindo o equatoriano, o francês e o espanhol que seguiam na dianteira. E, metro a metro, o espaço era cada vez menor, a recompensa estava cada vez mais perto. A 2,2 quilómetros do fim, o português fechou o espaço, para logo a seguir Bardet atacar, seguido por Carapaz e Landa.
Uma vez mais, João Almeida respondeu como se nada fosse. Reagiu não reagindo, mas sim agindo como o fizera até ali, ao seu ritmo, à sua maneira. E assim, já dentro do quilómetro final, voltou a chegar ao grupo da frente.
Nove quilómetros depois de começar a ceder espaço quando ainda havia cerca de 20 homens entre os favoritos, Almeida chegava ao topo do Blockhaus com apenas cinco companheiros de jornada, os mais fortes deste primeiro embate de montanha no Giro.
Nas centenas de metros finais, Pozzovivo cedeu alguns segundos e o caldense, exausto depois de tanto trabalhar, não teve forças para o sprint. Ainda assim, o português chegou com o mesmo tempo de Hindley, o mais rápido na chegada que bem pode agradecer ao líder da UAE Emirates por tê-lo rebocado até junto de Bardet (foi 2.º), Carapaz (3.º) e Landa (5.º).
A vantagem do grupo da frente para Juan Pedro López colocou em cima da mesa a hipótese de João Almeida vestir-se de rosa. O andaluz segura, para já, a maglia por 12 segundos. O Giro vai para o dia de descanso com uma certeza: quem quiser tirar da discussão o português que sobe sem luvas e ao seu ritmo terá de suar muito.