Não é que o inglês seja idioma mais ou menos rico que outros, melhor ou pior para descrever o mundo que nos rodeia, mas é inevitável usarmos algumas expressões importadas da língua que nos entra no quotidiano através de tantas manifestações culturais para explicarmos certas situações. Porque a mente vai invariavelmente para aquele filme ou aquela música em inglês que nos levou a gravar determinada frase.
Um desses conceitos enraizados é a star quality, qualquer coisa como a aptidão de uma pessoa para viver com os focos centrados em si, para concentrar atenções, admiradores e, claro, detratores. Para ser uma estrela.
Rafael Leão sempre teve muita star quality. Pelo descomunal talento para jogar futebol, claro, mas também pelo carisma, o sorriso rasgado, o olhar arrojado e confiante, até um certo porte de craque, de figura de destaque. De alguém que parecia destinado a viver sob os olhares alheios.
Milão é uma cidade habituada aos focos. Na Lombardia vive-se entre desfiles de moda e egos inflamados, mas durante muito tempo o calcio pareceu abandonar o roteiro das paragens turísticas da cidade. As marcas de luxo foram deixadas sozinhas sem a companhia da força desportiva de Milan e Inter.
Na temporada passada, o Inter quebrou a hegemonia da Juventus para voltar a reinar no calcio e dar um passo rumo à recuperação da grandeza perdida. Um ano depois, é o lado rossonero de Milão que quer fazer o mesmo. E tal missão tem sido conduzida por Rafael Leão, empenhado em fazer da sua star quality rendimento efetivo, tornando-se craque no relvado e, como efeito colateral, ganhando espaço no tal universo da moda da cidade — voltando, assim, a unir a Milão da moda com a da bola.
Na 37.ª e penúltima jornada da Série A, um golo do "supersónico Leão" — como descrito pela "Sky Italia" — abriu o marcador para a vitória, por 2-0, do AC Milan contra a Atalanta. Um resultado que, conjugado com o triunfo do Inter (2-1) contra o Cagliari, leva os dois rivais da cidade separados por dois pontos para a última ronda. Ao Milan basta um empate contra o Sassuolo para conquistar o título que lhe escapa desde 2010/11.
"Leão de sonho", escreve o "Tuttosport"; "Um grande golo, mais um na sua temporada de consagração", resume o "Corriere della Serra"; "Jogador top, imparável", define o "Eurosport". Elogios que evidenciam a impossibilidade de entender esta campanha da equipa de Pioli sem ser à luz da contribuição do português de 22 anos.
Os últimos meses de Rafael Leão têm sido uma sucessão de arrancadas que parecem fazer surgir terramotos nos encontros do Milan. Partindo da esquerda, o atacante tem influência em todas as zonas do ataque, esquivando-se de adversários com potência, agilidade e uma tomada de decisão em alta velocidade verdadeiramente notável.
Nas redes sociais, o jovem pontua, recorrentemente, as suas publicações com uma imagem de um surfista. E é surfando pelos campos de Itália como se de um Kelly Slater com uma bola nos pés se tratasse que Rafael Leão vai carregando o Milan rumo ao scudetto.
Sempre com o sorriso que inicialmente "preocupou" Pioli mas que depois conquistou o técnico, o português transformou um jogo que era altamente irregular num futebol bem mais consistente, ganhando a regularidade que lhe faltava. A cada arrancada de Rafael Leão, dá a sensação que o campo é demasiado pequeno para ele, que a próxima passada do jogador fá-lo-á escalar pelas bancadas acima. E tudo mantendo um requinte técnico típico dos craques.
Se Rafael Leão é um avançado que deixa uma impressão sensorial marcante, as estatísticas corroboram a sua preponderância para o Milan. Com 14 golos, é o melhor marcador da equipa na temporada, juntando-lhes ainda 10 assistências. Na soma das duas campanhas anteriores na Lombardia, Leão só tinha feito 13 golos e oito assistências, expressão clara de como multiplicou o seu rendimento.
Se Mário Jardel voava entre os centrais, Rafael Leão é mestre a surfar por entre as defesas. À entrada para a 37.ª jornada da Série A era, segundo estatísticas da"GoalPoint", o futebolista da liga italiana com mais dribles eficazes, com 94, mais 31 do que o segundo da lista, Gianluca Caprari (Hellas Verona). O ex-Lille e Sporting é, também, o futebolista com maior média de dribles eficazes por encontro, com 3,5.
Apontado pela imprensa italiana como claro candidato a melhor jogador da Serie A 2021/22, se o AC Milan tem uma mão no título é, em boa parte, devido aos sprints, ziguezagues, fintas, golos e assistências de Rafael Leão. Do bairro da Jamaica para o topo do calcio, Leão está na crista da onda.
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