Expresso

Lágrimas, dor e memória: o adeus ao ténis de Tsonga em Roland-Garros

Lágrimas, dor e memória: o adeus ao ténis de Tsonga em Roland-Garros
Tim Clayton - Corbis

Tenista francês, de 37 anos, despediu-se da modalidade depois da derrota com Casper Ruud, na primeira ronda de Roland-Garros. Quando o quinto set estava no horizonte, o corpo cedeu. Engolido por palmas e gritos de admiração, Jo-Wilfried Tsonga encerrou o jogo e a carreira em lágrimas

O corpo deu o sinal que tantas vezes já dera e ele deixou passar uma bola fácil para a direita. Bem posicionado para conquistar o quarto set e discutir o quinto contra Casper Ruud, número 8 do mundo, Jo-Wilfried Tsonga sabia o que isso significava. A palma da mão chocou contra a testa com violência. Estava perdido, o ombro ou arredores não iam permitir lutar mais no eventual derradeiro jogo da carreira, em Roland-Garros, onde decidiu fechar um trajeto importante. Deixou passar algumas bolas, serviu sem força, serviu por baixo, trocou de mão para bater um vólei. E ia tentando, sofrendo nos entretantos, dignificando o desporto que tanto gosta.

A fita no braço limpava o suor e as lágrimas. O esgar que fazia era de criança desamparada e boa. No tie break, com seis match points para o norueguês, teve de trocar de campo e, lentamente, encaminhou-se para o outro lado enquanto era aplaudido gloriosamente pelos admiradores e compatriotas. O tenista francês estava emocionado. Teve dificuldade para servir, as palmas engoliam-no, as palavras de amor também, deixou cair a bola, recuperou-a, mostrou-a depois a Ruud como quem pedia desculpa e ganhava uns segundos. O inevitável foi inevitável e o senhor de 37 anos, natural de Le Mans, largou para sempre a raquete naquele circuito. Depois, aplaudiu o colega, foi ao banco, regressou, curvou-se, beijou a terra com a testa e, num desfecho poético, passeou-a ali como uma tatuagem.

O rival, a quem apontam tardes e noites maravilhosas, no discurso de vitória, disse logo que não queria roubar o palco a Tsonga. Mas contou uma história: quando era miúdo, era admirador de Rafael Nadal, que Tsonga eliminou em 2008, na Austrália, numa caminhada que só pararia na final.

“Foi um grande jogo, mas não quero falar do jogo, só quero falar do Jo. Não quero estragar o teu momento, é duro para todos e triste para os jogadores que acabes [a carreira]. Tens sido uma inspiração para mim e para muitos outros jogadores. Obrigado pelas memórias”, dizia, aparentemente emocionado.

E continuou: “São muitas memórias a ver o Jo na televisão. Quando crescia, o meu jogador preferido era o Rafa, bateste o Rafa na Austrália. Eu estava triste com 9 anos, mas depois aprendi que o Jo é como um jogador de ténis deve ser, pelo comportamento e pelo que traz para o court”.

Apesar da simpatia e do sorriso tenro, Jo-Wilfried Tsonga foi um competidor feroz, com um percurso importante: foi número 5 do ATP em 2012, ganhou 18 títulos (a Taça Davis, por exemplo) e alcançou outras 12 finais, uma delas a tal em 2008, no Open da Austrália, a melhor prestação em Grand Slams. É apenas um dos três que ganharam a Roger Federer, Nadal e Novak Djokovic quando estes estavam no lugar mais alto do circuito. Resumindo, entre 2004 e 2022, foram 1002 partidas disputadas, com 68% de vitórias, o que resultou em 260 semanas no top-10.

Shi Tang

A organização de Roland-Garros magicou então uma celebração da vida desportiva de Tsonga, que contava na bancada com Evelyne e Didier, os pais que o miravam de uma forma tão serena e cúmplice como só o passar dos anos sabe ensinar. No court entraram depois, para um abraço eterno, os tenistas Gilles Simon, Benoit Paire, Richard Gasquet, Gaël Monfils e Pierre Hugues Herbert. No vídeo surgiram as palavras de Andy Murray, Djokovic, Nadal e Federer e era unânime, falavam em alguém carismático e especial.

Nesta altura já tinham entrado os treinadores que se cruzaram com o tenista ao longo da carreira, alguns com “merci, Jo” na camisola. Os pais, idem, tal como a mulher, Noura, e os filhos, Shugar e Leelow. “Foi uma aventura incrível. Tive a ajuda de muita gente. Fui muito afortunado de poder cumprir os meus sonhos”, disse o emocionado Tsonga, com uma folha que prometia “vou ficar aqui três quartos de hora”. E arrancou sorrisos, claro, quando o estômago estava a ser rasgado pela angústia do adeus.

“Quis mostrar resiliência desde jovem. Vou continuar a ser a pessoa que sou, e manter-me ativo, e fazê-lo o melhor que consiga”, continuou Tsonga, atual 297º do mundo. “Tive dias fabulosos e outros que não foram assim tão bons. Sou um jogador francês, um jogador suíço, um jogador congolês, um jogador negro, um jogador branco. Estou à vossa frente sem a minha raquete, ao lado dos meus melhores amigos de 30 anos. Obrigado, Noura, por estares ao meu lado. A minha família é a minha prioridade agora. Obrigado, ténis, amo-te.”

Como recordação levou um pedaço daquele santuário mítico, o torneio que via na televisão quando era miúdo e onde sonhou jogar.

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