Carlos Alcaraz fez um amorti, ao qual Albert Ramos chegou, dificultando a resposta do mais jovem dos espanhóis, que tentou passar a bola por cima do catalão em lob. Albert Ramos devolveu-a em smah, pancada normalmente sinónimo de ponto final das jogadas no ténis. Mas Carlitos respondeu uma vez. Ramos fez um novo smash, desta feita para o outro lado do court. E Carlitos voltou a chegar lá. À terceira não foi de vez, porque o sprinter com mãos delicadas voltou a colocar o objeto amarelo do outro lado da rede. Incrédulo, Albert Ramos falhou o volley, dando o ponto ao murciano.
O court Simonne-Mathieu foi à loucura após mais um exercício do impossível tornado real pelo prodígio espanhol. Ramos atirou a raquete à rede em cólera, Juan Carlos Ferrero, treinador de Alcaraz, pediu-lhe cabeça. O público foi à loucura.
Aquele ponto que valeu o 5-4 para o jovem de 19 anos, n.º6 do mundo, perante o compatriota de 34 anos, n.º44 da hierarquia ATP, foi um dos muitos momentos em que o murciano foi aos limites para se manter vivo na contenda. Após quatro horas e 38 minutos, Carlos Alcaraz derrotou Albert Ramos por 6-1, 6-7 (7), 5-7, 7-6 (2) e 6-4, chegando à terceira ronda de Roland-Garros após impor-se no encontro mais longo da sua (curta) carreira profissional.
Após uma estreia autoritária nesta edição do Grand Slam parisiense, Alcaraz pareceu encaminhar-se para dar continuidade ao que fizera na primeira ronda ao impor-se, em somente 26 minutos, por 6-1 na partida inaugural. Mas os caminhos do duelo rapidamente foram para outro lado.
Albert Ramos é um competidor duro, especialista de terra batida, com inteligência tática e uma direita de esquerdino que, no segundo e terceiro parciais, esteve em estado de graça. Alcaraz apresentou-se errático, para apreensão de Juan Carlos Ferrero, visivelmente preocupado perante as dificuldades do seu pupilo. O 2-1 a que o catalão chegou colocou toda a pressão do lado de um jovem de 19 anos que está a viver tudo isto pela primeira vez num cenário como o major francês.
No quarto set, após cada um dos espanhóis ter quebrado o saque do oponente, Alcaraz perdeu o seu jogo de serviço, permitindo a Albert Ramos servir com 5-4 no marcador. O catalão chegou a ter um match point, mas algo mudou nesses instantes decisivos do embate.
Quando estava encostado às cordas, não podendo falhar, Carlitos elevou ainda mais o nível do seu jogo. Além das direitas velocíssimas, dos amortis suaves ou do eficaz jogo de rede, Alcaraz começou a apresentar um jogo de defesa e contra-ataque notável, cobrindo todo o court com sprints dignos de Usain Bolt para, depois, ganhar os pontos com a precisão de mãos de um delicado artesão. No vídeo que apresenta os melhores momentos desta edição de Roland-Garros, terão de estar lá vários dos pontos conquistados por Alcaraz neste encontro.
O court Simonne-Mathieu homenageia uma tenista que, além de ter conquistado Roland-Garros em duas ocasiões, foi uma heroína da resistência francesa na II Guerra Mundial. E, em sintonia com a terra batida que pisava, o punho cerrado de Alcaraz a cada ponto decisivo conquistado era sinónimo da resistência que o jovem estava preparado para exercer, lutando "até ao último ponto", como disse na entrevista após o encontro.
O tie-break do quarto set foi, de maneira relativamente cómoda, para o lado de Carlitos, mas a última partida voltou a ser decidida por ínfimas margens. E os 51 minutos que decidiram o duelo até começaram com muitas dificuldades para o jovem.
Albert Ramos fez por merecer a ovação do público que enchia as bancadas — e que várias vezes se expressou com grande entusiasmo, tentando ser controlado por Carlos Ramos, o árbitro internacional português que dirigiu o encontro. O catalão começou na frente por 3-0 no decisivo parcial, que em diversos momentos se assemelhou a uma montanha-russa emocional e tenística, com constantes quebras de serviço.
O murciano conseguiu dar a volta ao break que lhe foi imposto, quebrando ele duas vezes o golpe de saída do tenista de 34 anos, mas logo a seguir Ramos empatou a quatro jogos. Mas aí entrou em jogo o fulgor físico de Carlitos.
"No quinto set ainda estava fresco, como se estivéssemos no início", revelou, após o final, o jovem. Do outro lado, Ramos já fazia exercícios para tentar espevitar um muito desgastado corpo.
Com mais alguns sprints, chegando a todas as esquinas do court, Alcaraz foi levando o seu rival ao desespero, conjugando atleticismo e arte, força e precisão, resiliência e toque de bola. No jogo de serviço em que tinha de fechar o encontro, Carlitos terminou com dois ases, testemunho claro do estado de graça a que chegou ao final das quatro horas e 38 minutos de encontro. De punho cerrado, honrando a resistência, Alcaraz vai definindo novos limites para si próprio.
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