Iga Swiatek, a livresca distribuidora de 6-0 no ténis feminino

Editor de Desporto
A versão inglesada do “vamos” redunda, invariavelmente, no “come on”. Emaranhado no frenesim emocional de um jogo de ténis onde a concentração impera e os ânimos se querem, mas controlados, é sempre abreviado ao máximo. Será mais um “c’mon!” e acompanha-se, por norma, pelo habitual punho cerrado do qual Alison Riske não destoou: a meio do segundo set do seu jogo da 2.ª ronda em Roland-Garros, a americana ganhou um jogo, exclamou essa celebração e, perante o efusivo festejo em uníssono do público, a pala do boné não chegou para lhe esconder o riso.
O ruído da ocasião estava a ser inflacionado e a própria tenista americana saberia que era, apenas, uma breve lomba no caminho da trajetória imparável com quem se deparava do outro lado da rede. E, perante a inferioridade, conseguiu rir.
Era o 1-3 para a americana com uma das técnicas de serviço mais mecânicas que haverá — a perna de trás esticada, o ângulo reto feto com o pé e o calcanhar no chão a serem retardados o mais possível, a pancada dada na bola de forma muito frontal — e as pessoas que enchiam as bancadas do Suzanne-Lenglen, o segundo maior recinto do Grand Slam parisiense, festejam como se testemunhassem um feito incrível. Parecia exagero, mas talvez fosse justificado.
Alison Riske, a 43.ª classificada do ranking WTA, ganhava um jogo a Iga Swiatek e a felicidade conjunta teria mais de genuíno do que de ironia. O público bradava à nuance de competitividade, a americana ria, quase troçava (com o “c’mon!” exagerado e o riso) do feito, porque o sabia mentiroso. Até então, a polaca cilindrava a adversária com uma superioridade absurda em cada encosto de raquete à bola e com a capacidade em abrir ângulos de ataque, obrigando Riske a ser um iô-iô de corrida na linha de fundo.
Aos 31 anos, Alison não é uma tenista banal, mas, durante o primeiro set, foi por demais vulgarizada pela postura tão agressiva de Swiatek, a número um do mundo que este ano vai jogando como todas as jogadoras lhe devessem algo. Só nesse primeiro parcial, foram 11 winners e 80% dos pontos ganhos no primeiro e segundo serviços, enquanto a já trintona americana colheu apenas oito pontos. Em vinte e dois minutos, a polaca de 20 anos fechou um 6-0.
Foi o 15.º set a zero que ganhou esta época.
Num não tão apressado ápice fecharia também o parcial seguinte, Alison Riske ainda voltaria a aguentar outro jogo de serviço, mas o 6-2 acabaria com um encontro que durou uma hora e um minuto. A compenetração implacável de Iga Swiatek agravou os gemidos soltos pela adversária a cada pancada, pareciam gritos de desespero perante os trabalhos que as bolas top spinadas da polaca em vez de sons de esforço. “Estou muito contente por ter feito um jogo sólido e ter este tipo de concentração. Ganhar todos estes jogos dá-me muita confiança”, diria, no final.
A polaca de olhar humilde e simpático referia-se à 30.ª vitória consecutiva da temporada que a vai tendo como a dominadora do circuito feminino. Ganhou os últimos cinco torneios nos quais participou, incluindo os Masters de Indian Wells e Miami (o badalado sunshine double) e o de Roma, sempre com um estilo em court que contraste com a postura singela fora do campo.
Com um acentuado pendor atacante em cada gesto com a raquete e uma postura marcadamente ofensiva — a forma como não recua para abordar a bola, preferindo, às vezes, por-se quase de cócoras para a bater mais cedo dentro do seu campo —, Swiatek está a ser o desconforto em pessoa para qualquer tenista que a defronte. “A minha confiança está melhor. Comecei a ser mais agressiva e pró-ativa, é algo que o meu treinador me ajudou a fazer. Vem de todo o trabalho que já estávamos a fazer na época anterior e, de alguma forma, deu o clique”, explicou, no inglês desenvolto com que se expressa.
A confiança de que fala terá algo a ver com o facto de ter ascendido à liderança do ranking em março, quando Asleigh Barty, vencedora de fresco do Open da Austrália, se retirou do ténis por estar exausta da vida a que obriga. A polaca ficou-lhe com o trono e, não sendo propriamente uma novata (em 2020, conquistou Roland-Garros vindo quase do nada e, já este ano, só caiu nas meias-finais em Melbourne), as suas prestações desde então ficaram quase irrepreensíveis
Agora está na terceira ronda do Grand Slam parisiense, tendo um quê de ave rara não tanto pela pessoa que é, mas pelo quão reveladora não se importa de ser em relação à vida que leva.
Admitiu ao “New York Times”, sem pudores, que em tempos não era capaz de se concentrar durante mais de 40 minutos, “a minha cabeça parecia um pombo, olhava para todo o lado menos para onde devia olhar”; às vezes, quando é tempo de descansar no banco entre pontos, também explicou que coloca uma toalha a tapar a cabeça para fazer exercícios de respiração e visualizar-se a ter sucesso, conforme a Daria Abramowicz, a psicóloga que a acompanha para todo o lado, lhe ensinou, para domesticar a energia perfecionista de Iga Swiatek.
Esse traço de personalidade, confessou a polaca, sempre a consumiu desde miúda. “Independentemente da tempestade que estiver a acontecer à volta, deve sempre haver um olho do furacão que tem de estar calmo”, resumiu ao diário norte-americano, ao falar dos ensinamentos da psicóloga que, um dia, a proibiu de acabar de ler “E Tudo o Vento Levou”, de Margaret Mitchell, antes de um jogo, para não correr o risco de ir para court “emocionalmente esgotada”.
Porque Iga Swiatek refugia-se nos livros a cada tempo livro, diz que a serenam e acalmam, por vezes insiste em ler em inglês apesar de acabar com um bloco de notas ao lado, onde aponta as palavras que não conhece — no dia do seu 20.ª aniversário, a sua equipa até lhe ofereceu um conjunto de vinte livros. A 31 de maio, cumprirá outra corrida à volta do sol, aparentemente, enquanto compete em Roland-Garros.
Pela forma como tem jogado, poderá bem receber um presente reluzente e pesado no final dessa semana, em Paris, onde ficou encantada pela “beleza e simetria” do Palácio de Versailles, que visitou num dia em que tinha um jogo previsto no pó de tijolo, mas, porventura, não tanto quanto a maravilha na qual revestiu a cara no momento em que Rafael Nadal, o ídolo de quem cresceu a tentar copiar o top spin, a cumprimentou no Philippe Chatrier, court central de Roland-Garros onde coincidiram em horários de treino.
Por vezes, até lhe copia o pulso solto com que faz a raquete girar para trás da cabeça após bater um pancada para injetar rotações-mil na bola. Quando ali ganhou, foi a tenista mais novo a conquistar o Grand Slam da terra batida desde a primeira vitória de Nadal, em 2005. O ténis que tem jogado nas horas vagas da companhia dos livros faz augurar que também Iga Swiatek pode vir a construir o seu próprio reinado na superfície mais alaranjada de Paris.
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