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Filipe Martins: “A melhor profissão do mundo é ser jogador. Ser treinador também é um prazer, mas é limitado ao sucesso e ao insucesso”

Filipe Martins: “A melhor profissão do mundo é ser jogador. Ser treinador também é um prazer, mas é limitado ao sucesso e ao insucesso”
Nuno Botelho
Aos 43 anos, e depois de subir o Real à II Liga, subiu o Casa Pia ao principal escalão do futebol português, onde o clube não estava há 83 anos. Em conversa com a Tribuna Expresso, Filipe Martins conta os episódios marcantes de uma temporada especial e viaja até à infância, na Amadora, oferecendo também uma reflexão sobre as cinco semanas em que esteve internado com covid-19
Filipe Martins: “A melhor profissão do mundo é ser jogador. Ser treinador também é um prazer, mas é limitado ao sucesso e ao insucesso”

Nuno Botelho

Fotojornalista

Que tal a festa?
Foi uma alegria enorme, como é óbvio, embora o resultado tenha dado para nos mentalizarmos que a festa ia acontecer. Eu até disse em tom de brincadeira "ó pessoal, subir de divisão é giro é com 1-0 ou 2-1, um gajo estava aqui naquela adrenalina até ao fim". Foi um momento bastante feliz para todos. Só passado umas horas é que tivemos bem noção do feito que tínhamos atingido.

Estive a rever a primeira parte com o Leixões. Quando é que deu o clique de que ia acontecer?
Acho que, quando eles fazem o 4-1, possivelmente toda a gente pensou que era o momento em que eles até podiam fazer-nos abanar, foi o melhor que nos aconteceu naquele momento, voltámos a jogar outra vez, a ter bola. No 4-0 estávamos só a defender o resultado. Estávamos muito ansiosos que o jogo acabasse, não o estávamos a desfrutar. Só quando levámos o abanão é que voltámos novamente ao jogo. Gosto do jogo que fizemos, à exceção do nosso quarto golo até ao 4-1. Antes e depois fizemos um jogo bastante competente.

Como foi no balneário antes de começar, como estavam os jogadores? Havia tensão?
Havia tensão, havia tensão. Não vou falar de felicidade, o campeonato decide-se com muita [regularidade]... Nós também já tínhamos, nas semanas anteriores, desperdiçado aqui dois pontos, com o penálti falhado do Jota na altura. Eu sinto que foi muito importante para nós, para entrarmos com mais tranquilidade no jogo, o resultado que o Chaves acabou por ter na jornada anterior. Permitiu-nos não ter de ganhar. Se o Chaves tem ganhado o jogo anterior, tínhamos de ganhar, podíamos até nos desorganizar mais por termos como única alternativa a vitória. Deu-nos um bocadinho de margem, não de conforto, mas sabíamos que bastava fazer melhor do que o Chaves. Parece que não, mas isso tranquilizou um bocadinho, até porque sabíamos perfeitamente que o Rio Ave ia dar tudo para ser campeão nacional. Mesmo quando saímos do Rio Ave com uma derrota, senti que o grupo acreditava que podia ganhar os dois jogos e subir de divisão, mas não escondo que aquele momento do Chaves serviu-nos um bocadinho como sinal de que as coisas iam dar para nós.

A derrota com o Rio Ave recente ficou aí atrás da cabeça? Poder ser campeão...
Não. É óbvio que podíamos ter resolvido a subida de divisão nesse jogo e provavelmente, se tivéssemos ganhado, podia ser um passo muito importante para sermos campeões nacionais. Era o objetivo mais alto que nos podia acontecer, mas a forma como perdemos deu-nos a sensação de que tínhamos tudo para subir de divisão, só dependíamos de nós, ainda mais da forma como reagimos ao golo do Rio Ave e como pegámos no jogo, fomos competentes em todo o jogo. Perdemos duas vezes com o Rio Ave, que tem todo o mérito de ser campeão, num campeonato de 34 jornadas não há muito que falar, em que não fomos inferiores. Eles foram mais fortes nos pormenores e foram dois pormenores que acabaram por ditar a vitória deles, mas nunca senti a nossa equipa inferior.

De onde vem este sistema de jogo? Quando é que o convenceu?
Eu gosto deste sistema de jogo desde os juniores. Como jogador, já nos juniores jogava assim no Estrela da Amadora, com o Miguel Quaresma, que é o meu mentor e a pessoa com quem mais gosto de falar de futebol. Foi um sistema que mais me potenciou, eu não era carne nem peixe. Nem era um lateral muito ofensivo, nem era um central muito alto, portanto encaixava perfeitamente na minha posição, central do lado esquerdo. Sempre gostei muito disto desde o Cruijff, no Barcelona, sempre tive esta paixão pelos três [centrais]. Já em Mafra o tinha feito, em dois ou três jogos. Salvo erro, acho que no ano passado o fizemos em alguns jogos. Este ano, para mim, foi o clique, a mudança de sistema. Potenciámos muitos jogadores que não estavam a render, nem a sentirem-se confortáveis. É um sistema que é complexo trabalhar, mas, depois de estar bem afinado, dá-nos uma série de soluções, que não podem ser muito padronizadas, porque senão começamos a ter de, e começámos ultimamente, testar alternativas, pequenas dinâmicas diferentes para poder confundir o adversário. É que depois é um sistema que, muitas vezes, o adversário tem tendência para encaixar homem a homem e às vezes é difícil libertar os espaços.

E qual foi a importância dos jogadores mais experientes nesta subida?
Tivemos a preocupação de mesclar um pouco experiência com irreverência. A experiência com o Vasco [Fernandes], com o [Afonso] Taira, o Neto é também um jogador muito experiente, o [Rodrigo] Galo, que não jogou assim tanto a partir de uma certa altura, principalmente quando passámos para 3-4-3, mas já tem uma experiência enorme. O Cuca, Nuno Borges, Hebert, [Derick] Poloni, ou seja, mesclámos essa experiência, foi muito importante, principalmente com a liderança do Vasco, que foi importante no que é a condução de um grupo de trabalho. Fez um trabalho como capitão muito bom. Misturámos com jogadores como o [Leonardo] Lelo, se calhar a maior revelação, o próprio Jota tinha feito meia dúzia de jogos [nesta divisão] e nem partia como titular na minha cabeça, era normal que fosse o Poloni a assumir. Ele beneficiou de uma lesão do Poloni, pegou e foi por aí fora. O Jota tinha muito pouca experiência na II Liga, tinha dois ou três jogos no Leixões.

Essa irreverência por parte dos mais jovens ajudou a fazer andar os mais velhos, como os mais velhos também guiaram os mais novos algumas vezes que quiseram meter os pés na argola. Mas até nesse aspeto, muitas vezes foi difícil para mim, a estratégia de comunicação para o grupo, porque havia uma fação que queria muita pressão, assumir, vamos querer subir, e sentia que havia outros jogadores que não tinham tanto essa tarimba, que quando sentiam um bocadinho de pressão em cima deles abanavam ali um bocadinho. Tinha de andar às apalpadelas, a ver se hoje vou meter pressão, se vou retirar, e às vezes optava por retirar. Aquela malta mais experiente queria era pressão, de assumir e querer. Um dos segredos foi fazermo-nos de carneiros mal mortos para chegarmos a um ponto do campeonato... embora, a partir de um certo ponto, tenha sido difícil nos escondermos como candidatos. Andar ali um bocadinho entre os intervalos da chuva acho que nos beneficiou.

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