Quem joga à noite em Roland-Garros? Alcaraz e Nadal não queriam, mas Djokovic sim e a organização pôs as lendas na sessão noturna

Editor de Desporto
Agremiar gentes e logística de um torneio do Grand Slam é uma faca de vários gumes por tão complicado ser encaixar tantas coisas. Em Roland-Garros, destino predileto no ténis para a terra batida, há 18 campos espalhados pelo complexo e três têm outro brilho para quem lá acorre: ao Phillipe-Chartrier, o maior e o principal, seguem-se o Suzanne-Lenglen e o Simone-Mathieu, todos estádios a sério e onde a organização do torneio faz por colocar a jogar os e as tenistas com melhor ranking, mas não só, porque o número que ocupam na hierarquia mundial interessa apenas até certo ponto.
O quão um jogador costuma apelar ao coração do público parisiense, o historial de uma certa tenista na prova ou o hype que algum nome reúna, nesse momento, são fatores matutados por quem define onde joga quem, para que se jogue com outra coisa — a venda de bilhetes, cujos preços não são muito simpáticos (terão andado entre os 35€ e os 310€ para as bancadas, sem regalias), e as sessões noturnas, novidade chegada a Roland-Garros apenas na aurora de 2021.
Marcados a partir das 19h45, os jogos à noite põem-se a jeito de ter mais corpos nas bancadas e olhos a assistir nas transmissões televisivas, implicando também outros operadores televisivos: em França, as partidas com estrelas no céu feitas nos dois principais courts pertencem à Amazon, os direitos de todas as restantes estão com a televisão pública francesa. Tudo importa na jigajoga e, depois, vêm os tenistas, para quem jogar à noite não é sempre o melhor contexto para agarrarem na raquete.
Sendo um Grand Slam, cada jogo do torneio francês da terra batida é à melhor de três sets. Caso tenha só os três parciais, costuma rondar as duas horas de duração, mas, se o vencedor perca um ou dois sets antes de ganhar, é comum um jogo prolongar-se por três ou quatro horas. O público vibrará, os curiosos aplaudirão e os analistas elogiarão. Para um tenista, porém, passar tanto tempo em court à hora do jantar nem sempre será uma refeição desejável e Carlos Alcaraz, o espanhol ainda com acne na face que é visto como o próximo rei de tudo, contextualizou-o.
O novo prodígio do ténis chegou aos quartos-de-final de Roland-Garros com dois encontros feitos à noite. “Não digo que me chateia, mas tens menos tempo para descansar. Parece que não, mas, quando acabas à meia-noite, há que ter em conta tudo o que há por trás: jantar, fisioterapia e descanso”, admitiu. As aventuras noturnas de ‘Carlitos’ duraram 2h06 contra Sebastian Korda, na sexta-feira, e 2h14 frente a Karen Kachanov, no domingo.
A ressaca de cada jogo equivale logo uma entrevista com duas, três perguntas no court, seguida de uma conferência de imprensa para qualquer jogador. Depois, há que chegar ao hotel, comer, fazer trabalho de recuperação física e esfriar o corpo. “Não descansas igual com a adrenalina do jogo”, constata o tenista de 19 anos, preso na fronteira entre a adolescência e a vida adulta. Mesmo ainda tão do lado bom da juventude do corpo humano, numa idade em que os músculos regeneram sem esforço, Alcaraz deixou uma avaliação: “Não me pareceria justo se jogasse uma terceira vez à noite”.
Sendo o espanhol avesso a repeti-lo, a organização de Roland-Garros tinha de ignorar as preferências de alguém. E escolheu não satisfazer o senhor tierra.
Após vencer Félix Auger-Aliassime nos ‘oitavos’, Rafael Nadal disse para toda a gente ouvir que o próximo jogo “poderia ser o [seu] último” no torneio — o espanhol tem 35 anos, dores crónicas num pé que o obrigam a tomar antinflamatórios para jogar e uma vontade em não arrastar consequências da lesão para o pós-ténis — e “gostaria de o jogar durante o dia”. Quem dita o agendamento das partidas não quis saber.
O dono de 13 títulos em Roland-Garros vai defrontar, à noite e não antes das 19h45 de terça-feira, o último tipo a derrotá-lo no seu quintal laranja e poeirento. Novak Djokovic eliminou Nadal nas meias-finais do ano passado e tem um rácio favorável (30 vitórias contra 28 do espanhol) com o canhoto a quem as condições, portanto, não favorecerão propriamente — por mais inútil que pareça suspeitar que a terra batida não será do seu agrado.
Para lá de fatores de tradição, jogar em sessão noturna no court principal de Paris não é indiferente nas condições que incute na partida. “À noite, a superfície de terra batida fica um pouco húmida e a bola apanha essa humidade, ficando muito mais pesada e mais difícil de ter rotação. Claro que a sessão noturna no US Open é diferente, devido às diferenças de temperatura, mas os courts não mudam tanto. Aqui sim”, explicou Mats Wilander, comentador da “Eurosport” e antigo ganhador em Paris (em 1982, 1985 e 1988).
A aversão de Nadal a jogar após o sol-posto também se explica nas consequências técnicas que provocará no seu jogo: a pancada de direita do espanhol, afamada e temida desde sempre devido ao seu top spin e respetivas rotações que causa na bola, por segundo. Ninguém o iguala nesse aspeto que, na terra batida, faz o objetivo de arremesso ganhar muita altura quando ressalta no chão. “Não gosto de jogar à noite, em terra batida, porque a humidade é maior, a bola é mais lenta e as condições podem ser muito pesadas, especialmente se estiver frio”, confirmou o espanhol, não fazendo segredo do seu desgosto.
Quando foi questionado sobre esta dúvida, Novak Djokovic não admitiu, de caras, a preferência por coincidir com Rafael Nadal à noite, embora tenha sido claro o suficiente: "Digo apenas que eu e o Rafa faremos pedidos diferentes". Riu-se logo de seguida, bastando isso para entendermos que o sérvio terá sorrido quando soube do agendamento dos encontros.
A organização de Roland-Garros ignorou a desaprovação de Nadal e agendou Carlos Alcaraz para defrontar Alexander Zverev na partida imediatamente antes de as lendas se reencontrarem, também no Philippe-Chatrier. A colisão dos dois monstros do ténis no ativo (Roger Federer prossegue a sua recuperação) será a sessão noturna mais atrativa que esta edição do Grand Slam terá e um certo espanhol não deverá estar contente com isto.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt