Expresso

O céu de Nadal não tem céu

O céu de Nadal não tem céu
Clive Brunskill
Rafael Nadal conquistou a 14.ª final de Roland-Garros, no Philippe-Chatrier, contra Casper Ruud, em 2h18, com os parciais de 6-3, 6-3 e 6-0. As diferenças entre o norueguês, estreante em finais de um Grand Slam, e o seu ídolo, agora com 22 majors conquistados, foram enormes. No final, o canhoto era um homem feliz, mas não deixou de convocar a finitude que espreita em cada esquina, em cada pancada: "Não sei o que vai acontecer no futuro, mas vou continuar a lutar para continuar"

O sorriso de Casper Ruud na rede, depois do ídolo Rafael Nadal conquistar o 14.º Roland-Garros, dizia tudo. Tornou-se inevitável aquele desfecho. Nem um pé todo amarrotado afastou o espanhol de engordar a lenda – são agora 22 majors na bagagem, mais dois do que Roger Federer e Novak Djokovic. Ele que nem sabia, há semanas, se voltaria a jogar, se poderia competir como o tenista que sempre foi e é. Depois de uma maratona interrompida contra Alexander Zverev na meia-final (3h13 com o segundo set por fechar), seguiu-se uma final apressada, com um domínio avassalador do canhoto: 6-3, 6-3 e 6-0.

Aqueles segundos antes de entrar no Court Philippe-Chatrier explicavam Nadal como nenhum verbo pode fazer. Ruud esperava, paciente, no seu metrinho quadrado. Nadal ia avançando e recuando, bufando como um touro insaciável, simulando pancadas que ia fazer centenas de vezes ao longo das 2h18 que se seguiriam. Havia expectativa de como o noruguês, estreante em finais de Grand Slam, ia alinhar nas trocas de bolas longas e até como ia tentar surpreender o espanhol. Rafa fez break logo no primeiro jogo de serviço do rival, que ia acusando algum nervosismo. “Nadal, Nadal, Nadal!”, ouvia-se. Era como se estivesse no quintal de casa, a bater bolas contra a parede, com os vizinhos a espreitar por cima do muro e a puxar por ele.

Casper tentava colocar bolas longas, daí os vários erros, e Nadal pressionava a esquerda dele. Com meia hora no relógio, o marcador já revelava um 4-1 contundente. O 6-3 final, em 51 minutos, não surpreendeu ninguém e já se augurava uma final mais comedida no que toca a emoções e rugidos que derretem a adrenalina.

Adam Pretty

Ruud até exibia vários gestos técnicos de alto gabarito, foram várias as bolas com um pulso maroto e toque de bola muito satisfatório, mas o jogo é um conjunto de ações e decisões e as dele, que até podiam ser boas, pareciam insuficientes perante Nadal. O esquerdino mais parecia o mar, indiferente a quem o enfrenta, que vai e vem nos seus termos, como lhe convém. Mas o noruguês melhorou, trocaram-se bolas com mais qualidade e chegou mesmo ao 3-1, relançando teoricamente a final.

Mas Rafael lembrou-se de que é Nadal e recuperou. Mais: nunca mais Casper Ruud, número 8 do mundo, ganharia qualquer jogo. Ou seja, 6-3 e 6-0, no terceiro e derradeiro set. Assombroso. Esse terceiro set não trouxe nada de novo, a toada manteve-se, portanto tratava-se de uma mera formalidade, de uma lição também para Casper Ruud, que podia viver e aprender numa final contra o seu ídolo de sempre, a quem reconhece categoria desportiva mas também humana, pelo exemplo e decência que veste em todas as ocasiões.

O último set, penoso para Ruud, tardou apenas 30 minutos. O desfecho, aquele 6-0, soa mal numa final, mas até Djokovic e Federer sofreram desse mal naquele mágico court para Rafael Nadal, segundo os comentadores da Eurosport. Quando a última bola tocou no chão, gritando ao mundo que Rafael Nadal é e provavelmente será insuperável no torneio de Paris, ele levou as mãos ao rosto, encheu os olhos de chuva e largou a raquete. História.

Ryan Pierse

“Quero dar os parabéns ao Rafa. É o 14.º Roland-Garros, o 22.º no geral, todos sabemos o campeão que és”, começou por dizer Casper Ruud, na cerimónia de entrega de troféus. “Hoje soube como é jogar contra ti, não sou a primeira vítima, houve muitas antes”, desabafou, arrancando gargalhadas na arena, e um sorriso terno de Nadal. “És uma verdadeira inspiração para mim e para todos. Esperamos que continues por mais algum tempo.”

Com aquele pedaço de alívio e alegria nas mãos, Nadal deu uma pancada serena na taça e depois um beijo, como quem diz que foi difícil chegar ali, tão improvável, mas que há tanto, tanto amor. Para além das muitas dores e troféus, são já 1052 vitórias. Primeiro, elogiou o ténis de Ruud, que treina na sua academia, e deu os parabéns pela carreira que vai construindo.

“É completamente incrível as coisas que estão a acontecer este ano”, reconheceu, numa alusão à vitória também no Open da Austrália, nos primeiros dias de 2022. “Nunca pensei chegar aqui aos 36 anos. Dá-me energia para continuar. Não sei o que vai acontecer no futuro, mas vou continuar a lutar para continuar.” Ah, a finitude. Perante tantos rumores e cenários desavindos, até a avó de Rafael lhe ligou durante a semana para saber o que se passava.

Enquanto Rafa vai fintando as dores, as travessuras do pé que não tem pena dele e que vai sendo engolidas pela mente, o tenista espanhol, de 36 anos, conquistou mais um recorde: é o mais velho a triunfar em Roland-Garros, superando o espanhol Andrés Gimeno, que conquistou o torneio em 1972, com 34 anos.

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