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A Arábia Saudita financiou um novo circuito de golfe que paga valores “sem precedentes” a jogadores. Tiger Woods deu nega, mas Mickelson não

A Arábia Saudita financiou um novo circuito de golfe que paga valores “sem precedentes” a jogadores. Tiger Woods deu nega, mas Mickelson não
Aitor Alcalde/LIV Golf/Getty

Financiado pelo Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita — o mesmo que liderou o consórcio que comprou o Newcastle, por exemplo —, o LIV Golf está a seduzir vários reputados jogadores, indiferentes às ameaças de sanções por parte do PGA Tour, que se opõe à nova competição. Tiger Woods rejeitou uma oferta "de nove dígitos" para participar

A Arábia Saudita financiou um novo circuito de golfe que paga valores “sem precedentes” a jogadores. Tiger Woods deu nega, mas Mickelson não

Pedro Barata

Jornalista

Greg Norman é um antigo golfista australiano, que nas décadas de 80 e 90 passou 331 semanas como líder do ranking mundial da modalidade. Norman, hoje com 67 anos, ganhou 89 torneios profissionais, entre os quais 20 competições do PGA Tour e o Open Championship, um major, em 1986 e 1993.

Nos anos 90, Norman apoiou a ideia de criar um circuito mundial de golfe que pudesse rivalizar com o PGA Tour, dando aos jogadores contratos mais lucrativos. Muito tempo depois, a 29 de outubro de 2021, o desejo antigo do australiano aproximou-se da realidade.

Naquele dia de outono, Norman foi nomeado CEO das LIV Golf Invitational Series, uma nova e milionária competição que entrou em rota de colisão com os dois principais circuitos, o DP World Tour e o PGA Tour. O LIV Golf é financiado pelo Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita, o fundo soberano do reino do Médio Oriente que, nos últimos anos, tem investido bastante no desporto, com a compra do Newscastle United, da Premier League, a organização do Grande Prémio de Fórmula 1 ou a realização de combates de boxe, ou de jogos de futebol — como a Supertaça de Espanha.

No caso do golfe, a nova competição começa a 9 de junho, esta quinta-feira, no Centurion Club em Hertfordshire, a cerca de 50 quilómetros de Londres. O torneio terá depois quatro eventos nos Estados Unidos (em Portland, Nova Jersey, Boston e Chicago), seguindo-se passagens pela Tailândia e a Arábia Saudita, antes de uma competição final, em outubro, em Miami.

O circuito alega ter os “fãs como prioridade número um”, com “campos mais pequenos ou menos rondas” para “proporcionar mais espetáculo”. Com 48 golfistas divididas em 12 equipas de quatro elementos, o prize money total da competição é de €239 milhões, cifra descrita como “sem precedentes” pela organização.

O Centurion Club, onde se realizará o primeiro torneio das LIV Golf Invitational Series
Chris Trotman/LIV Golf/Getty

Os dois principais circuitos que existiam, o DP World Tour e o PGA Tour, recusaram-se a dar permissão aos jogadores para participar na nova prova, entendida como uma “cisão rebelde”. Segundo o “The Telegraph” e o “The Guardian”, é de esperar uma batalha legal entre os dois circuitos e o LIV. O PGA Tour já comunicou que os seus membros que participarem nos eventos apoiados pela Arábia Saudita deverão ser sancionados.

Phil Mickelson, norte-americano que conquistou seis majors, Dustin Johnson, conterrâneo e vencedor de dois majors, ou o espanhol Sergio García, que já ganhou um major, são três dos cabeças-de-cartaz do novo circuito. Johnson abdicou de ser membro do PGA Tour para participar no LIV, mas Mickelson disse, em conferência de imprensa, não “ver qualquer razão” para o fazer, dado que “os jogadores devem poder jogar quando e onde quiserem”.

Sportswashing e um antigo assessor de George W. Bush a trabalhar a comunicação

O financiamento saudita às LIV Golf Invitational Series voltar a realçar a vontade do reino do Médio Oriente em investir no desporto. Através da presença no golfe, futebol ou Fórmula 1, a Arábia Saudita tem tentado melhorar a imagem de um país sobre o qual recaem diversas acusações de violação de direitos humanos — o chamado sportswashing.

O presidente do Fundo de Investimento Público, que financia o novo circuito de golfe ou a maior parte do consórcio que comprou o Newcastle, é Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita. Segundo um relatório dos serviços secretos dos EUA, “MBS”, como é normalmente conhecido, aprovou um plano para sequestrar o jornalista saudita Jamal Khashoggi, que viria depois a ser assassinado no consulado do seu país em Istambul, a 2 de outubro de 2018.

A Arábia Saudita tem sido recorrentemente acusada de cometer crimes de guerra no Iémen. Segundo a Amnistia Internacional, as mulheres no país “continuam a enfrentar discriminações sérias no casamento, divórcio, herança ou custódia de filhos”. A “atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo” é ilegal no reino.

A presença de pessoas com responsabilidades governamentais nos investimentos feitos no desporto não se vê somente em Mohammed bin Salman. Yasir Al-Rumayyan, governador do Fundo de Investimento Público, é o presidente do Newcastle.

Yasir Al-Rumayyan foi ao clube de golfe onde decorrerá o primeiro torneio do novo circuito jogar com alguns dos principais atletas, num ato de promoção do torneio. À entrada para o campo, Al-Rumayyan recusou-se a responder à “BBC” sobre as acusações de sportswashing, comentando apenas que se tratará de “um evento grande para o golfe” e será “divertido”.

Phil Mickelson, uma das principais estrelas do novo circuito, e Yasir Al-Rumayyan
Charlie Crowhurst/LIV Golf/Getty

Apesar das ligações sauditas, Greg Norman, CEO do novo circuito, disse à “Sky Sports” que a competição é “independente” e que ele “não responde à Arábia Saudita, nem a Mohammed bin Salman”. Questionado sobre o registo de direitos humanos do país cujo fundo soberano financia o torneio, Norman disse simplesmente que “todos cometemos erros e aprendemos com eles”.

O começo em Inglaterra do novo circuito de golfe e o conflito com as estruturas dominantes da modalidade tem atraído bastante atenção e escrutínio mediático. Para trabalhar como consultor de comunicação, o LIV contratou Ari Fleischer, antigo assessor de imprensa de George W. Bush.

Segundo disse um jogador, mantendo o anonimato, ao “The Telegraph”, Fleischer tem dado aos atletas “aulas de 30 minutos sobre como responder a questões” da comunicação social, numa atitude descrita como “demasiado protetiva”. Outro jogador disse, também ao jornal britânico, “não ter a certeza” se a ação do consultor é necessária, comparando-a a levar “uma AK-47 para uma luta de pistolas de água”.

Fleischer era o assessor de imprensa da Casa Branca durante o 11 de setembro e, um ano depois dos atentados, disse que “a Arábia Saudita tinha de lidar com o facto de ter terroristas dentro do seu território”. Em 2011, o consultor escreveu um tweet em que acusou o então presidente, Barack Obama, de “copiar a Arábia Saudita”, já que “gastou e está disposto a gastar centenas de milhões para não ser derrubado”.

Agora que trabalha para uma competição financiada por dinheiro saudita, Fleischer defendeu-se, dizendo que esses comentários foram feitos “há muito tempo”. Além de aconselhar os jogadores, o antigo assessor de Bush teve também direito a fazer, na conferência de imprensa de antevisão do torneio, as primeiras questões aos golfistas, antes de qualquer jornalista poder fazer perguntas.

Fleischer durante a conferência de imprensa de apresentação
Steven Paston - PA Images/Getty

Além da proteção mediática, também alguma defesa perante a reação do público parece estar a ser feita por parte dos organizadores. As regras para os espetadores são especialmente apertadas, com um especialista em segurança, citado pelo “The Telegraph”, a considerá-las “exageradas”, sublinhando que “parecem indicar as preocupações que há sobre a existência de protestos devido a desrespeito pelos direitos humanos”.

A nega de Tiger Woods

Um dos nomes que o LIV tentou convencer, mas sem sucesso, foi Tiger Woods. Em declarações ao “Washington Post”, Greg Norman confirmou que o golfista norte-americano rejeitou “uma enorme oferta” por parte da organização, numa cifra que, segundo o CEO da competição, “é de nove dígitos”.

Tiger Woods confirmou as abordagens por parte do novo circuito, mas expressou o seu “apoio” ao PGA Tour: “Acredito nos legados e nos grandes campeonatos, acredito nas comparações históricas com figuras do passado. Há muito dinheiro por aí, o circuito está a crescer”, comentou Woods, que se disse “desiludido” com Phil Mickelson por aceitar atuar no novo circuito

Rory McIlroy, jogador da Irlanda do Norte que já venceu quatro majors, também rejeitou a proposta do LIV. Na mesma entrevista ao “Washington Post”, Norman disse que jogadores como McIlroy, que se mantiveram fiéis ao PGA Tour, sofreram “lavagens de cérebro” por parte de entidades que se “opõem” ao LIV.

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