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Rúben Guerreiro, o “cowboy” destemido que disparou mais rápido do que Contador, Froome e Pogačar

Rúben Guerreiro, o “cowboy” destemido que disparou mais rápido do que Contador, Froome e Pogačar
Dario Belingheri/Getty

Realizando uma subida supersónica, o português ganhou o Mont Ventoux Dénivelé Challenge, uma corrida de um dia com duas ascensões a uma das mais míticas montanhas de França. A pouco mais de duas semanas do começo do Tour, o vencedor da camisola da montanha do Giro 2020 dá provas de evolução e avisa que vai com "desejo de vitória" para a mais importante prova do ciclismo mundial

Rúben Guerreiro, o “cowboy” destemido que disparou mais rápido do que Contador, Froome e Pogačar

Pedro Barata

Jornalista

Ascender ao Mont Ventoux é o mais próximo que há no ciclismo mundial de subir à lua. Ao contrário da vegetação verdejante que se encontra, por exemplo, no Alpe d'Huez, na 'montanha careca' não há árvores, mas sim uma aridez nua, inóspita, sem nada que faça sombra. Um cenário ausente de abrigos ou esconderijos.

O Ventoux ergue-se na região da Provença, que o chama de "gigante" ou "colosso". Vista de longe, a torre que fica no cume é imponente, marcando a paisagem como aviso constante de que ali há uma besta de 1.909 metros de altitude. Ao não ter vegetação nem qualquer tipo de proteção, a principal característica daquela montanha é a sua exposição ao vento, a qual o batizou de Ventoux — "ventoso".

Há três hipóteses de subir àquela superfície lunar, todas a rondar os 20 quilómetros de ascensão. Mas, tanto ou mais do que a dureza pura da subida, é a exposição ao vento que massacra os que se atrevem a chegar ao teto da Provença de bicicleta. Sem nada que os proteja, a inclinação, o vento e o ambiente desprovido de verde convidam ao pesadelo e abrem caminho ao sofrimento.

O Mont Ventoux Dénivelé Challenge é uma corrida de um dia que, sem o prestígio lendário das etapas do Tour de France, tem o "colosso da Provença" como protagonista. A edição de 2022, com duas subidas ao ponto mais alto da montanha, foi autoritariamente vencida pelo português Rúben Guerreiro, que chegou à meta após 4 horas, 32 minutos e 35 segundos, 53 segundos à frente de Esteban Chaves, seu companheiro na Education First.

Fiel ao seu estilo destemido, o ciclista de 27 anos atacou de longe, mas "não esperava ir sozinho", confessou no final. A distância foi-se alargando, Rúben manteve-se "focado" e "ao seu ritmo" numa corrida "muito dura" e, lá em cima, festejou. Fiel à sua alcunha de "cowboy de Pegões", ao cruzar a meta levou as mãos perto da anca, como que sacando de uma pistola imaginária que disparou para o horizonte, orgulhoso do tiro certeiro que tinha acabado de realizar.

Rúben Guerreiro no Mont Ventoux
Dario Belingheri/Getty

Rúben Guerreiro concluiu a ascensão ao Mont Ventoux por Bédoin, a vertente mais dura e clássica, em 58 minutos e 35 segundos, numa média de 22.2 quilómetros por hora. Na tabela que engloba todos os tempos de subida ao Ventoux, o português foi o 17.º mais rápido de sempre, mas essa classificação engloba contra-relógios de montanha em tiradas mais curtas e, por isso, mais propícias a tempos mais velozes.

Excluindo contra-relógios, Guerreiro só foi mais lento do que Marco Pantani, em 1994 (57 minutos e 34 segundos), e Miguel Ángel López, em 2021 (57 minutos e 55 segundos). O português fez menos 10 segundos do que Alberto Contador (duas vezes vencedor do Tour), 12 segundos menos do que Chris Froome (que conquistou a grande boucle em quatro ocasiões) e um minuto e 17 menos do que Tadej Pogačar, que levou para casa as duas últimas edições do Tour.

Na entrevista rápida depois da vitória, o português destacou que a sua equipa "merecia muito" esta alegria. A Education First, formação norte-americana, é uma das que está em risco de descer de divisão e ser excluída do principal escalão do ciclismo para a temporada 2023. Vencendo a corrida com Rúben Guerreiro e conseguindo também um segundo lugar com Chavez, a EF obteve pontos preciosos.

Rúben Guerreiro, com um marco típico do Ventoux em formato de troféu
Dario Belingheri/Getty

Depois de um 2021 complicado em que sofreu uma fratura de clavícula no inverno e teve de abandonar o Giro devido a uma queda, Rúben Guerreiro tem "trabalhado arduamente" para voltar ao seu melhor nível, confessou após o triunfo. Na temporada atual, depois de um belo 4.º lugar na etapa-rainha do UAE Tour e de um 7.º posto na Flèche Wallone, uma das clássicas mais importantes do calendário, o azar voltou a bater à porta do trepador, com uma queda na Liège-Bastogne-Liège.

No entanto, a vitória no Ventoux dá sequência à excelente prestação no Daupinhé, uma das corridas de uma semana de maior prestígio do ciclismo e palco preferencial da preparação para o Tour. Na competição francesa, que terminou dois dias antes da prova que Guerreiro conquistou, o português foi 9.º na geral final, com um 4.º e um 5.º lugares em duas das tiradas mais exigentes da corrida dominada pela Jumbo de Primož Roglič.

A ambição do Tour para o imigrante precoce

Em 2020, Rúben Guerreiro deu-se a conhecer ao grande público no Giro do orgulho português. Na mesma corrida em que João Almeida andou duas semanas a sonhar de cor-de-rosa, o "cowboy" venceu a etapa nove e fez história ao conquistar a camisola da montanha.

Desde esse triunfo em Roccaraso que Guerreiro não cortava a meta em primeiro e, depois dos festejos, disse à "Lusa" que "o foco é o Tour". Depois do 18.º lugar do ano passado, o português parece chegar à principal corrida do calendário em excelente forma e não esconde as intenções na prova francesa, onde vai "tentar ganhar uma etapa", apresentando-se na partida, a 1 de julho em Copenhaga, com "muito desejo de vitória".

Rúben Guerreiro no Mont Ventoux
Dario Belingheri/Getty

Tal como João Almeida, Rúben Guerreiro nunca correu profissionalmente em Portugal. Em 2014, o ciclista de Pegões venceu a Volta a Portugal do Futuro e, na Volta a a França do Futuro, foi 14.º numa edição em que Tao Geoghegan Hart (vencedor do Giro em 2020) foi 10.º e Miguel Ángel López ganhou a geral final.

Depois dessas prestações, o empresário João Correia levou Rúben Guerreiro, então com 20 anos, para a Axeon Cycling Team. Pela prestigiada equipa norte-americana de sub-23 passaram, nos últimos anos, diversos portugueses, como João Almeida, Rui e Ivo Oliveira (companheiros de Almeida na UAE Emirates) ou André Carvalho (da Cofidis, também da primeira divisão). Atualmente chamada Hagens Berman Axeon, lá corre Diogo Barbosa, de 22 anos e filho de Cândido Barbosa.

Depois de duas temporadas no conjunto norte-americano, Guerreiro entrou no World Tour pela porta da Trek-Segafredo, indo já na sexta temporada no escalão máximo da modalidade. Benfiquista, conciliou o futebol com o BTT até aos 14 anos, quando se passou a dedicar mais às bicicletas de montanha. Duas voltas ao sol depois deu-se a passagem para a estrada.

Até ao Tour, Rúben Guerreiro, diz à "Lusa", irá fazer um estágio de altitude. Cada vez mais consolidado como um dos bons trepadores do pelotão, é de esperar que a sua equipa — que está longe de ter líderes que sejam candidatos à vitória no Tour — lhe dê liberdade para atacar nas etapas em que a estrada empine, tendo o português já falado na possibilidade de discutir a classificação da montanha, como fez no Giro de há dois anos. Talvez o pistoleiro já esteja com a mira apontada para o Alpe d'Huez, ao qual se chegará na etapa 12 da Volta a França, seguindo os passos de Joaquim Agostinho, que lá ganhou em 1979, tendo direito a placa de homenagem na 17.ª das 21 curvas.

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