As duas estrelas adolescentes do ténis jogaram à mesma hora em Wimbledon: Raducanu sorriu, Alcaraz sofreu. Os dois estão na 2.ª ronda
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Emma Raducanu e Carlos Alcaraz têm ambos 19 anos, carregam uma expectativa gigante às costas e não tiveram estreias fáceis em Wimbledon. Mas nos dois encontros que mais desafiaram o habitual decoro das bancadas londrinas, os dois terminaram felizes num dia em que Portugal também sorriu: Nuno Borges garantiu um lugar no quadro principal após a desistência de Marin Cilic
Verão em Londres está longe de significar sol e bom tempo e o erguer de um moderno teto retrátil no court principal do All England Lawn Tennis Club em 2009 valeu uma espécie de longo suspiro de alívio coletivo entre jogadores e adeptos, habituados a longas horas (às vezes dias…) de espera sem qualquer tipo de ação, graças à rezingona meteorologia da capital britânica.
Semelhante estrutura chegou ao N.º 1 Court no seu intenso facelift de 2019, o que permitiu que a jornada inaugural da versão 2022 de Wimbledon não fosse desde logo vetada ao absoluto caos. Choveu forte em Londres durante a manhã desta segunda-feira, de tal forma que era possível ouvi-la a bater intensa e incessantemente nos tetos dos dois courts principais, para mais com o habitual silêncio e cerimónia que é marca de água das bancadas do terceiro torneio do Grand Slam do ano.
Bem, talvez nem tanto assim, porque o dia de estreia, e com honras de jogar nos dois palcos primordiais de Wimbledon, tinha no menu não só Novak Djokovic como as duas estrelas adolescentes do circuito: Carlos Alcaraz e a esperança da casa, Emma Raducanu, ambos com 19 anos. E aí não houve silêncio ou compostura possível.
Calhou, por daquelas coincidências que apenas os encontros anteriores do dia podem definir, que ambos jogassem à mesma hora. Raducanu no court principal, Alcaraz no N.º1 Court. E ambos com adversários complicados logo à primeira. Para Emma Raducanu, a belga Alison Van Uytvanck, experiente, com uma mão-cheia de bons resultados em relva, não seria a rival mais tenrinha, para mais na estreia da jovem no principal relvado de Wimbledon, um ano depois da caminhada que a colocou no radar do ténis mundial. Em 2021, a britânica fez no torneio de casa a sua estreia em quadros principais de majors e não se deu nada mal: bateu tenistas experientes como Marketa Vondrousova ou Sorana Cirstea e só não chegou mais longe depois de sofrer um ataque de pânico no jogo dos oitavos de final. Mas aquela estreia deu o mote: no final do verão, a miúda a quem corre sangue chinês e romeno nas veias conquistava o seu primeiro título do Grand Slam, no US Open, vinda da fase de qualificação.
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E enquanto Alcaraz já sentia as primeiras dificuldades frente a Jan-Lennard Struff, alemão de 32 anos que agora navega fora do top 100, mas que já foi número 29 do ranking há menos de dois anos, Raducanu ia pacientemente sacudindo a pressão de quem tem a cara escarrapachada em tudo o que é publicidade nas imediações do All England Lawn Tennis Club. Num jogo cheio de quebras e contra-quebras de serviço, a britânica arreganhou os dentes nos momentos decisivos: o 6-4, 6-4 do marcador mostra um jogo difícil mas ao mesmo tempo sólido e controlado de Raducanu, que a tempos presenteou as bancadas com algumas das pancadas que a vimos fazer nos seus melhores momentos no idílio de Nova Iorque.
E, no final, garantida a primeira vitória no Centre Court, na estreia no maiores dos palcos de Wimbledon, Raducanu era toda ela alívio, felicidade, como quem arranca das costas uma mochila de campismo. “É um sentimento especial voltar a Wimbledon”, começou por dizer a britânica nascida em Toronto, deixando uma mensagem a todos os que a apoiaram “nos momentos difíceis”. E em 2022 eles não têm sido poucos, entre lesões arreliadoras e uma gestão de expectativas para alguém que no espaço de meses se tornou cara de bancos, marcas de luxo, águas minerais.
Para Emma, 10.ª cabeça de série - e que chegará ao top 10 após Wimbledon -, segue-se mais um encontro potencialmente complexo, frente a outra veterana, a francesa Caroline Garcia, antiga número 4, que vem de uma vitória no torneio de Bad Homburg.
O serviço salvador de Alcaraz
Carlos Alcaraz é outro tenista que chega a Wimbledon 2022 com um estatuto completamente renovado face a 2021. Há 12 meses, o espanhol então acabado de completar 18 anos teve direito a um convite da organização, tal como Raducanu, e na 1.ª ronda ultrapassou com dificuldades o lucky loser japonês Yasutaka Uchiyama. À vitória em cinco sets seguiu-se uma derrota tão rápida como natural frente a Daniil Medvedev, então 2.º pré-designado.
Em 2022, um tombo nas rondas iniciais será sempre uma desilusão para o jovem que entretanto venceu dois títulos do Masters 1000, bateu uma série de recordes de precocidade e só este ano já conta com oito vitórias frente a tenistas do top 10, incluindo Alexander Zverev, Novak Djokovic e Rafael Nadal - curiosamente, todos no mesmo torneio, em Madrid, que viria a ganhar. O murciano é já número 7 do Mundo, um Mundo que tem a seus pés, graças ao acervo de pancadas, à variabilidade de jogo, que junta à raça espanhola e ao show que invariavelmente dá em campo.
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Para Wimbledon, porém, o desconforto no cotovelo direito adensa as dúvidas sobre o que poderá fazer Alcaraz. A contar pela 1.ª ronda, o nível de ténis pode não ser do melhor que já vimos no espanhol, mas a garra está lá toda. Num encontro equilibrado, em que dois grandes serviços foram sendo pintalgados com erros incaracterísticos de ambos os jogadores, Alcaraz perdeu com surpresa o primeiro set por 6-4 para um Struff muito sólido no saque.
Reagiu o espanhol, ganhando o 2.º parcial por 7-5, muito graças a um serviço que funcionou sempre nos momentos de pressão. Ainda assim, Alcaraz nunca pareceu verdadeiramente dono do momento. No 3.º set, nova desvantagem, novo 6-4 do alemão, seguindo-se um 4.º set que foi um festival de erros atabalhoados de parte a parte, decisões precipitadas, mas onde o serviço salvou sempre os dois jogadores. No tie-break, veio ao de cima finalmente o verdadeiro Alcaraz. O que não desiste de um ponto, o que vai buscar bolas impossíveis e as coloca onde ninguém ousaria tentar colocar. E com tudo para decidir no 5.º set, voltou a tónica do encontro, equilíbrio, serviços salvadores, com Alcaraz a quebrar Struff com 4-4 no marcador, servindo depois para a vitória, perante um público que por momentos pareceu esquecer-se das regras de decoro de Wimbledon (e ainda bem) saudando efusivamente o ténis de guerra que se viu no N.º1 Court ao longo de mais de quatro horas.
Borges à última da hora
E já ao final da tarde uma boa notícia para o ténis português. Nuno Borges era o primeiro lucky loser da lista, esperando ainda em Londres uma possível desistência, e ela acabou por acontecer esta segunda-feira. Marin Cilic, que chegava a Wimbledon em boa forma, testou positivo à covid-19, um azar para o croata que o português aproveitou para fazer a segunda aparição em quadros principais de torneios do Grand Slam, depois da estreia em Roland-Garros.
Nuno Borges joga em princípio já esta terça-feira frente ao norte-americano Mackenzie McDonald, número 55 do ranking, e a 2.ª ronda de Wimbledon poderá mesmo ter um duelo 100% português, caso Borges vença e João Sousa bata o francês Richard Gasquet.