Há 13 anos e 50 provas que Katie Ledecky não perdia nos 800 metros. A culpa é de Summer McIntosh, outro fenómeno das piscinas

Editor
Em Toronto, no frio do Canadá, as paredes do quarto de Summer McIntosh estavam forradas de citações de uma só nadadora enquanto a viram crescer, o cantinho das crianças que cedo nutrem um jeito especial para uma modalidade tende a ser decorado com idolatria. No seu caso, vasculhava a internet por frases inspiradoras de Katie Ledecky, imprimia as palavras em grande e colava posters onde podia. “Aprendi tanto, ela é a maior nadador em estilo livre de todos os tempos”, admitiu, há quase um ano, a adolescente em relação à adulta. Era o fenómeno seguinte na linha de sucessão das piscinas a elogiar um mito da natação.
Quando essas palavras lhe saíram, em março de 2023, a filha de mãe que em tempos deu braçadas nos Jogos Olímpicos já não era propriamente uma surpresa, nem para quem se seduzisse pela desatenção: com 16 anos, McIntosh tinha 13 medalhas internacionais, era dona do recorde mundial dos 400 metros estilos - mariposa, bruços, costas e crawl -, a sua especialidade, e competira em Tóquio, onde ficou à beira de pescar medalhas, com dois 4.ºs lugares. Adolescente de tereré no cabelo, continuou na arte de fugir ao atrito nas águas consensuais que a davam como uma mera questão de tempo.
Não até lograr o feito da madrugada de quinta-feira, mais simbólico do que valioso em termos de troféus, mas, nos píncaros da alta competição da natação onde a fixação está nos ganhos marginais e ínfimos, o que Summer McIntosh passou a significar para Katie Ledecky em Orlando, no estado da Flórida onde a canadiana vive, será combustível mental para muitos litros cúbicos. Ganhou-lhe na distância que tem em Ledecky a rainha suprema, os 800 metros livres, nos Southern Zone South Sectional Championships, prova menor do circuito norte-americano.
O simbolismo inundou a piscina e é mesmo caso para tanto, porque tinha Ledecky 15 anos quando, nos Jogos de Londres, pendurou surpreendentemente o ouro ao pescoço no que seria o início de uma era de domínio absoluto, provando como a natação pode ser uma ditadura: até esta corrida na Flórida, tinha os 29 melhores tempos já cronometrados nessa média distância e a tem que se rebobinar a 2010 para se recordar alguém a tocar primeiro do que ela na parede final da piscina. Ainda nem perto de sentir o odor dos trinta à distância, Katie Ledecky é vista como a melhor nadadora da história e não perdia nos 800 metros livres há mais de 50 eventos. Tinha 13 anos.
Os oito minutos, 11 segundos e 39 centésimos registados por Summer McIntosh, hoje com 17, teriam sido suficientes para bater o tempo dourado da americana nos Jogos de Londres. Mas, para colocar as coisas comummente em perspetiva, é justo mencionar que Ledecky, em junho, nadou o seu melhor tempo em sete anos nos Nacionais dos EUA, conquistando o sexto título mundial seguido no mês seguinte. Enquadrando mais ainda, é já este domingo, em Doha, no Catar, que arranca nova edição dos Mundiais de natação com um pouco de incerteza a rodear estas duas atletas.
Porque, em Paris, a fenomenal Ledecky vai competir nos 800 metros livres para tentar ser a primeira nadadora a vencer a mesma prova em quatro Jogos consecutivos, fora nadar atrás de mais outra medalha de ouro, só mais uma, que fará dela a mulher com mais ouros da história - ultrapassando as nove de Larisa Latynina, antiga ginasta soviética. O ano passado como em 2023, o prodígio Summer McIntosh não mergulhou nessa distância. Com esta recente façanha, a dona de três gatos que chamou a um deles “Mikey”, diminutivo de Michael em honra da sua outra veneração, de apelido Phelps, poderá vir a mudar de ideias em breve.
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