Rui Pinto, o denunciante do Football Leaks, terá acedido a e-mails de procuradores e funcionários da Administração Interna para obter informações sobre o inquérito de que é alvo. Todavia, para Ana Gomes, a eurodeputada socialista que no passado dia 16 de abril lhe entregou na Policia Judicária de Lisboa o prémio europeu para denunciantes promovido Esquerda Unitária Europeia (GUE/NGL), isso “não diminui em nada a sua qualidade com ‘whistleblower’”, ou denunciante.
Dizendo não conhecer os aspectos concretos da informação revelada pela revista Sábado na sua edição desta semana, segundo a qual Rui Pinto acedeu às caixas de correio eletrónico de vários procuradores, da antiga procuradora-geral Distrital de Lisboa Maria José Morgado, de Amadeu Guerra, então diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, e de elementos do Ministério da Administração Interna, a eurodeputada socialista optou, em declarações ao Expresso, por apontar falhas aos sistemas de segurança “oficiais e não oficiais” em Portugal, descritos como uma “balela”, e não se focar nos alegados fins deste acesso a informação.
“Que uma pessoa com especiais e geniais capacidades informáticas tenha acedido a tudo e mais alguma coisa, não me surpreende”, afirmou a eurodeputada, dizendo-se “nada surpreendida” com a suposta iniciativa de Rui Pinto de espiar a Procuradoria-Geral da República e a Administração Interna e garantindo que, “tanto quanto sabe, ele não fez rigorosamente nada com as informações obtidas”.
“Autoridades portuguesas preferiram mobilizar-se a favor da altamente suspeita Doyen, que é o mesmo que mobilizaram-se por Pablo Escobar”
Ana Gomes tem defendido de forma acérrima a proteção de Rui Pinto — que denunciou alegados esquemas de evasão fiscal no futebol cometidos em vários países e foi extraditado em março da Hungria para Lisboa, onde se encontra em prisão preventiva — por parte do Governo português e a sua posição não fica minimamente abalada com a revelação da Sábado. “Eu nunca disse que as suspeitas sobre crimes que ele possa ter cometido não devem ser investigadas e julgadas, mas acho que, independentemente disso, ele tem um potencial extraordinário como possível colaborador da justiça portuguesa”, que, “incompreensivelmente nunca o procurou”.
“Para mim, ele é whistleblower [denunciante] independentemente de qualquer delito que possa ter cometido”, referiu a eurodeputada socialista, sublinhando que “países como a Espanha já recuperou imensos ativos à custa das revelações dele” e que “não se entende porque é que as autoridades portuguesas nunca se mexeram e optaram, antes, por se mobilizar a favor da altamente suspeita Doyen, que é o mesmo que mobilizaram-se por Pablo Escobar”. Rui Pinto é acusado de extorsão ao sistema informático do fundo de investimento Doyen Investment Sports, que tem sede em Malta e financia passes de jogadores e treinadores de futebol.
A prisão preventiva do “hacker”, decretada em março deste ano pelo Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa, também é algo que merece a sua recriminação, argumentando a eurodeputada que se tratou de uma medida praticamente sem precedentes em Portugal. “Experimente perguntar a advogados se conhecem mais pessoas que tenham sido acusadas do crime de extorsão na forma tentada e ficado em prisão preventiva”, sugere, segura da resposta.
Recusa das autoridades portuguesas em colaborar com Rui Pinto reforça suspeitas de “infiltração de corruptos no sistema de justiça”
Rui Pinto tem um “manancial de informação que pode ser fundamental para a justiça ir atrás dos grandes criminosos e isso deveria ser aproveitado”, reforçou Ana Gomes, lembrando o artigo de opinião que Maria José Morgado escreveu para o Expresso a propósito do assunto, intitulado “O amigo Hacker” (11-05-2019). “Quem está em posição privilegiada para divulgar informações sobre redes criminosas que afetem o interesse público, quem divulga criminalidade grave organizada por exemplo no mundo do futebol, e tem coragem de o fazer, quem obteve tais informações com violação da lei, apesar de tudo deve ser adequadamente protegido — provando-se a credibilidade das informações e ausência de má-fé”, escreveu a ex-procuradora geral distrital de Lisboa. Para a eurodeputada socialista, fica claro que “além da falta de recursos, há falta de vontade por parte das autoridades portuguesas de trabalhar com Rui Pinto”, o que só reforça as suspeitas sobre a “infiltração de corruptos no sistema de justiça”.
As suspeitas da PJ e do Ministério Público sobre Rui Pinto e o seu acesso a e-mails de procuradores e funcionários da Administração Interna resultaram da análise de discos externos e computadores que foram apreendidos na Hungria, aquando da detenção do “hacker”, no âmbito da investigação ao acesso aos sistemas informáticos do Sporting e da Doyen, e à alegada tentativa de extorsão do fundo de investimento, revela ainda a revista Sábado. Rui Pinto está indiciado da prática de seis crimes — dois de acesso ilegítimo, dois de violação de segredo, um de ofensa a pessoa coletiva e outro de extorsão na forma tentada.
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