Fórmula 1

Menos lebre, mais tartaruga. Ou como este é o título da definitiva maturidade de Lewis Hamilton

Menos lebre, mais tartaruga. Ou como este é o título da definitiva maturidade de Lewis Hamilton
Dan Istitene/Getty

Ele aprendeu a ter cabeça e por isso hoje Lewis Hamilton pode ter tudo: pode estar num desfile de moda e pouco tempo depois chegar ao 5.º título mundial de Fórmula 1, feito que antes dele só outros dois homens haviam conseguido, Fangio e Schumacher. Porque aos 33 anos, Hamilton é um piloto e um homem melhorado, que deixou para trás o seu lado agressivo e impulsivo para se perguntar todos os dias onde é que ainda pode melhorar. E é por isso que mesmo num ano em que não tinha o melhor carro, o britânico continuou a ser o melhor ao volante

Isto aconteceu há menos de um mês. Um par de dias após vencer o GP Japão, Lewis Hamilton tirou o fato prateado da Mercedes e vestiu as roupas da coleção que ajudou a criar com o designer norte-americano Tommy Hilfiger. A festa de apresentação da coleção, no luxuoso hotel Tokyo Prince, juntou o piloto a várias manequins de alto perfil, habituadas a isto do glamour e dos flashes e das objetivas.

Outro qualquer desportista não estaria livre de críticas por ser parte de tão faustoso evento. Falta de foco no trabalho, gosto desmedido pelos holofotes, pela fama. As tatuagens que lhe cobrem a pele, as jóias que usa e os carros que conduz ajudariam a compor o ramalhete: nós, pessoas que não sabem o que são os sacrifícios da alta competição, gostamos que os nossos heróis sejam monges, gente comprometida e que só vê objetivos à frente, porque isso também nos serve de desculpa para não sermos como eles.

Acontece que Lewis Hamilton, por baixo das roupas, das jóias e das tatuagens, consegue ter tudo. E consegue ter tudo porque tem cabeça. Ou aprendeu a tê-la, o que é tão ou mais admirável. E se os quatro títulos mundiais de Fórmula 1 que tinha currículo já eram mais que sintoma que ali não estava apenas um estroina com muito talento, o quinto campeonato do Mundo, conquistado domingo, no México, é o título da definitiva maturidade de Lewis Hamilton.

Aos 33 anos, Lewis Hamilton já não é o miúdo de puro talento britânico que tomou a Fórmula 1 de assalto em 2007, para no ano seguinte se tornar no mais jovem campeão da história, com apenas 23 anos – Sebastian Vettel quebrou entretanto esse recorde. Esse Lewis Hamilton, o primeiro negro, ainda hoje o primeiro negro a entrar no grande circo da Fórmula 1, tinha tanto de talentoso como de impulsivo. Tinha o ADN dos campeões, mas também as suas idiossincrasias: são mais que públicas as suas impaciências, a forma como aqui e ali perdia a compostura e as pegas com antigos colegas de equipa como Fernando Alonso, Jenson Button ou, mais recentemente, Nico Rosberg.

O Lewis Hamilton de 2018 é um piloto e um homem melhorado. Para chegar ao 5.º título, uma mão-cheia deles, deixando definitivamente para trás Alain Prost e Sebastian Vettel na lista de campeões, Hamilton teve de ir beber, em certa medida, ao primeiro homem a conseguir chegar ao penta, Juan Manuel Fangio, o primeiro grande campeão da Fórmula 1, o homem de todos os recordes até Michael Schumacher irromper século 21 adentro com domínio que só acabou ao 7.º título.

Mas voltemos a Fangio, o argentino desaparecido em 1995, um gentleman que odiava riscos e que dizia adorar as tartarugas porque “chegam sempre e não têm acidentes, ao contrário dos humanos”. Ou o homem que depois de ser “obrigado” a bater por 10 vezes o seu próprio recorde da pista de Nürburgring para chegar ao 5.º título mundial, em 1957, não glorificou o seu feito, mas disse apenas que jamais em tempo algum voltaria a arriscar assim.

Hamilton não se tornou de repente num céptico, mas a idade trouxe-lhe definitivamente sabedoria para refletir. Tornou-se menos lebre e mais tartaruga e só assim foi possível vencer este campeonato em que não tinha, talvez pela primeira vez nos últimos anos, o melhor carro da grelha e em que as coisas não começaram da melhor maneira. Só à 4.ª corrida, no GP Azerbaijão, conseguiu a primeira vitória, depois de um arranque de temporada em que Vettel e a Ferrari dominaram e o Mundial parecia inclinar-se perigosamente para Maranello.

Só que a agressividade e impulsividade que costumavam caracterizar Lewis Hamilton transferiram-se subitamente para Vettel, o alemão com cara de bebé que, como que demasiado confiante no carro que tinha, errou feio em Baku, Alemanha, Itália ou Japão, num misto de problemas mecânicos com ultrapassagens mal calculadas. Por seu turno, Hamilton dividiu a sua pragmática temporada entre vitórias incontestáveis, apenas um abandono (por problemas mecânicos) e, muito mais importante, corridas em que conseguiu minimizar danos que para outros seriam irreversíveis.

E não são esses os mais extraordinários pilotos?

Senão vejamos: em Silverstone começou na pole, mas um toque de Kimi Raikkonen atirou-o para o último lugar. Hamilton recuperou paulatinamente até ao 2.º lugar. Na prova seguinte, o GP Alemanha, um problema hidráulico no carro apenas lhe permitiu qualificar em 14.º. Hamilton recuperou passo a passo até à vitória. E em Monza, a casa da Ferrari, viu Vettel dar-lhe um toque logo na primeira volta. Vettel ficou para trás e Hamilton ainda foi a tempo de ultrapassar Raikkonen para conquistar aquela que seria então a 6.ª vitória da temporada.

O segredo para tudo isto? Bem, talvez uma imersão na humildade que não esperaríamos de um piloto com tamanha personalidade. “Este foi definitivamente o meu melhor ano. No último ano, após vencer o campeonato perguntei-me: ‘Como posso melhorar? Como posso estar ainda mais em forma, mais focado? Como posso gerir melhor o meu tempo? Como posso ser um melhor piloto no seu todo, não só no carro mas também na garagem, com os meus engenheiros?’”, disse logo após o final do GP México. “Sinto que este ano consegui elevar tudo isso. Não sei se é algo que vem com a idade, mas certamente que a experiência ajuda e por isso mesmo sinto que este ano trouxe as minhas melhores performances”.

Em busca do recorde?

Toto Wolff é o mágico por detrás da máquina oleada que é a Mercedes, o homem que deu a Hamilton o espaço que na McLaren o britânico não tinha para exercer as suas atividades extra-curriculares. Talvez porque primeiro que toda a gente, o austríaco tenha entendido que Hamilton precisa de estímulos e que quando tem estímulos paga com resultados.

E também ele acredita que foi em 2018 que vimos o melhor Hamilton, essencialmente por aquilo que melhorou fora das pistas. “Pilotou melhor e está muito melhor fora do carro. É muito, muito completo”, sublinhou o team principal da Mercedes no México.

Mas, avisa Wolff, ainda não é “absolutamente completo”. Porque Hamilton ainda quer mais. E esse mais pode passar por tentar alcançar os sete títulos de Schumacher e o recorde de 91 provas ganhas, que também é do alemão (Hamilton tem menos 20).

Hamilton já avisou que não vai andar nas pistas eternamente. Aí não será seguramente como Fangio, que ganhou o último título com 47 anos. Os desfiles de moda, a forma meticulosa como gere as redes sociais não são um acaso: ele já está a pensar no futuro. “Em primeiro lugar sou um piloto, mas estou a tentar tornar-me bem-sucedido nos negócios. Quero fazer isso à minha maneira, com relações de respeito, confiança e longevidade e quero pensar que sou bom e prudente a escolher os negócios em que entro”, disse o britânico no tal desfile da Tommy Hilfiger em Tóquio.

Para já, o novo pentacampeão do Mundo de Fórmula 1 ainda tem mais dois anos de contrato com a Mercedes. Não fala muito dos seus limites, de onde pode ainda chegar com apenas 33 anos, mas há quem o faça por ele. Nico Rosberg, por exemplo, o seu antigo colega de equipa, o seu maior frenemie, que não tem dúvidas que Hamilton pode quebrar os feitos de Schumacher.

“É fantástico. É uma possibilidade real que se torne estatisticamente no melhor de todos os tempos. O que é de loucos. Schumacher está a apenas dois títulos de distância e a 20 corridas. E é possível que tal aconteça em apenas dois anos”, disse num comentário colocado no seu canal de YouTube.

E talvez aí Hamilton deixe de ser visto apenas como o "melhor da sua geração" para passar a ser, por direito próprio, "o melhor de sempre".

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