As histórias da história do GP Portugal: do fair-play de Moss à aula na chuva de Senna
Mike Hawthorn e Stirling Moss na luta pela vitória nas ruas do Porto, que receberam o primeiro GP Portugal, em 1958
Bernard Cahier
O primeiro GP Portugal de Fórmula 1 aconteceu em 1958, nas ruas do Porto. Passou pelo Estoril e agora regressa em 2020 no Algarve. Este são alguns dos episódios mais memoráveis da prova
1958 - O fair-play de Stirling Moss nas ruas do Porto
A temporada de 1958 marcaria a estreia do GP Portugal no calendário oficial do Mundial de Fórmula 1 - ainda que a história da prova remonte ao início dessa década - com uma corrida pelas ruas da Boavista, no Porto, um circuito citadino de 7,5 quilómetros, com passagens também pela zona da Foz e pela Circunvalação. De acordo com dados da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, mais de 100 mil pessoas assistiram à prova.
O primeiro GP Portugal entraria desde logo na memória coletiva dos seguidores da Fórmula 1, por ter sido palco de um momento de fair-play que marcaria de forma indelével a carreira de dois pilotos. O britânico Stirling Moss, um dos mais completos pilotos da história do automobilismo, corria esse ano pela Vanwall e lutava pelo título com o compatriota Mike Hawthorn, da Ferrari. Numa corrida marcada por várias trocas na liderança entre os dois, Moss cortaria a meta em primeiro, seguido de Hawthorn. Só que Hawthorn acabaria desclassificado por ter percorrido alguns metros na direção contrária depois de um problema eléctrico no seu carro.
Seria Moss a interceder pelo rival, sublinhando que a manobra ilegal de Hawthorn teria acontecido quando este ainda estava fora de pista, o que invalidaria a sanção. Com tudo isto, o homem da Ferrari voltou ao 2.º lugar e no final do ano acabaria por conquistar o seu único título mundial com apenas um ponto de vantagem para Moss. Este, por sua vez, ficaria para história, até à sua morte, no dia de Páscoa deste ano, como um dos melhor pilotos de sempre a nunca se ter sagrado campeão do Mundo. Algo que teria acontecido, não fosse Moss um gentleman.
1984 - O regresso. Agora no Estoril e também como prova de substituição
O GP Portugal manter-se-ia no calendário do Mundial em 1959, em Monsanto, e em 1960, de novo nas ruas do Porto. Depois, um facto curioso: tal como agora, houve um hiato de 24 anos até a Fórmula 1 regressar a Portugal e, tal como 2020, o regresso também se deu em circunstâncias atípicas, substituindo já a meio da temporada o GP Espanha, que naquele ano se deveria ter realizado no circuito urbano da cidade costeira de Fuengirola.
A prova ficou assim marcada para o Autódromo do Estoril, construído em 1972, e que a partir daí e nos próximos 12 anos receberia de forma ininterrupta o Mundial de Fórmula 1. Sendo a última prova do Mundial de 1984, o GP Portugal ficou marcado pela luta entre Niki Lauda e Alain Prost, então colegas de equipa na McLaren, pelo título. Ao austríaco, bastava um 2.º lugar para confirmar o seu 3.º título mundial, mas até à volta 52 a vantagem era de Prost, que liderava enquanto Lauda era terceiro. Veio então um momento de sorte para Lauda, quando Nigel Mansell, 2.º classificado, teve problemas mecânicos e foi obrigado a abandonar.
Ao terminar em 2.º, Lauda foi campeão, naquela que seria a diferença mais curta da história entre primeiro e segundo classificados no Mundial: apenas meio ponto. O lugar mais baixo do pódio naquela tarde no Estoril iria para um miúdo brasileiro a fazer em 1984 a estreia na F1, um tal de Ayrton Senna da Silva. Era só o prólogo de um das mais memoráveis corridas no Estoril, que aconteceria na temporada seguinte.
1985 - A primeira vitória de Senna, a dar uma volta a quase toda a gente
No Mundial de 1985, o GP Portugal mudaria de outubro para a primavera, altura de muitas chuvas, e naquele dia 21 de abril o céu abateu-se sobre o Estoril, num dilúvio bíblico que confirmou Ayrton Senna como um talento especial: por entre os lençóis de água que se formavam no asfalto, o brasileiro, então com apenas 25 anos, liderou do início ao fim, batendo-se heroicamente na pista enquanto os rivais iam caindo um por um.
No final, apenas nove carros terminaram a prova e Senna, então no seu primeiro ano na Lotus, dobrou quase todos. Só o 2.º classificado, Michele Alboreto, terminou a corrida na mesma volta que o brasileiro, ainda assim um minuto e dois segundos de Senna.
Foi a primeira de 41 vitórias de Ayrton Senna na Fórmula 1, numa prova em que também fez a pole-position (também a primeira da carreira) e a volta mais rápida.
1989 - A fúria de Mansell
O GP Portugal de 1989 foi palco de um dos momentos mais insólitos das últimas décadas na Fórmula 1. Na altura piloto da Ferrari, Nigel Mansell falhou por completo a entrada nas boxes, travando bem à frente do local onde se encontravam os seus mecânicos. Ao perceber o erro, fez marcha-atrás, uma manobra considerada ilegal. Mal voltou à pista, foi-lhe mostrada a bandeira preta, de desclassificação imediata. Só que o britânico não aceitou a decisão dos comissários e manteve-se em pista, recusando-se a parar.
Pior: tentou ultrapassar Senna, provocando um acidente que deixou o brasileiro da McLaren fora da corrida e, para todos os efeitos, fora da luta pelo título com Alain Prost. Mansell seria impedido de participar na corrida seguinte, o GP Espanha.
1993 - A única vitória de Schumacher no Estoril e o último título de Prost
Em 1993, Michael Schumacher era um jovem talentoso, ainda então à procura da afirmação que aconteceria no ano seguinte, quando conquistaria o primeiro de sete títulos mundiais. O piloto da Benetton conseguiu no Estoril a única vitória dessa temporada dominada pelos Williams e também a sua única vitória em território português.
E numa espécie de passagem de testemunho, ao lado de Schumacher no pódio estava Alain Prost, que com o 2.º lugar confirmaria o seu 4.º e último título mundial. O francês abandonaria a competição no final dessa temporada. E com a trágica morte de Senna, no GP São Marino de 1994, Schumacher tornou-se o grande dominador da Fórmula 1 na década e meia seguinte.
1996 - A despedida com vitória canadiana
Na época de 1996, Jacques Villeneuve tornar-se-ia no último vencedor do GP Portugal em mais de duas décadas. O canadiano, então na sua época de estreia, deu espectáculo ao ultrapassar na última volta o colega de equipa na Williams e rival na luta pelo título, Damon Hill. O GP Portugal foi então a penúltima prova do ano e com a vitória no Estoril, Villeneuve levou a discussão do Mundial até à derradeira corrida, no Japão, onde o mais experiente Hill acabaria por sagrar-se campeão do Mundo.
O GP Portugal ainda esteve no calendário de 1997 - seria inclusivamente a prova de encerramento da época - mas os trabalhos de renovação das infra-estruturas da pista não foram concluídos e a prova seria substituída pelo circuito de Jerez de la Frontera, em Espanha.
*A Tribuna Expresso republica este artigo por ocasião do GP de Portugal que se disputa este fim de semana