Em Portimão, Lewis Hamilton ganhou um Grande Prémio outra vez e as reações mais comuns a esta notícia variam entre o encolher de ombros e a indiferença. O que é que isso interessa, é sempre o mesmo, a Fórmula 1 já não é a mesma desde que o [insira nome de piloto aleatório reformado] deixou isto, etc.
Num certo sentido, estas críticas são válidas.
O século XXI tem sido marcado por poucos campeões: Michael Schumacher (2000, 2001, 2002, 2003 e 2004), Sebastian Vettel (2010, 2011, 2012, 2013), Lewis Hamilton (2008, 2014, 2015, 2017, 2018, 2019 e se o mundo não acabar amanhã 2020 também); Fernando Alonso foi bicampeão (2005 e 2006), Jenson Button (2009) e Nico Rosberg dois one-hit wonders.
A pouca variabilidade traduz-se em monotonia e isso reduz naturalmente as expectativas. Para quê discutir um desporto se é sempre o mesmo que ganha?
Pois.
Talvez estejamos a ver isto ao contrário: porquê não discutir um desporto de elite, competitivo, desgastante e permeável a jogos de poder como poucos, que ainda assim tem sido consistentemente dominado pelo mesmo homem? É como olhar para uma obra de arte vezes de mais e perder a noção de que estamos a olhar para uma obra de arte, porque nos familiarizámos com esta entretanto.
Temos de manter a perspectiva.
Concentremo-nos em Hamilton, que não é de forma alguma o protótipo do piloto de Fórmula 1, a começar pelo óbvio: a cor da pele. Este rapaz nascido pobre a quem Ron Dennis deu uma oportunidade um dia, acabou de bater o recorde de triunfos de Michael Schumacher e é agora o tipo com mais vitórias em corridas na história da competição: 92.
"É sempre uma honra perseguir a perfeição", disse ele à equipa na comunicação rádio, quando cruzou a meta em Portimão.
A "perfeição" pode ser igualada no final da época, quando Hamilton conquistar o Mundial pela sétima vez (tal como Schumacher), algo que apenas o fim apocalíptico do planeta parece poder travar: Hamilton tem 230 pontos, Bottas 161 e Verstappen 147.
Porque não será o britânico a falhar.
No Grande Prémio de Portugal, em que largou da pole position, Lewis Hamilton mostrou que está num nível inalcançável para os outros. Numa pista semi-desconhecida para todos, em condições de chuvinha miudinha, o piloto da Mercedes partiu mal, tremido, viu-se ultrapassado pelo colega Valtteri Bottas e pelo rival - 'rival' - Carlos Sainz; essa anormalidade durou pouco, que Bottas ultrapassou Sainz quando os pneus aqueceram e a seguir Hamilton passou por ambos.
E entrou na zona.
Volta atrás de volta, Lewis foi ganhando tempo ao valente Valttteri Bottas que acabou a mais de 25 segundos; o terceiro classificado, Max Verstappen (Red Bull), terminou a 35 segundos e uns pozinhos mais. Como um relógio, o número 44 da Mercedes percorreu o traçado sem erros, poupando os pneus como ninguém. "Os pneus estão perfeitos", chegou a dizer a determinado momento, quando as borrachas da concorrência pareciam soltar-se dos monolugares como lama de um par de botas. A sua condução limpa, suave e certa, e também a experiência são uma combinação impossível de resistir, imune a cãibras que próprio confessou no final.
Daqui a dois anos, é provável que estejamos a falar de Lewis Hamilton como o melhor de todos os tempos.
E então? Então que é isto.