Imprevisível, inesperado, polémico, louco - no fundo, o resumo em 58 voltas daquilo que foi todo o Mundial de 2021. Max Verstappen é campeão mundial de Fórmula 1 pela primeira vez, ao vencer um GP Abu Dhabi que teve perdido até às voltas finais, antes de Nicholas Latifi se despistar e obrigar à chamada de um safety car que tudo decidiu.
Lewis Hamilton foi virtual campeão do mundo desde o arranque, quando ultrapassou Verstappen, até à ultima volta, quando viu o neerlandês passá-lo após a saída do safety car da pista. O piloto da Mercedes tinha na mão o oitavo título mundial, que lhe escapou num misto de azar e estratégia da equipa, num final de temporada que entrará diretamente para um dos primeiros lugares dos mais emocionantes de sempre.
Foi uma corrida feita de estratégias, táticas, de eventos inesperados que mudaram por várias vezes a história da prova. A vitória de Max Verstappen, que volta a trazer um título mundial de pilotos que escapava à Red Bull desde 2013, chega na última volta, depois uma fase final em que a equipa tudo arriscou para alcançar um Lewis Hamilton a correr numa estratégia diferente. A chegada do safety car depois do despiste de Nicholas Latifi abriu as portas para a definitiva aproximação, que em condições normais, sem incidentes, não teria acontecido.
Mas a isto chama-se desporto motorizado. Nunca a máxima "até à bandeira de xadrez há corrida" se aplicou de forma tão gloriosa para Verstappen e tão cruel para Hamilton. Para o neerlandês, é o primeiro título mundial aos 24 anos. O primeiro de tantos que se lhe parecem destinados desde a sua estreia aos 17 anos na Fórmula 1. Precisou de esperar pela aproximação em termos competitivos da Red Bull à Mercedes e consegue fazê-lo no último ano do atual regulamento. Já Lewis Hamilton vê quebrada a sua hegemonia e também a oportunidade de passar para a frente da lista de maiores vencedores da história da Fórmula 1. Mantém-se, para já, empatado com Michael Schumacher, com sete títulos. E por esta altura o britânico ainda estará a pensar que sucessão de eventos o fizeram perder este título, que parecia feito até à entrada do safety car.
A corrida
Toda a vantagem conseguida na qualificação por Verstappen, em que conseguiu a pole, parecia ter-se esfumado com o arranque versão foguete de Hamilton, com um tempo de reação bem mais imediato que o do neerlandês. Os pneus médios davam, para mais, uma maior flexibilidade à estratégia do britânico, por isso Verstappen rapidamente ripostou: na curva 7 viu uma aberta, mergulhou e obrigou Hamilton a ir à escapatória.
O piloto da Mercedes regressou à pista em primeiro, a Red Bull pediu à direção de corrida que Hamilton devolvesse a posição a Verstappen, mas Michael Masi decidiu não intervir - e logo na primeira volta, uma polémica, para surpresa de absolutamente ninguém.
Com o rival no seu ar sujo, Hamilton forçou o ritmo e à volta 12 já tinha mais de 4 segundos de vantagem para Verstappen, que parou duas voltas depois, ficando no tráfego, atrás de Carlos Sainz. Hamilton respondeu imediatamente, conseguindo voltar à pista em 2.º, com ar limpo. Mas com Sergio Perez em primeiro.
O companheiro de equipa de Verstappen teve então um papel fundamental para que a corrida voltasse a ter vida: baixou o ritmo, esperou a aproximação de Hamilton e iniciou uma “guerra” em pista com o britânico que fez o homem da Mercedes perder praticamente oito segundos para Max. Quando Hamilton se conseguiu finalmente desenvencilhar do mexicano, já Verstappen estava na sua traseira - e à volta 22 estava tudo mais ou menos em aberto.
E mais ficaria quando à volta 37 Antonio Giovinazzi desistiu com problemas na caixa de velocidades. A retirada do Alfa Romeo obrigou à chamada do virtual safety car, com a Red Bull a ver aqui a oportunidade de uma jogada estratégica: chamou rapidamente Max Verstappen para colocar pneus duros novos. A Mercedes, com receio de perder posição, manteve Hamilton em pista.
Começou então a luta entre o gato e o rato: Verstappen a quase 20 segundos da frente, mas com pneus novos, e Hamilton com duros antigos. Um neerlandês mais rápido, um Hamilton a tentar gerir para segurar a posição em pista.
E Hamilton usou toda a sua experiência para fazê-lo - Verstappen aproximava-se, mas não com o ritmo necessário para haver luta no final.
Até que apareceu aquele safety car.
Nicolas Latifi despistou-se quando faltavam cinco voltas para terminarem as 58, o Williams ficou no meio da pista e o safety car foi chamado. A Red Bull reagiu de imediato, chamando Max Verstappen para colocar pneus macios e a Mercedes voltou a deixar Hamilton em pista. Toda a vantagem do britânico reduzia-se, então, a nada, com a vantagem de Max Verstappen ter pneus em muito melhores condições.
Seguiu-se então um momento de impasse: terminaria a corrida atrás de safety car, dando assim o título a Hamilton? Ou haveria ainda tempo e espaço para correr? Começaram, então, as comunicações entre Red Bull e Mercedes com a FIA, cada um a pressionar, a puxar para seu lado. Inicialmente, a direção de corrida não permitiu que os carros atrasados que ainda estavam entre Hamilton e Verstappen cedessem lugar ao neerlandês. Mas com a decisão de fazer sair o safety car antes do início da última volta, a decisão virou. O que significava que Lewis Hamilton e Max Verstappen iriam começar a última volta do GP Abu Dhabi colados, para desespero de Toto Wolff e da Mercedes, bem visível na voz alterada do team manager da equipa nas comunicações para Michael Masi.
Verstappen tinha, assim, toda a vantagem, à conta dos pneus novos. E mesmo com muita luta de Hamilton, o neerlandês conseguiu mesmo a ultrapassagem já dentro dos momentos finais, conseguindo assim de forma quase inesperada um título que parecia impossível 10 minutos antes. Uma sorte, diga-se, que a Red Bull também procurou, ao tentar todas as estratégias, ao arriscar tudo o que era possível arriscar para estar preparado para um desses momentos inesperados que esta temporada nos ensinou a estar sempre à espera.
Uma corrida louca, cheia de vidas dentro dela, emoção até ao fim. Um novo campeão, não sem polémica à mistura. A temporada de 2021 in a nutshell.
Ah, com tudo isto, Carlos Sainz (Ferrari) conseguiu o terceiro lugar do pódio e a Mercedes confirmou o título de construtores, um fraco consolo para o construtor alemão.
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