Max Verstappen não ganha há dois meses e Lando Norris e a McLaren estão aí para ameaçar o domínio da Red Bull
Rudy Carezzevoli
Desde o GP Espanha que Max Verstappen não sabe o que é vencer na Fórmula 1 e um título que parecia uma certeza depois de um fulgurante início de temporada parece agora ameaçado. A performance dominadora de Norris no GP Países Baixos, casa de Max, assustou a equipa austríaca, estagnada no seu progresso, enquanto os britânicos voam. A vantagem do neerlandês ainda e grande, mas virá aí surpresa?
Às tantas, parecia que Max Verstappen tinha subitamente trocado de cores e carro. O laranja até lhe assenta bem, não fosse a cor histórica com que identificamos os Países Baixos, o tom que a cada ano invade as bancadas de Zandvoort, onde o neerlandês tinha registo perfeito desde o regresso da Fórmula 1 ao mítico circuito, em 2021. Mas quem conduzia aquele carro cor de papaia que recebeu a bandeira de xadrez com quase 23 segundos de vantagem para o 2.º classificado não era Verstappen, nem o carro era um Red Bull, o grande (e único) dominador da categoria nos últimos dois anos.
Lando Norris tornou-se o primeiro britânico a ganhar o GP Países Baixos desde James Hunt em 1976 e o primeiro McLaren desde 1985, quando Niki Lauda ali venceu, na pista conhecida pelo seu espetacular e pronunciado banking que faz os carros como que escalarem o asfalto. Para Max Verstappen, a seca de triunfos chegou aos dois meses, situação que não conhecia desde 2020, quando era a Mercedes que ditava a referência. Mesmo contando que a Fórmula 1 parou durante três semanas para banhos e descansos de verão, o certo é que o tricampeão mundial não vence desde o GP Espanha, a 23 de junho. Daí para cá, em cinco corridas, Max nunca mais conheceu um sabor que lhe é tão familiar e que quase tornou em sociedade unipessoal nos últimos anos.
Olhando para cada ciclo que corresponde a uma mudança de regulamentos na Fórmula 1, é natural que um carro dominador chegue aos limites do seu desenvolvimento. A partir daí, os ganhos começam a ser cada vez mais marginais face aos dos rivais, que têm mais espaço para crescer - a tendência é para as forças convergirem época após época. É o que estará a acontecer à Red Bull, neste terceiro ano em que se compete com as atuais especificações técnicas. As convulsões internas na equipa, com a saída do mago Adrian Newey, o mais importante projetista de carros da história da Fórmula 1, e o caso de comportamento não apropriado do team principal Christian Horner, nunca cabalmente esclarecido, não ajudaram também à tranquilidade de uma equipa que ainda no início desta temporada parecia imbatível.
Problemas no paraíso da Red Bull?
Mario Renzi - Formula 1
Pierre Waché, o francês que é diretor técnico da escuderia austríaca e substituiu Newey em maio, reconheceu também no início deste mês ao portal Motorsport.com que a Red Bull usa neste momento “um túnel de vento muito antigo”, além de que o estatuto de campeã mundial de construtores dá à equipa menos tempo que os adversários nesta geringonça que é um verdadeiro laboratório de corridas, essencial para testar alterações aerodinâmicas nos carros. E aqui também parece estar o segredo para o ressurgimento da McLaren, que estreou um túnel de vento novinho em folha em outubro de 2023.
A vitória de Lando Norris no GP Países Baixos foi concludente, digna dos períodos mais dominadores da Mercedes até 2021 e da Red Bull daí para cá. O piloto britânico de 24 anos, que desde a estreia em 2019 mostrou talento para um dia ser candidato ao título, até se deu ao luxo de perder a primeira posição para Verstappen no arranque, mas o MCL38, que trouxe updates significativos para Zandvoort, foi de tal maneira superior em pista que Lando voltou à liderança à volta 18, ultrapassando sem dificuldade o piloto da casa em frente ao seu público.
Daí até final, a diferença entre os dois carros só conheceu uma tendência: a de aumentar. Os quase 23 segundos de diferença entre primeiro e segundo são a maior vantagem da temporada, com Lando ainda a conseguir a volta mais rápida no final da corrida, mostrando que, para lá do desempenho geral do monolugar, a McLaren é também neste momento a equipa que gere melhor a degradação dos pneus. No final, na primeira entrevista rápida após sair de um carro que parece cada vez mais difícil de guiar, viu-se o improvável: um Max Verstappen quase resignado. “Começámos bem, tentámos de tudo, mas durante a corrida acho que foi bem claro que não estamos rápidos. Por isso, tentei apenas ser segundo”, lamentou, com pragmatismo, o campeão em título.
E com um desempenho tão categórico da McLaren, nunca a pergunta “mas será que Max Verstappen e a Red Bull vão perder um título que parecia certo?” ecoou tanto no paddock da Fórmula 1.
Feito improvável, mas há que olhar para 2013
À falta de nove corridas (e três provas de sprint) para o final da temporada, os 70 pontos de vantagem de Verstappen para Norris, recolhidos que nem formiguinha trabalhadora num fulgurante início de temporada, em que venceu cinco dos primeiros sete grandes prémios, parecem dar algumas garantias ao neerlandês, que mesmo sem ter o melhor carro do grid tem mantido uma consistência assinalável. Primeiro, porque é um extraordinário piloto, mas também graças à fiabilidade do RB20 - Verstappen apenas desistiu uma vez este ano, na Austrália.
Seria necessário um desempenho de Lando perto da perfeição e que uma série de desgraças acometessem Max Verstappen até ao final da temporada para o rumo do campeonato virar para o britânico. Na McLaren, há plena noção da dificuldade do feito, mas olha-se para 2013. Nesse ano, depois de uma primeira metade da temporada muito equilibrada, com vitórias repartidas entre Ferrari, Mercedes e Red Bull, Sebastian Vettel garantiu o seu quarto título consecutivo ao vencer nove corridas seguidas. Igualar tal proeza daria a Norris o seu primeiro campeonato do mundo, ele que é um dos responsáveis pelo rejuvenescimento do público que consome Fórmula 1.
Lando na frente de Verstappen no banking de Zandvoort
NurPhoto/Getty
“Queremos manter a ideia na nossa cabeça de que é possível. Até falámos sobre o que o Vettel fez em 2013 e dissemos: ‘Podemos fazer o mesmo, porque não?’”, sublinhou Andrea Stella, chefe de equipa da McLaren, aos jornalistas depois do GP Países Baixos.
Mas a McLaren, que já foi grande (tem 12 títulos de pilotos) e é uma das históricas equipas da Fórmula 1, também sabe o que é sofrer no fundo da tabela nos últimos anos - há ano e meio iniciou a temporada de 2023 como uma das piores equipas do pelotão. Voltar ao topo tem tido as suas dores de crescimento. E desde que tem o melhor carro da grelha, após os updates trazidos em Miami, a McLaren não tem mostrado a consistência necessária sob pressão, num ano em que já desbaratou vitórias que pareciam certas por erros na estratégia (GP Canadá e GP Grã-Bretanha) e falhas do próprio Norris, nomeadamente no GP Hungria, quando mais uma vez se deixou ultrapassar no arranque, e em certa medida no GP Áustria - tentou ultrapassar Verstappen e os dois acabaram por colidir, com culpas repartidas. Erros que têm sido aproveitados não só pela Red Bull, mas também pela Mercedes e Ferrari para amealharem algumas vitórias inesperadas.
Andrea Stella, apesar de ter a cabeça em 2013, também frisou que em 2024 a McLaren será mais favorita em algumas pistas do que em outras. Além disso, será essencial o papel de Oscar Piastri, australiano colega de equipa de Norris, que terá de roubar pontos a Verstappen para o britânico ainda manter esperanças no título. Até uma modalidade individual é, na sua essência, sempre um esforço de equipa.
Há receio na Red Bull
Mais provável parece ser a vantagem teórica da McLaren na luta pelo Mundial de construtores, que não conquista desde 1998. Neste momento, a Red Bull tem apenas 30 pontos à maior (434 para 404) face ao rival cor de papaia e se Max Verstappen vai fazendo o possível com o carro que tem em mãos, Sergio Pérez tem sido protagonista de uma temporada desapontante - no GP Países Baixos, o mexicano foi 6.º, o seu melhor resultado desde o GP Miami, a 5 de maio. Uma performance muito insuficiente numa altura em que Norris e Piastri cheiram sempre vitórias e pódios e a McLaren ainda vai trazer novos updates durante a época. Nas últimas quatro corridas, a equipa de Woking fez mais 57 pontos do que a Red Bull para o Mundial de construtores.
Lando Norris e Oscar Piastri: uma dupla em busca de um Mundial
Bryn Lennon - Formula 1
Em Milton Keynes, quartel general da Red Bull, há preocupação. E ela é pública. Não só Max Verstappen parece, à vez, impaciente com a estagnação do RB20 ou conformado com a situação da equipa, como Helmut Marko, conselheiro principal da Red Bull, admite que os dois títulos, tanto de pilotos como de construtores, estão em risco.
“Tal como o Max disse antes da pausa de verão, a equipa tem de trabalhar com mais afinco e tem de encontrar onde melhorar, porque continuando assim os campeonatos estão ameaçados”, afirmou Marko ao Motorsport.com, depois do que diz ter sido “um resultado alarmante” no GP Países Baixos.
Segue-se Monza, em Itália, pista veloz mas também com curvas lentas, onde McLaren e Red Bull poderão estar mais equiparadas - os britânicos não são os mais rápidos em velocidade de ponta, mas a Red Bull sofre nas chicanes. Para confirmar já no próximo fim de semana.