Fórmula 1

Depois da implosão no GP Catar, a McLaren estará prestes a reviver o pesadelo de 2007?

Depois da implosão no GP Catar, a McLaren estará prestes a reviver o pesadelo de 2007?
Mark Sutton - Formula 1

Tal como nessa temporada, a McLaren deixou que um título certo se arrastasse para uma luta a três na derradeira prova do campeonato. Em 2007, seria mesmo Kimi Raikkonen, então na Ferrari, a bater Fernando Alonso e Lewis Hamilton. Agora, depois dos erros da equipa em Lusail, Lando Norris terá Max Verstappen a respirar-lhe no pescoço em Abu Dhabi, numa última corrida em que Oscar Piastri ainda manten uma ténue esperança no título

Oscar Piastri é um tipo curioso. Num habitat da Fórmula 1 carregadíssimo de personalidades em esteroides, pilotos hiperconfiantes e emoções mais inflamáveis que gasolina, o australiano vai até contra os estereótipos associados aos naturais do seu país, a Austrália. Nada nele é festivo ou barulhento, seja a conduzir ou a comunicar. Mantém sempre aquela pose fleumática, uma cara de impassíveis trejeitos, tanto na vitória e, pelos vistos, na derrota. 

Depois da McLaren ter estragado a corrida dos seus dois pilotos no GP Catar, entregando numa linda bandeja cheia de fuligem a vitória e uma bomba de oxigénio a Max Verstappen com uma estratégia amadora - não trocaram pneus como todo o pelotão quando o safety car fez uma aparição à volta 7 -, o australiano voltou a dar sinais de uma maturidade fora do comum para os seus 24 anos. Ao cruzar a meta em 2.º, numa corrida que, em condições normais, teria vencido com facilidade, disse apenas: “Não tenho palavras”. E silêncio. 

Talvez a frase crua e livre de quaisquer gorduras seja muito mais aguda do que as explosões de raiva que estamos habituados a ouvir nos rádios dos pilotos irados nos finais das corridas, quando as coisas não correm bem. A desilusão tende a ser pior do que estar simplesmente chateado. 

Para quem não vence o Mundial de pilotos desde 2008, a McLaren está a abrir demasiado os flancos, entre erros de estratégia em Lusail e a dupla desqualificação em Las Vegas, à conta de uma infração do regulamento técnico. No final de agosto, o título era certo, restava saber se o caneco iria para Lando Norris ou Piastri. Quando acabou o GP Países Baixos, faltando nove corridas para o fim de campeonato, Max Verstappen (Red Bull) tinha 104 pontos de desvantagem para o australiano, que então liderava o Mundial. De lá para cá, em oito corridas Verstappen, em busca de um 5.º título mundial consecutivo, venceu cinco, inclusive as últimas duas. E, com isto, o tal título mundial que estava entregue com um lacinho a um dos dois pilotos da McLaren será uma luta a três na última prova do ano, em Abu Dhabi, já no próximo fim de semana.

Lando Norris, que falhou o match point no Catar ao terminar apenas em 4.º, parte para a derradeira batalha ainda em vantagem, com 408 pontos,. Max Verstappen tem 396 e Piastri 392. 

Verstappen intrometeu-se inesperadamente na luta por um quinto título mundial
Clive Rose - Formula 1

O que, para a McLaren, trará reminiscências pouco felizes. Oscar Piastri era apenas uma criança acabada de chegar à escola primária quando, em 2007, a McLaren se viu numa situação quase a papel químico. Numa altura em que o Mundial tinha apenas 17 corridas e o primeiro arrebatava apenas 10 pontos e não os 25 atuais, a equipa de Woking, com uma superdupla constituída por Fernando Alonso, então bicampeão em título, e um rookie promissor, de seu nome Lewis Hamilton, dominou boa parte do Mundial de pilotos. Entre o espanhol e o britânico, liderou desde a segunda corrida até à última. 

Porém, tal como na próxima semana, o fecho da temporada, então em Interlagos, no Brasil, jogou-se entre três pilotos: Hamilton, que liderava a tabela há dez corridas, com 107 pontos, Alonso (103) e Kimi Raikkonen, da Ferrari, com 100 e que vinha em forte recuperação, tendo vencido dois dos últimos três Grandes Prémios. Numa época marcada pela relação tóxica entre Alonso e Hamilton, que o espanhol via como favorecido dentro da estrutura da McLaren, que nesse ano foi também condenada pelo caso Spygate, o pior ainda estaria por acontecer.

Em Interlagos, Raikkonen era apenas 3.º na grelha, atrás do colega de equipa Felipe Massa, na pole, e de Hamilton. Alonso partiu de 4.º. Os problemas para a McLaren começaram logo no arranque, com o finlandês a passar Hamilton, que perderia depois também o duelo com Alonso, antes de sair de pista e descer para 8.º. Um problema na caixa de velocidades tornaria o pesadelo para o jovem britânico ainda mais real, atirando-o para o fundo da classificação. Raikkonen ultrapassaria Massa na dança das paragens nas boxes e com a vitória, combinada com o 3.º lugar de Alonso e o 7.º de Hamilton, sagrou-se campeão do mundo, com apenas um ponto de vantagem para os dois rivais. Foi apenas a segunda vez e a primeira desde a temporada inaugural da F1, em 1950, que um piloto que começou a última corrida em 3.º no Mundial conseguiria o título. 

As contas do título

É preciso recuar até 2010 para ver uma luta na última corrida entre mais de dois candidatos. Aí eram quatro os pilotos com hipóteses: Sebastian Vettel, que seria campeão, Mark Webber, Fernando Alonso e Lewis Hamilton. Em 2025, Lando Norris continua com uma vantagem importante para conseguir, aos 26 anos, e na sua sétima época na Fórmula 1, um primeiro título mundial. Max Verstappen e Oscar Piastri correm na expectativa de um erro do britânico.

Há inúmeras variantes para cada um chegar ao título, mas a mais basilar será esta: se Norris ficar num dos três lugares do pódio será campeão, seja qual for a classificação de Verstappen ou de Piastri. Mesmo que Norris seja 4.º ou 5.º, será campeão caso Verstappen não vença a corrida. Se o neerlandês ficar fora do pódio perde qualquer hipótese de lutar pelo título. A sua melhor chance será vencer sem que Norris consiga chegar ao pódio.

As contas para Piastri são ainda mais complexas: a 16 pontos do colega de equipa na McLaren, o australiano, que a meio da temporada parecia o mais forte dos candidatos, tem como melhor hipótese vencer em Abu Dhabi e esperar que Norris fique, no máximo, em 6.º lugar. Repetir o feito de Raikkonen, saltando de 3.º para 1.º, parece altamente improvável. 

Antes de tudo, a McLaren não quererá repetir os erros de 2007, numa situação em que, tal como 2025, deixou que os dois pilotos lutassem de igual para igual pelo título. No final, nem um nem outro o conseguiram.

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