Abram alas para uma semana de futebol ao mais alto nível no Algarve (nos relvados e nas... cozinhas)

Cátia Leitão
Imagine isto: está num hotel no Algarve, descansado da vida e de óculos de sol na cara, deitado à beira da piscina, quando, de repente, vê passar um grupo de 23 japonesas, de calções e t-shirts, na direção da cozinha, para o meio dos tachos e das panelas. Debaixo do braço levam soja e outros temperos e talheres tipicamente japoneses. É uma excursão? É uma partida? Não. É mesmo a Algarve Cup, provavelmente o maior torneio particular de futebol feminino do mundo.
A portuguesa Maria João Xavier já lá esteve enquanto jogadora, a representar a seleção, mas agora, já com as chuteiras penduradas, dedicou-se a outra função: Team Liaison Officer (TLO). Trocando isto por miúdos: desde 2004, é um dos elementos de ligação entre a federação e as seleções participantes na Algarve Cup, ou seja, é uma mulher faz-tudo.
"Faço a articulação entre a organização e a própria equipa. Apoio em tudo o que é necessário e tenho de estar sempre por perto para o caso de eles precisarem de alguma coisa, como ir ao hospital, ao supermercado ou à farmácia. Tenho de estar presente em todo o acompanhamento às equipas num país que não é o delas", explica a ex-internacional portuguesa, que já acompanhou várias comitivas ao longo dos anos: os "gregos que queriam mudar tudo a toda a hora e a todo o instante", os "mexicanos que andavam sempre desertos para comer camarões", os simpáticos islandeses e, agora, os japoneses... na cozinha.
"Vão para a cozinha para que os temperos sejam mais próximos daquilo que se come no Japão. No local onde estamos alojados, em Vilamoura, arranjam-lhes tudo o que eles solicitam e eles vão à cozinha fazer uma refeição tipicamente japonesa, com os temperos todos, que eles trazem", conta 'Maria San' - como é tratada -, que partilha o espaço mas não a refeição: "Prefiro as coisas do Ocidente, porque não sei muito bem o que vou comer e, portanto, prefiro não arriscar, prefiro jogar pelo seguro."
Além da língua e da comida, ainda temos os horários. "O Japão tem nove horas de diferença, portanto eles têm horários um bocadinho estranhos para aquilo que nós estamos habituados. Às sete da manhã, eles estão a tomar o pequeno almoço, às nove já estão a treinar e se for preciso às 11 horas estão a almoçar e às 17h vão jantar", relata. Ou seja, o dia começa cedo, mas também termina cedo: "Às sete da manhã vemos toda a comitiva do Japão para ir comer e acabou-se o sossego, mas depois também acabam cedo, a partir das oito da noite já não se vê nenhuma japonesa nos corredores."
Maria João Xavier participou nas primeiras dez competições como jogadora e diz que a Algarve Cup é o pico da competição feminina. "Como jogadora, todas as edições foram marcantes, porque, se recuarmos 25 anos, os quadros competitivos em Portugal não eram o que são agora, e as experiências internacionais não eram o que são agora. Portanto, cada vez que se aproximava o período de março, para nós, atletas, na altura, era uma enorme alegria e satisfação, porque podíamos em alguns momentos competir com as melhores jogadoras que existiam à data", recorda.
Então, afinal, o que é isso da Algarve Cup? Simples: a Federação Portuguesa de Futebol, em parceira com as federações da Dinamarca, Suécia e Noruega, convida 12 seleções para participar - com 10 equipas a pertencerem ao top 20 do ranking FIFA -, divididas por três grupos.
O grupo A junta Noruega, Austrália, China e Portugal. E só existe uma palavra capaz de descrever este grupo: equilíbrio. Portugal defrontou a Austrália pela última vez em 1996 e saiu de campo com um nulo. Esta sexta-feira (15h00, transmissão TVI24), as portuguesas prometem dar nova luta às australianas, mas o desafio será duro: a Austrália é 4ª do ranking mundial FIFA, enquanto Portugal ocupa o 38º lugar.
Já o primeiro jogo português com a seleção norueguesa (14ª do ranking), que já ganhou o troféu por quatro vezes, foi também em 1996, mas o resultado não foi favorável às jogadoras das quinas (derrota por 3-0). Quanto à equipa da China (16ª), que já ganhou o torneio por duas vezes, o último encontro com Portugal foi relativamente recente, em 2015, e as portuguesas ganharam, nos penáltis.
Maria João Xavier admite que Portugal não vai ter a vida nada facilitada, mas diz que o mais importante é aprender com as melhores. "A Austrália é muito forte - não é à toa que tem estado nas útimas grandes competições. Portugal vai ter um período de excelência de aprendizagem porque vai jogar contra duas equipas que, em situação normal, não joga, que é contra a Austrália e contra a China. São países que não estão nos nossos quadros competitivos da Europa e como ainda, não conseguimos nenhum apuramento para um Mundial, são seleções que habitualmente não defrontamos, mas isto acaba por permitir também crescer com outro tipo de desafios", explica.
Já o grupo B inclui Suécia, Canadá, República da Coreia e Rússia. As coreanas veem pela primeira vez ao Algarve Cup, mas o 14º lugar no ranking da FIFA mostra que pretendem deixar uma marca bastante forte por terras portuguesas. Já a seleção da Rússia vai para a 4ª participação e embora nunca tenha ganho promete dar luta. Quanto às suecas, já arrecadaram três troféus em Portugal (1995, 2001 e 2009), mais dois do que as canadianas, que só ganharam a edição de 2016.
Por último, mas não menos importante temos o grupo C, com Dinamarca, Japão, Islândia e Holanda. As dinamarquesas são já tradição nesta competição e participaram em todas as edições. Ainda não conseguiram levar a taça para casa, mas já ficaram cinco vezes em 2º lugar. Também a Islândia conta já com bastantes competições: 14, para sermos mais exatos, e o 2º lugar na edição de 2011 foi a melhor classificação até agora.
Quanto às holandesas, chegam a Portugal com um trunfo na manga: são as atuais campeãs europeias. Prometem um jogo de nível muito elevado e vêm para dificultar a vida às japonesas (de Maria João Xavier), que foram campeãs mundiais em 2011 e já estiveram no Algarve em sete ocasiões.
Em 25 anos, existe um claro vencedor, bastante superior aos outros, e que este ano não vai comparecer - talvez para dar a oportunidades às restantes: os Estados Unidos. Ganharam 10 edições e ainda conquistaram o 2º lugar por quatro vezes e o 3º lugar por outras duas, mas agora irão permanecer "em casa", onde criaram um torneio semelhante à Algarve Cup, chamado She Believes Cup, mas com bem menos equipas.
Seguem-se as norueguesas, com quatro títulos, as suecas e as alemãs com três cada, as chinesas com dois e as canadianas e as espanholas com um título cada uma.
A atual campeã é exatamente a vizinha Espanha, que este ano irá participar na Cyprus Cup, outro torneio semelhante à Algarve Cup, que se disputa no Chipre. Já as portuguesas ficam-se por serem apenas as anfitriãs - até agora nunca venceram nenhuma edição nem conseguiram chegar ao pódio.
Mas a verdade é que ao longo destes 25 anos a competição cresceu muito: de praticamente desconhecida para mundialmente falada, assim como a modalidade em si. E Maria João Xavier acredita que isso é o mais importante. "O torneio cresceu muito. Têm vindo cada vez mais seleções daquelas do topo do ranking feminino, o que trouxe mais qualidade. À medida que a seleção vai crescendo em termos de resultados mais positivos, o que culminou com o apuramento para o Europeu do ano passado na Holanda, o interesse vai aumentando também", garante, recordando que, nos seus tempos de jogadora, a história era outra.
"De uma fase inicial em que pouco interesse havia começamos a assistir gradualmente a um aumento do interesse geral. O auge acontece quando os jogos são transmitidos em direto na televisão portuguesa, o que vai acontecer também esta edição. Quando começámos, em 1994, ninguém ouvia falar disto. Agora é bem diferente e toda esta evolução acompanha também a evolução da seleção e do crescimento do interesse na modalidade. E enquanto Portugal for mostrando que está a subir, o interesse vai aumentar sempre." Venham daí mais 25 anos.
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