“Não me vou demitir!” Luis Rubiales defendeu-se contra as “falsas feministas” e disse que o beijo a Jenni Hermoso foi “mútuo e consentido”
Maja Hitij - FIFA
Cinco dias após agarrar nos seus próprios genitais ao lado da Rainha de Espanha e de beijar Jenni Hermoso nos lábios na final do Mundial, o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol recusou demitir-se, alegando que está a ser alvo de uma campanha. Na Assembleia Geral Extraordinária da entidade, Rubiales alegou que o estão a “tentar ‘matar’”, garantiu que “vai lutar até ao fim” e renovar contrato com Jorge Vilda, o selecionador, para os próximos cinco anos
Foi um Luis Rubiales no olho do furacão, de um tufão a roçar o caótico, que compareceu na Assembleia Geral Extraordinária com cara serena, trejeitos tranquilos e camisa desgravatada. Era o primeiro a subir ao púlpito para tomar a palavra e falar sobre o que fez noutro palanque, em Sydney, onde beijou Jenni Hermoso nos lábios durante a cerimónia de entrega das medalhas na final do Mundial feminino. E das proporções que tudo tomou, que relativizou, pôs em causa, criticou e embrulhou na garantia que embrulha a sua intervenção desta sexta-feira: “Não me vou demitir!”
Exclamou-o repetida e entusiasticamente enquanto a plateia o aplaudia, de novo. O discurso sem leituras de cábulas ou frase pré-feitas durou cerca de meia hora e Rubiales, antes de pedir desculpas, que as houve, começou por mencionar Jorge Vilda, o selecionador igualmente criticado na antecâmara do Mundial. “Quando, num momento de euforia, agarrei essa parte do corpo que viram [os seus genitais, quando estavam ao lado da Rainha de Espanha]… mas vou explicá-lo enquanto olho para Jorge Vilda. Passámos por muito no último ano, quiseram fazer-te a ti o que agora me querem fazer a mim. Transformar um discurso falso em verdade”, assim estendeu a introdução da sua intervenção plasmada com mais críticas do que perdões, repleta de dedos apontados contra os que alega lhe estarem a ser dedicados.
Depois, o beijo, aquele gesto alvo de críticas de ministros, de um primeiro-ministro, de partidos políticos, de um processo disciplinar da FIFA e de uma vindoura queixa formal no Tribunal Administrativo do Desporto de Espanha, já assegurada pelo Conselho do Desporto. Esse beijo foi “espontâneo, mútuo, eufórico e consentido, e esta é a chave de todas as críticas e do processo que se montou neste país”, queixou-se Luis Rubiales, “de que foi sem consentimento - mas não, foi consentido”. E o dirigente, orando com indignação e laivos de revolta, esgrimiu os seus argumentos, atacou as “falsas feministas”, a imprensa espanhola e uma “campanha que não procura a verdade, nem a justiça”.
A ressaca de outro Mundial em que a Espanha, mais uma vez, trocou a fúria de ir para a frente com tudo pelo toque, tratando a bola com paciência e estima, não deveria ser vivida assim. Em nove edições do torneio mais apetecido, as espanholas tiveram a sua terceira participação e só nesta foram capazes de ultrapassar uma eliminatória, feito inédito ao qual juntaram outro histórico, o mais exuberante que poderia haver. Num dos lugares mais longe de casa onde poderiam estar, em Sydney, elas ganharam o Campeonato do Mundo. Prenunciava-se um rejúbilo festivo, e houve-o, mas foi manchado.
Desde a final do Campeonato do Mundo, no último domingo, o rebuliço tumultuoso provocado por Rubiales ofuscou por completo as celebrações do título, vindo inicialmente não do futebol, mas de fora para dentro. Em Espanha, dois ministros e Pedro Sánchez, o líder do governo, criticaram os gestos do dirigente, o PSOE, o PP e do Sumar seguiram-se e aos partidos políticos acresceu a postura institucional do Conselho Superior do Desporto do país, único órgão que pode aplicar diligências para formalizar uma queixa contra o presidente da federação - já garantira que o fará na segunda-feira, independentemente de qual fosse o desfecho da Assembleia Geral Extraordinária da federação.
“Os atos são inadmissíveis e inaceitáveis. Mesmo que 90% da Assembleia queira a continuidade de Rubiales, isso não me afeta, nem me condiciona (...) Eles aplicam o seu regulamento interno, nós aplicamos a Lei do Desporto”, asseverou, na quinta-feira e em entrevista ao “El País”, Victor Francos, presidente do Conselho Superior do Desporto que vai mesmo enviar uma denúncia ao Tribunal Administrativo do Desporto, se dúvidas restassem. “Acabei de ativar todos os mecanismos ao alcance do Conselho para tomas as medidas oportunas”, revelou já esta sexta-feira, após a Assembleia Geral da federação e à rádio “Cadena Ser”. E disse que a denúncia visa uma “falha muito grave” cometida por Luis Rubiales.
Esse tribunal é a única instituição espanhola que se poderá pronunciar acerca da continuação de Luis Rubiales no caro. Além-fronteiras, a FIFA também dispõe desse poder e poderá chegar a tal ponto se o processo disciplinar que instaurou ao dirigente, na quinta-feira, o julgar culpado de infringir os regulamentos da entidade que manda no futebol internacional. Isto enquanto a UEFA, onde o espanhol é um dos seus vice-presidentes, se mantém em silêncio - não esquecer a candidatura tripartida entre Espanha, Portugal e Marrocos ao Mundial de 2030.
Antes do discurso de Rubiales, fonte da Federação Portuguesa de Futebol dissera à Agência Lusa que o projeto “está acima de quaisquer pessoas ou cargos” e “nada interferirá com a vontade de organizar o melhor Mundial de sempre”.
Eleito em 2018 e com um currículo com outras manchas - demitiu um selecionador (Julen Lopetegui) na véspera do arranque do Campeonato do Mundo e assinou um contrato com a Arábia Saudita para a Supertaça de Espanha ser jogada por lá -, Luis Rubiales mantém-se como líder do futebol do país, exultando com “as muitas mensagens de apoio” que recebeu de “pessoas que ficam silenciadas”. Acabou como começou, a fitar Jorge Vilda e a anunciar ao mundo que vai propor-lhe a renovação do contrato “para os próximos cinco anos” e a ganhar “meio milhão de euros” anuais.
Fechada a intervenção, Iker Casilas escreveu “vergonha alheia”, David de Gea teclou que estava “a sangrar dos ouvidos” e Borja Iglésias anunciou a sua renúncia à seleção masculina “até que as coisas mudem e estes atos não fiquem impunes”. O já retirado jogador, o guarda-redes do Real Madrid e o avançado do Betis foram dos primeiros futebolistas - que detém plataformas e visibilidades maiores do quase todas as jogadoras espanholas - a reagirem à intervenção de Luis Rubiales.
Veremos quem lhes sucederá e o que acontecerá. O que se segue em baixo são excertos do discurso do presidente perante a Assembleia Geral Extraordinária da RFEF.
O gesto na tribuna ao lado da Rainha de Espanha
“Bueno… num momento em que se gerou uma grande expetativa, esta é a ordem que me elegeu e a quem devo dar todas as explicações. Quero agradecer a todas as muitas mensagens e chamadas de apoio que recebi, também de pessoas que não são do futebol. Há muita gente que, apesar de silenciada, me está a apoiar. Quero pedir desculpa, sem paliativos, por um ato que ocorreu no palco. Quando, num momento de euforia, agarrei essa parte do corpo que viram, mas vou explicá-lo enquanto olho para Jorge Vilda. Passámos por muito no último ano, quiseram fazer-te a ti o que agora me querem fazer a mim. Transformar um discurso falso em verdade; passámos por muito, tivemos que aguentar muito, mas continuámos juntos. Emocionei-me muito, a tal ponto de perder o controlo e levar a mão ali, quando a tua primeira reação após ganhar o Mundial foi virares-te para a tribuna e apontares para mim. Desde logo, tenho que pedir desculpa à sua Majestade, a Rainha, à Infanta e à Casa Real porque foi um gesto pouco edificante. As minhas mais sinceras desculpas, nunca me comportei assim em vários palcos. Peço perdão.”
RFEF HANDOUT/Lusa
O beijo a Jenni Hermoso
“A segunda questão, o beijo. Quero dar as minhas explicações e dizer que quem vir o vídeo entenderá que, à frente de 80 mil pessoas e de milhões de forma televisionada, entre as quais as minhas filhas, o desejo que podia ter nesse beijo era o mesmo que podia ter dando um beijo a uma das minhas filhas. Portanto, não há desejo nem posição de domínio, e isso toda a gente compreende. O que está a ser vendido pelos meios de comunicação é outra coisa, é falso feminismo. Foi um beijo espontâneo, mútuo, eufórico e consentido, e esta é a chave de todas as críticas e do processo que se montou neste país, de que foi sem consentimento - não, foi consentido. Esta jogadora falhou um penálti, temos uma grande relação, fomos família durante um mês. Quando apareceu a Jenni, foi ela que me envolveu com os seus braços, abraçámo-nos, aproximou-me do seu corpo e disse-lhe: ‘Esquece o penálti, ganhámos este Mundial’. Ela respondeu ‘és um craque’. Eu perguntei: “Um beijito?” e ela disse “vale”. E deu-me um pequeno beijo.
Depois, começaram todas estas pressões, o silêncio das jogadoras e um comunicado que não entendo. Não se trata de fazer justiça, isso é falso, está a executar-se um assassinato social, estão a tentar ‘matar-me’. Ser campeã do mundo é o maior que há no futebol, lutámos muito por isto, os dirigentes também. Desde há cinco anos que vêm contra mim com tudo, por terra, ar e mar. A igualdade não é diferenciar entre o que diz o homem e a mulher, é diferenciar a verdade da mentira. O falso feminismo não procura a justiça, nem a verdade, e não se preocupa com as pessoas. Tentam ‘matar’ a um homem desde o primeiro momento por esta situação.
Vou exercer ações contra estas pessoas [as que o acusam de denúncias]. As falsas feministas que destroçam as pessoas não felicitaram a ti, Jorge, à tua equipa técnica. Todo o futebol espanhol é campeão do mundo feminino, todos vocês. O falso feminismo, já sabemos como é [Javier] Tebas e os de sempre, grande parte da imprensa deste país também me vai continuar a querer ‘matar’, o que me importa é a verdade e a minha família. Podem seguir com esta campanha de assédio, não é agradável, mas é uma questão de humildade, não de soberba: estou a ser vilipendiado por seguir os meus valore e a minha verdade. O melhor do futebol são vocês, que estão aqui, esta gente que confiou em mim para ser presidente da RFEF. Sou um homem feliz e pleno a fazer o meu trabalho. Esse é o futebol de verdade.”
A garantia de que não se demitirá
“Recebi mensagens de membros desta Assembleia a dizerem para não me demitir, para que tenha força. Já pedi perdão pelo gesto e o assunto do beijo, que foi livre, mútuo e consentido, toca-me pedir perdão também; não estou fora do mundo e não era o momento adequado. Mas acham que justifica isto tudo? Para que peçam a minha demissão? Para que me vá embora? Pois, vou a dizer algo: não me vou demitir! Não me vou demitir! Não me vou demitir! Estamos num país onde a lei impera, tem de haver um motivo para que te tirem do teu lugar, mas o que fiz eu? Um “pico” [o coloquial ‘bate-chapas’] consentido? É isso? Agradeço que, nesse aspeto, estar em Espanha me dá a possibilidade de me poder defender e lutar até ao fim.
A imprensa não procura a verdade. A liberdade de imprensa no nosso país? Quando há determinada imprensa que serve determinados interesses por questões económicas, ou piores, perde-se. Esta campanha não corresponde à verdade nem à justiça, essa é a realidade. Acusaram-me de roubar, de cobrar comissões, de beneficiar a terceiros… Jamais o vão demonstrar porque nunca fiz nada disso. Nunca levei um cêntimo que não fosse meu, nunca beneficiei ninguém, nem utilizei fundos desta instituição de maneira indevida.
Vou continuar a lutar como me ensinaram os meus pais, meus treinadores e os meus companheiros. E vou continuar a ser um homem feliz e pleno. Há muito tempo que trabalho sem férias, além de reconhecer erros, também preciso de descansar. Depois desta Assembleia vou descansar uns dias com a minha família e espero poder reconectar, que se continue a fazer justiça. Aqui está a verdade do que sucedeu, as pessoas de bem sabem perfeitamente. Estas foram as minhas explicações, muito obrigado.”
A renovação com Jorge Vilda
“Quero fazer um anúncio aqui que não sabes, Jorge: ativei os mecanismos para que comecemos uma negociação contigo para que fiques connosco nos próximos quatro anos e recebas meio milhão de euros por ano. Mereces, Jorge, passámos por muito, muito. Sempre disse que eras dos melhores treinadores do mundo, no futebol feminino acho que és o melhor. Muita gente dizia que cobravas já meio milhão, mas não, eram 170 ou 160 mil euros, não me recordo exatamente.”
A candidatura ao Mundial de 2030, com Portugal
“Temos a possibilidade de organizar rum Mundial em 2030, quero agradecer ao Fernando Gomes da FPF, e ao presidente da federação de Marrocos, porque temos muitas hipóteses de trazer esse Mundial e criar postos de trabalho e com toda a dimensão positivo que traria. Humildemente vos digo que também terei algo a ver com isso.”