E vão nove dias de um novelesco guião a ser interpretado pelo futebol espanhol desde a histórica conquista do Mundial feminino, que deveria ser causa de farra e festa, não de polémica engordada a cada despertar do sol. Esta segunda-feira, a refeição servida pelo almoço foi uma esquizofrenia aparentemente empratada no umbigo de quem estará a tentar fugir para a frente: a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) enviou uma carta à UEFA com uma queixa por suposta intervenção do governo do país, pedido a quem manda no futebol europeu que atue, em castigo. E qual seria? No limite, a proibição de clubes e seleções espanhóis de participarem nas provas europeias.
Ou seja, para usufruir de um possível e pequeno atestado à sua razão, Andreu Camps, secretário-geral da federação liderada, até sábado, por Luis Rubiales, de quem é visto como um braço-direito, formalizou essa queixa por uma coisa que, na prática, nem chegou a verificar-se: as únicas diligências oficiais vieram do Ministério Público, que abriu um processo para averiguar se o beijo não consentido de Luis Rubiales, já suspenso preventivamente pela FIFA, nos lábios de Jenni Hermoso constitui uma agressão sexual.
Também esta segunda-feira, os sete membros do Tribunal Administrativo do Desporto reuniu para decidir se o dirigente cometeu uma violação “muito grave” da Lei do Desporto do país, assim denunciada por quatro queixas feitas no Conselho Superior do Desporto, o órgão que poderá aplicar outra suspensão a Rubiales caso o tribunal assim o determine. Tudo está previsto nos regulamentos de cada uma destas instituições, sendo impossível, legalmente, que o governo espanhol decida, de forma direta, sobre a RFEF e o seu presidente. O que se leu e ouviu, por exemplo, da parte de Yolanda Díaz, vice-presidente do executivo, ou de Miquel Iceta, ministro do Desporto, foram opiniões de que Rubiales não deveria prosseguir no cargo.
Ser a própria federação espanhola a denunciar o governo por suposto “intervencionismo”, assim catalogado pela rádio “Onde Cero” ou o jornal “El País”, que as regras da UEFA proíbem e logo sujeitando-se a que a entidade aplicasse as sanções previstas, é quase uma cobra a morder a própria cauda. No limite, o Real Madrid, o Barcelona e o Atlético de Madrid poderiam ser impedidos de competir nesta Liga dos Campeões, ou Espanha barrada de participar na qualificação para o Europeu de 2024. Mas, pensando sobre o insólito do pedido, a organização optou por nada fazer.
Liderada por Aleksander Ceferin, apoiante vocal e público da candidatura tripartida por Espanha, Portugal e Marrocos a acolher o Mundial de 2030, a UEFA tem preferido o silêncio perante esta tempestade. Escreve o jornal “The Independent” que os dirigentes da entidade espantaram-se com o pedido “absurdo” da RFEF em pedir a própria expulsão por violação dos estatutos e que nem se vão pronunciar oficialmente sobre a queixa. O diário “Marca” explica, também, que a suspensão provisória de três meses aplicada pela FIFA a Luis Rubiales, pelos atos por ele cometidos no final do Mundial feminino, o impede de exercer qualquer função no futebol durante esse período, não estando, portanto, no ativo como vice-presidente da UEFA.
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