De entre as mil e uma imagens da final do Mundial feminino, mas das positivas, de festa e alegre emoção, houve uma em que as futebolistas da seleção espanhola se encavalitaram em cima de Alexia Putellas, tombada na relva, corpos amontoados sobre ela. Viram-se risos misturados com lágrimas, abraços apertados. As jogadoras cercarem, com carinho, a factualmente melhor de entre elas nos últimos dois anos foi das primeiras comunhões de felicidade vistas após se ouvir o último apito em Sydney, na Austrália, terra de um sinal para fora.
Afagarem a uma das suas capitãs sem braçadeira era simbólico. Após quase um ano sem jogar, parada por uma lesão no joelho, Putellas era uma das líderes da seleção cujo braço era apertado por essa distinção antes da revolta de ‘Las 15’, em setembro de 2023, quando um grupo renunciou a ser convocado enquanto não vissem mudanças na equipa técnica e nos hábitos da federação. Lesionada, Alexia não subscreveu a revolta no papel, mas apoiou-a publicamente, atravessando-se pela causa em discussões com Luis Rubiales e Jorge Vilda.
A luta mais nas sombras do que na ribalta das luzes valeu-lhe a perda da braçadeira e de estatuto na estima do selecionador enquanto as companheiras de seleção a viam tentar regressar, com soluços, à melhor forma para ser capaz de render no Mundial. Em campo, ‘La Reina’, como lhe chamam, jogou secundariamente e sem ritmo. Na final, só apareceu aos 90’ e apenas jogou um quarto de hora porque os descontos foram generosamente obesos. Mas, quando o vulcão da polémica espirrou, Alexia Putellas liderou a erupção pública das futebolistas contra a reação de Luis Rubiales às críticas ao seu agarrar dos próprios genitais e ao beijo não consentido na boca de Jenni Hermoso. “Isto é inaceitável. Acabou-se. Contigo companheira Jenni Hermoso”, escreveu no Twitter, mostrando o caminho.
Antes calada durante as celebrações das jogadoras da seleção com os adeptos, nas ruas de Madrid, em silêncio se manteve depois de quase inaugurar um movimento ‘SeAcabó’ contra o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), entretanto suspenso preventivamente pela FIFA e alvo de um consenso dos líderes das 14 associações regionais de futebol espanholas para que se demita - até esta quarta-feira. Noutras latitudes e longe, no México, por onde viaja a equipa feminina do Barcelona em digressão de pré-época, Alexia Putellas voltou a falar.
Em entrevista ao “TUDN”, um canal de televisão mexicano, a jogadora explicou os porquês de as campeãs mundiais se terem unido na luta que tem ofuscado a épica proeza da seleção espanhola. “Acho que o tema é todas querermos o mesmo e que haja respeito com a nossa profissão”, resumiu Putellas, centrando o motivo que as move: “Simplesmente, lutamos por isso.” A médio do Barcelona identificou “a união” como “o primeiro passo” para terem algo que “sempre houve durante tantos anos, e ainda há, em relação ao futebol masculino”, onde os futebolistas não se têm de ralar com tarefas que não lhes competem.
Mas, porque são mulheres e escolheram jogar futebol, Alexia Putellas retratou de onde vem esta luta. “À minha geração tocou exercer outros papéis e um dos legados que queremos deixar é que as futebolistas que vierem a seguir não se tenham de preocupar com estas coisas”, argumentou ao “TUDN”, sentada num banco e equipada com as vestes de treino do Barcelona. “Afinal, é energia que dedicas a outras coisas que, realmente, não fazem parte do trabalho, que está dentro do campo, que deve ser 24 horas e sete dias por semana ser futebolista. Não a investir tempo - não vou dizer gastar - em reuniões, em conseguir melhores intraestruturas e facilidades que ajudem a fazeres bem o teu trabalho”, prosseguiu, assertiva e sem sorrisos.
O canal mexicano disponibilizou apenas um vídeo, com pouco mais de três minutos, que aparenta ser o final da entrevista, no qual a futebolista abordou a polémica gerada desde a final do Mundial. Se não o foi, Alexia Putellas só terá respondido então a uma questão. “Necessitamos que haja instituições e representantes que lutem por nós para que estejamos centradas no que gostamos. E merecemos”, disse ainda. Esse centro das atenções deveria ser, simplesmente, jogar futebol. Na último semana, o foco tem estado em comunicados de imprensa conjuntos, reações concertadas nas redes sociais e demonstrações públicas de apoio a Jenni Hermoso, por exemplo.
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