Federação espanhola despede Jorge Vilda, que já não é treinador da seleção feminina

Apesar do título mundial, Jorge Vilda era há muito criticado pelas jogadoras e sai na sequência da renovação que a RFEF está a promover depois do caso Rubiales
Apesar do título mundial, Jorge Vilda era há muito criticado pelas jogadoras e sai na sequência da renovação que a RFEF está a promover depois do caso Rubiales
Jornalista
Primeiro sozinho e agora despedido. Jorge Vilda já não é treinador da seleção espanhola, uma saída confirmada esta terça-feira pela Real Federação Espanhola de Futebol e que se segue ao pedido de desculpas feito em nome da instituição pelo agora presidente em funções, Pedro Rocha, que lamentou enorme dano “causado ao futebol espanhol, ao desporto espanhol, à sociedade espanhola e ao conjunto de valores do futebol e do desporto”, na sequência do caso Rubiales e do beijo não consentido que o agora suspenso líder da RFEF deu à jogadora Jenni Hermoso após a conquista inédita do Mundial feminino, a 20 de agosto.
Em comunicado, muito elogioso para com o agora ex-selecionador, a RFEF fala apenas em “renovação” e agradece “o trabalho à frente da selecão e nas suas funções como máximo responsável desportivos das seleções femininas, assim como os êxitos conseguidos durante a sua etapa, coroados com a recente conquista do Mundial”.
A federação fala ainda de “uma inatacável conduta pessoal e desportiva” sendo “peça chave no notável crescimento do futebol feminino em Espanha”. Durante a sua etapa como selecionador, a RFEF diz que Vilda foi um “promotor dos valores de respeito e desportivismo no futebol”.
Palavras que não deverão colher grande concórdia no futebol feminino espanhol. A saída de Jorge Vilda era esperada, depois de dezenas de atletas, incluindo as campeãs mundiais, terem renunciado à seleção e todo o corpo técnico que o rodeava ter apresentado a demissão depois de Rubiales não se demitir na já famosa Assembleia Geral Extraordinária, em que se insurgiu contra o “falso feminismo” e afirmou estar a ser vítima de uma caça. Foi posteriormente suspenso de forma provisória pela FIFA.
Vilda foi um dos elementos que na primeira fila aplaudiu Rubiales, que até ofereceu ao selecionador, de forma surpreendente e em pleno discurso, uma renovação de contrato por mais quatro anos, a ganhar 500 mil euros por temporada. No dia seguinte, Vilda afirmou condenar “sem paliativos qualquer atitude machista”, mas a má relação que já mantinha com boa parte das jogadoras, ainda antes do Mundial, tornou insustentável a situação para o técnico de 42 anos.
Termina assim a ligação de oito anos de Vilda à seleção principal, depois de ter liderado também as equipas de sub-17 e sub-19. Em 2015, fez parte da renovação que levou à demissão de Ignacio Quereda, selecionador feminino durante 27 anos. Quereda saiu após um desastroso Mundial de 2015, com as jogadoras a culparem o treinador pela sua fraca preparação. Anos mais tarde, sob o antigo selecionador recaíram também acusações de sexismo, homofobia, humilhações e violência psicológica.
A chegada de Jorge Vilda pressupunha uma lufada de ar fresco, mas os resultados pouco animadores de uma seleção espanhola em crescimento (caíram no primeiro jogo a eliminar tanto no Euro 2017 como no Mundial de 2019 e Euro 2022) levaram 15 futebolistas a renunciar à seleção espanhola no verão de 2022. Todas assinaram o mesmo e-mail, enviado à federação, em que sublinharam que os treinos da equipa estavam descontextualizados, longe do que se exigia ao mais alto nível, dados por um treinador sem experiência, que tinha chegado à federação pela mão do pai.
Criticava-se ainda a “má preparação e estudo” de adversárias e a “falta de empatia ou auto-crítica”. Ou “a falta de respeito pelos tempos de recuperação” de lesões, com atletas forçadas a voltarem aos relvados antes do que deviam".
Entre elas estavam Aitana Bonmatí, Mariona Caldentey, Patri Guijarro ou Mapi León. Apesar de não assinarem o e-mail, as capitãs Irene Paredes, Alexia Putellas ou Jenni Hermoso apoiaram publicamente as colegas.
Ao “El Pais”, de forma anónima, várias jogadoras já retiradas ou ainda em atividade, criticaram fortemente o selecionador. “Para as que tiverem Quereda, a presença de Vilda era uma grande mudança. Não é má pessoa, mas de futebol não sabe muito”, explicou ao diário uma das veteranas. Já entre as gerações mais novas, as palavras eram ainda mais fortes, com jogadoras a acusarem inclusivamente o treinador de obrigá-las a dormir de porta aberta durante as concentrações. Vilda entraria nos quartos das jogadoras para controlar se estavam a dormir. “Inseguro” ou “manipulador” foram adjetivos apontados a Vilda por um antigo membro da sua equipa técnica, também ao “El Pais”. Uma jogadora disse mesmo ao jornal que eram elas próprias que preparavam os jogos, já que não confiavam na estratégia e nos treinos de Vilda.
A reação da RFEF, e mais concretamente de Rubiales, passou por acusar as futebolistas de caprichosas e de apoio total ao selecionador nacional, que falou inclusive em “farsa” das quinze amotinadas. Nos meses que se seguiram, várias das jogadoras voltaram à seleção nacional. Aitana Bonmatí, figura maior de Espanha no Mundial, foi uma delas, sublinhando que algumas das mudanças pedidas pelas jogadoras foram atendidas. Mas jogadoras importantes como Patri Guijarro ou Mapi León não voltaram atrás, falhando mesmo o Mundial.
Durante o Mundial, o ambiente foi de guerra fria, de “casamento de conveniência”, que terminou na página mais gloriosa do futebol feminino espanhol. Algo que, depois do comportamento de Luis Rubiales, já quase ninguém se recorda.
A RFEF decide então limpar a casa, numa tentativa de acalmar os ânimos. Jorge Vilda sai da federação também como duplo vencedor do Euro sub-17 e uma vez campeão do Euro sub-19 e com muitos elogios dos responsáveis federativos. “A RFEF fica com um extraordinário legado desportivo graças à implementação de um modelo de jogo reconhecido e de uma metodologia que foi motor de crescimento para todas as categorias femininas da seleção”.
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