Futebol feminino

Jorge Vilda considera “injusto” e “inesperado” o despedimento 16 dias depois de ganhar o Mundial

Jorge Vilda considera “injusto” e “inesperado” o despedimento 16 dias depois de ganhar o Mundial
DeFodi Images

O ex-selecionador espanhol deu uma entrevista à Cadena Ser onde, além de abordar o caso Jennifer Hermoso e de avaliar a sua sucessora, revelou que antes da reunião que culminaria no seu despedimento teve uma pequena esperança de continuar no cargo. Sobre os aplausos ao discurso de Luis Rubiales, que salpicaram ainda mais a sua imagem, disse: “Quando 150 pessoas aplaudem à tua volta, é muito difícil ser o único que não aplaude”

O ex-selecionador espanhol, despedido na terça-feira pela nova direção da federação espanhola, esteve na rádio Cadena Ser para reagir aos episódios que marcaram os últimos tempos da seleção espanhol, que ganhou o Campeonato do Mundo na Nova Zelândia e na Austrália.

“Estou bem na medida que se pode estar depois de termos sido campeãs do mundo há 16 dias, de há 10 dias ter renovado por cinco anos com uma remuneração maior e depois de ser despedido, creio, injustamente”, disse no programa “El Larguero”.

Jorge Vilda, de 42 anos, substituiu Ignacio Quereda em 2015, um homem que esteve no cargo durante 27 anos (desde 1988, altura em que foi fundada a seleção), acusado também por algumas jogadoras de “condescendente” e de levar a cabo um método de trabalho “arcaico” – chegou a dizer a uma jogadora que ela “precisava de um macho”. Vilda subiu dos sub-19, onde curiosamente substituiu o pai, tendo chegado, pouco antes promoção, à final do Europeu da categoria, na qual caiu contra a Suécia.

Na entrevista a Manu Carreño, na Cadena Ser, Vilda disse que seria impossível terem sido campeãs do mundo se não houvesse um grupo coeso. “Creio que havia um bom feeling”, admitiu.

O agora ex-selecionador revelou que o seu despedimento aconteceu durante uma reunião breve com Pedro Rocha, o presidente da federação interino que assinou, na terça-feira, um documento com um pedido de desculpas ao mundo do futebol e às jogadoras.

“A explicação [para a decisão] foi ‘mudanças estruturais’”, esclareceu Vilda. “Depois de 17 anos no futebol feminino e de tudo o que consegui, depois de deixar a pele como mais um trabalhador… tenho a consciência tranquila porque dei 100% todos os dias”, garantiu o treinador, acrescentando que não entendia a decisão, que considerou “injusta” e “inesperada”. O treinador admitiu ainda que foi para a reunião com uma pequena esperança de continuar, imaginando-se a disputar a Liga das Nações e os Jogos Olímpicos.

Marc Atkins

Outro dos temas prendeu-se com aquele fatídico vídeo em que, durante o discurso de Rubiales em que prometia não se demitir, tanto Vilda como o selecionador da equipa masculina, Luis de la Fuente, aplaudiram o dirigente. “Jamais aplaudirei algo machista”, disse no programa de rádio, admitindo que não sabia bem o que ia acontecer na assembleia em causa, suspeitando até que haveria uma demissão.

Então, o que visaram as suas palmas? “O presidente está a valorizar o teu trabalho e anuncia a tua renovação, isso também aplaudi. Também aplaudo a gestão de Rubiales no futebol feminino, com um orçamento que se multiplicou por quatro. O resto… quando 150 pessoas aplaudem à tua volta, é muito difícil ser o único que não aplaude”, explicou.

Inevitavelmente, as perguntas e as respostas viajaram também até ao tema Jennifer Hermoso, a futebolista do Pachuca beijada por Rubiales depois da final do Campeonato do Mundo. “Conheço a Jenni há 16 anos”, começou por dizer Vilda. “Sei que está a passar mal. Está à espera que isto tudo passe e que se esqueça.” O técnico admitiu que não falou com a jogadora espanhola desde então e revelou que as imagens do beijo o surpreenderam.

A história da ruptura

O ar ficou irrespirável durante o Europeu no verão passado. A Espanha caiu contra a Inglaterra e as futebolistas ficaram com um sabor amargo na boca. Achavam que faltava profissionalismo à federação, mas também consideram que faltava ambição ao treinador, consideravam que ele não as preparava bem, que havia até uma eventual sobrecarga física que levava a lesões, que a tática não servia, que não estava à altura da melhor geração de sempre do futebol feminino espanhol.

Por outro lado, na imprensa foram surgindo também acusações de que Jorge Vilda era controlador e até ditatorial, obrigando as jogadoras a deixarem as portas do hotel abertas para ele ir fazer um último check, o que as jogadoras consideravam que afetava o seu descanso e atentava contra a sua intimidade. Até quando iam às compras, denunciaram algumas atletas nos jornais nacionais, o treinador queria revistar as malas delas, assim como saber com quem iam tomar café. A vigilância excessiva, acusaram em surdina, perturbou-as e inibiu-as.

Maja Hitij - FIFA

Com o passar do tempo, a corda foi ficando mais fina. O balneário foi perdendo a cola, dividiram-se grupos, transferindo esse calor para os normalmente amenos Barcelona-Real Madrid, reeditando um drama vivido no futebol masculino durante os reinados de Pep Guardiola e José Mourinho nos principais bancos do futebol daquele país. Depois, 15 jogadoras bateram com a porta, pediram para não serem convocadas, declarando que o ambiente na seleção lhes afetava o seu “estado emocional e a saúde”

Vilda defendeu a equipa técnica. Deu-se conta de que estava magoado e aborrecido. E desde cedo avisou: “As funções das jogadoras estão bem claras. Vamos procurar jogadoras 100% comprometidas e que remem 100% a nosso favor”. A declaração do técnico teve o respaldo de Luis Rubiales, o presidente da federação que caiu em desgraça depois de um beijo indesejado em Jennifer Hermoso, durante a cerimónia de entrega da taça na final do Campeonato do Mundo.

Na entrevista já referida ao “El Larguero”, na terça-feira, Vilda continuou a defender-se desse movimento das 15: “Não houve ninguém com nomes e apelidos que tenha dito ‘o Jorge fez isto’. Até aqui, ninguém o fez, absolutamente ninguém. Levo 17 anos a lutar pelo futebol feminino, pelos valores de respeito, igualdade e trabalho em equipa… e não mudei”. Resta referir que algumas das 15 jogadoras regressaram à seleção e disputaram o Mundial, onde, admitiram algumas jogadoras, foram observadas melhorias no que haviam criticado.

Montse Tomé, a sucessora

No dia 26 de agosto liderou a lista de assinaturas de um comunicado que condenava o comportamento de Luis Rubiales, colocando o lugar à disposição, algo que se estendeu a toda a equipa técnica, com exceção para o selecionador. Montse Tomé, de 41 anos, apesar de ter acompanhado Jorge Vilda nos últimos cinco anos, foi a escolhida para o substituir, tornando-se a primeira mulher a dirigir a seleção de Espanha.

“A nomeação de Tomé responde às medidas de regeneração anunciadas pelo presidente Pedro Rocha”, dava conta a federação no anúncio da nova selecionadora do país.

SAEED KHAN

A nova líder da La Roja nasceu em Oviedo, onde foi jogadora, passando também por Barcelona e Levante, num tempo em que o futebol espanhol não era profissional. Jogou quatro vezes pela seleção A espanhola e 16 com a sub-18.

De acordo com um perfil publicado nas páginas do “El País”, escrito em junho de 2019, Montse Tomé é discreta e silenciosa, tratando sobretudo da análise dos rivais e do planeamento dos treinos, um trabalho que chegou a dividir com outras seleções de base.

Segundo o mesmo diário, algumas jogadoras do atual elenco não aprovam esta sucessão, já que entendem que se mantém a linha de Vilda, mas há quem aprecie o trabalho de Montse Tomé, até porque queriam uma mulher a liderá-las, algo que já haviam revelado quando, na altura do choque entre as 15 jogadoras e a federação, sugeriram a nomeação de Natalia Arroyo, a treinadora da Real Sociedad. Rubiales não cedeu.

“É muito merecido para a Montse Tomé, dei-lhe os parabéns”, confessou Jorge Vilda, na entrevista à Cadena Ser. “Creio que tem capacidade para fazer o trabalho muito bem. Foi escolhida por mim para integrar a equipa técnica. Para além disso, tem uma equipa redonda. O maior legado que posso deixar é o estilo de jogo reconhecível, a metodologia, o poder jogar desta maneira. Assim fica tudo e que ela o aproveite. Está preparada e vai fazê-lo bem.”

A seleção espanhola, as senhoras campeãs do mundo, voltam a jogar em 22 e 26 de setembro, contra a Suécia e Suíça, em jogos a contar para a Liga das Nações.

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