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Futebol feminino

Em Berlim, um clube faz as coisas de outra maneira: fundado por mulheres, só tem futebol feminino e gere-se como uma startup

Em Berlim, um clube faz as coisas de outra maneira: fundado por mulheres, só tem futebol feminino e gere-se como uma startup
Kai Heuser/Viktoria Berlin
Em 2022, seis mulheres compraram a equipa feminina do Viktoria Berlin, separando-a do clube-mãe com a ajuda de capital privado. Ainda está na 3.ª divisão da Alemanha, mas, contrariando a tradição de no país os sócios serem os donos dos clubes, já conta hoje com cerca de 200 investidores e quer mudar o futebol, não só no seu país. Ariane Hingst, antiga bicampeã do mundo, é quem trata da parte desportiva do projeto e, de visita ao Porto para a Thinking Football Summit, explicou à Tribuna Expresso que a intenção maior do projeto é “mostrar que há outra maneira de atuar no futebol”, com transparência total e sem segredos

Ariane Hingst não quer ser desrespeitosa. Interrompe o discurso e pausa por um instante, deixa de fitar o vazio do chão e greta um pouco mais os olhos rasgados, coloca a ênfase num sorriso. Pinta bonança na cara antes de trazer tempestade nas palavras. “Em países como Portugal, Espanha e Itália”, lamenta, “há um choque de culturas e vejo que se pensa mais que o futebol é uma modalidade para homens que as mulheres podem jogar, sim, mas que será sempre um mundo para homens”. De cabelo a ameaçar o grisalho, cortado curto como nos tempos em que jogava, Ariane não hesitou por duvidar do que diz, antes por cortesia. Ela sabe que está certa.

Se cingida apenas a uma comparação superficial com Portugal, a antiga jogadora nem se poderá queixar: nasceu na Alemanha, vencedora de dois Mundiais seguidos, em 2003 e 2007, a par das nove Liga dos Campeões entre as 23 edições da competição já disputadas. Se a pessoalizarmos, a medição é ainda mais lisonjeira para Ariane Hingst, que ora jogava a defesa central ou a médio defensivo na seleção germânica que conquistou o par de Campeonatos do Mundo e no Turbine Potsdam, em 2005, quando o clube se agarrou ao troféu orelhudo mais cobiçado do futebol europeu. Esse feito em específico, quando jogava pela equipa outrora reinante na Alemanha, entrelaça-se com os porquês do projeto em que ela se envolveu.

O Turbine era de Berlim por estar próximo de Berlim, não necessariamente por ser da capital - Potsdam fica na periferia - e até regressou esta época à Bundesliga feminina, mas há décadas que um clube mesmo da cidade não joga na principal divisão das mulheres. O último foi o Tennis Borussia. Em 2022, cansadas desta orfandade, seis mulheres juntaram-se e compraram a equipa feminina do Viktoria Berlin, retirando-a da alçada do clube-mãe para a gerirem à parte, como um clube independente. Entre elas, há quem se dedique à gestão, outra especializada em marketing, alguma que toma conta da parte do branding. Ariane Hingst ficou com o projeto desportivo.

À falta de provas, é o primeiro clube fundado e gerido só por mulheres na Europa. Nos primeiros tempos houve comichões vindas de fora, da alergia dos alemães a investimento privado a entrar no futebol: no país, salvo as raras exceções permitidas ao Bayer Leverkusen, Wolfsburgo e Hoffenheim, impera a regra ‘50+1’ que impõe aos clubes que os sócios sejam donos da maioria das ações. “Gerimos o nosso clube quase como se fosse uma startup: tivemos investidores de fora a entrarem no capital e a Alemanha não aprecia muito esta ideia. Tentámos fazer várias coisas de forma diferente para mostrarmos que há outra maneira de atuar no futebol”, introduz Ariane, no Porto, dentro do Pavilhão Rosa Mota onde decorreu a ‘Thinking Football Summit’.

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