Futebol internacional

O belo e o monstro

Tão ini... amigos que eles são. Pep Guardiola e José Mourinho, dois dos melhores treinadores da história do futebol
Tão ini... amigos que eles são. Pep Guardiola e José Mourinho, dois dos melhores treinadores da história do futebol
Michael Steele/Getty

Não é um romance, mas um duelo de "gémeos" (leia mais abaixo para perceber porquê): este domingo (16h30, SportTV3), há dérbi de Manchester entre o United do "defensivo" José Mourinho, 2º classificado com 35 pontos, e o City do "ofensivo" Pep Guardiola, líder com 43 pontos em 15 jogos

O belo e o monstro

Mariana Cabral

Jornalista

Imaginemos que uma equipa termina um campeonato com 100 pontos conquistados, 121 golos marcados, 32 vitórias em 38 jogos (mais quatro empates e apenas duas derrotas) e é campeã. Esta equipa, chamemos-lhe, sei lá, Real Madrid, será treinada por um treinador defensivo?

O ex-internacional inglês Gary Lineker, agora apresentador/comentador, ajuda a responder: "Acho que as pessoas devem ser mais cuidadosas quando se põem a criticar o estilo do Mourinho, que tem sido tão bem-sucedido. Não o descreveria como um treinador negativo. Na verdade diria que é um treinador muitíssimo sensato - sabe que vai conseguir resultados e sabe como ganhar muitos pontos."

Ou seja, respondendo à questão anterior: não... e sim. Aquele Real Madrid de José Mourinho, em 2011/12, bateu recordes na Liga espanhola, frente ao (super) Barcelona de Pep Guardiola (e Lionel Messi, que inclina qualquer campo de jogo) e, esta época, na Liga inglesa, o United não está assim tão longe do City, pelo menos no que diz respeito aos números mais simples: tem 35 golos marcados (o City tem 46) e nove golos sofridos (o City tem 10).

Voltando a Lineker: "Não podemos dizer que Pep é o belo e José é o monstro. Isso seria cruel e injusto. O United agora é uma equipa de José, muito bem organizada, a quem é muito difícil marcar golos, que cansa os adversários e que tem um registo caseiro incrível. É ótimo ver futebol fluido e ofensivo, a tentar enganar e marcar mais do que o adversário. Mas é bom que haja diferentes estilos."

O duelo Pep vs Mou joga-se em inglês desde 2016/17, época em que ambos chegaram ao Manchester City e ao Manchester United, respetivamente
Alex Livesey/Getty

Esta tarde, em Old Trafford - onde o United não perde há 40 jogos - haverá de facto um duelo de estilos bem diferentes. Não, Mourinho não é um treinador defensivo, per se - não era isso que dizia no início da carreira sobre o jogo (antes precisamente o oposto), não foi isso que aprendeu em Barcelona, não foi isso que experimentou no Benfica, não foi isso que pôs em prática em Leiria, não foi isso que o fez ganhar tudo no FC Porto e não foi isso que o tornou especial no Chelsea.

Mas foi isso que ele levou de Itália, culminando naquele célebre jogo de 2009/10 em que o Inter aguentou estoicamente uma derrota em Camp Nou, por 1-0, com apenas 10 jogadores e sem efetuar qualquer remate, para conseguir a passagem à final da Liga dos Campeões.

“Era muito fundamentalista quando era mais novo, agora sou mais pragmático, mais estratégico e menos arrogante", admitiu Mourinho à Tribuna Expresso, em junho. "Quando cheguei ao Inter, apercebi-me da contradição entre as ideias que tinha e a equipa que tinha para fazê-lo. Os defesas eram trintões (Materazzi, Córdoba, Lúcio) e ninguém queria jogar com um bloco alto, com espaço nas costas, como jogava no FC Porto e no Chelsea. Tentei, tentei, mas não consegui. Teve de ser um bloco baixo”, recordou. “Aí, ou és fundamentalista ou tentas adaptar-te."

José Mourinho na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa, a dar uma aula aos alunos da pós-graduação High Performance Football Coaching
Nuno Botelho

É aqui que reside a diferença essencial entre Mourinho e Guardiola. Enquanto o português se adaptou e adapta frequentemente a sua equipa - "acho que todas as equipas são melhores quando se adaptam" -, o espanhol implementa a sua forma de jogar característica por onde passa - e tem mostrado que mesmo em Inglaterra um futebol baseado na posse da bola e na associação com os colegas pode funcionar em pleno (como costumam questionar os ingleses: sim, ele consegue fazê-lo mesmo numa noite fria e chuvosa em Stoke).

Ambos os treinadores querem controlar os respetivos jogos, mas fazem-no sob perspetivas claramente antagónicas: Guardiola quer ter a bola sempre que possível, para conseguir desorganizar o adversário e criar espaço para ter o maior número de oportunidades de golo; Mourinho quer, primeiro, negar ao adversário espaço para criar oportunidades e só depois procurar infligir-lhe golpes certeiros (especialmente nos jogos grandes, como fez com o Tottenham e com o Arsenal - venceu ambos).

As estratégias podem ser diferentes, mas o objetivo é igual: ganhar. "Nisso, somos gémeos", admitiu Guardiola, na antevisão do dérbi. "Queremos ganhar troféus. Acho que o Antonio Conte [treinador do Chelsea], o Jürgen [Klopp, treinador do Liverpool] e o Mauricio [Pochettino, treinador do Tottenham] são assim também", acrescentou o treinador espanhol.

Pep Guardiola treina o Manchester City desde 2016/17
Clive Brunskill/Getty

Neste momento, quem anda a ganhar mais é o City, que já leva 13 vitórias consecutivas na Premier League - será um recorde nacional caso chegue aos 14 - e lidera a tabela com 43 pontos em 15 jogos. Mas o United, 2º classificado, tem de ganhar este jogo decisivo, porque vai com oito pontos de atraso em relação ao rival - em caso de derrota, a margem é praticamente irrecuperável.

"Não sabemos o que pode acontecer. Há muitas coisas que não podem ser controladas. Somos melhor equipa do que no ano passado e o City também. Podemos vencer a Premier League, mas há outras equipas que podem ser campeãs", disse Mourinho, na antevisão do jogo, menosprezando um dos pontos fracos do City: a defesa das bolas paradas, especialmente devido à estatura da maioria dos seus jogadores. "Acho que o duelo com o Mata vai ser simples para o Kompany", gracejou.

Mas a verdade é que é aí que o United pode infligir mais danos no City, com as "torres" Lukaku, Fellaini e Matic (Pogba está suspenso), por exemplo. Contra o Southampton, a equipa de Guardiola sofreu um golo num canto - e podia ter sofrido bem mais. Mas Guardiola não está preocupado. "Até agora não nos podemos queixar em termos de resultados e especialmente em termos da nossa forma de jogar. Basta verem as estatísticas de cada jogo, além da forma como jogamos: somos melhores em criação de oportunidades de golo, em posse de bola e em oportunidades concedidas ao adversário", disse.

"Mas o United também é fantástico nisso. Quando as estatísticas lhes são favoráveis, ganham, e, quando não são, conseguem ganhar na mesma, como ganharam no Emirates, um dos estádios mais difíceis, por 3-1. Concederam 33 remates ao Arsenal, mas ganharam 3-1. Poucas equipas no mundo conseguem fazer isso. Por isso é que temos de ter cuidado. Podemos controlar o jogo, podemos jogar bem, mas eles também sabem ganhar", acrescentou Guardiola, que rejeitou a dicotomia simples "ofensivo/defensivo".

"Nunca critico os meus colegas pela forma como jogam. Nunca o fiz no passado, não irei fazê-lo. O futebol é magnífico precisamente por causa disso, porque cada treinador tem a sua maneira de querer jogar. Há diferentes formas de apreciar o futebol. É tão simples quanto isso." Domingo, às 16h30, cada adepto apreciará aquela que preferir.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: mmcabral@expresso.impresa.pt