Tão ini... amigos que eles são. Pep Guardiola e José Mourinho, dois dos melhores treinadores da história do futebol
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Não é um romance, mas um duelo de "gémeos" (leia mais abaixo para perceber porquê): este domingo (16h30, SportTV3), há dérbi de Manchester entre o United do "defensivo" José Mourinho, 2º classificado com 35 pontos, e o City do "ofensivo" Pep Guardiola, líder com 43 pontos em 15 jogos
Imaginemos que uma equipa termina um campeonato com 100 pontos conquistados, 121 golos marcados, 32 vitórias em 38 jogos (mais quatro empates e apenas duas derrotas) e é campeã. Esta equipa, chamemos-lhe, sei lá, Real Madrid, será treinada por um treinador defensivo?
O ex-internacional inglês Gary Lineker, agora apresentador/comentador, ajuda a responder: "Acho que as pessoas devem ser mais cuidadosas quando se põem a criticar o estilo do Mourinho, que tem sido tão bem-sucedido. Não o descreveria como um treinador negativo. Na verdade diria que é um treinador muitíssimo sensato - sabe que vai conseguir resultados e sabe como ganhar muitos pontos."
Ou seja, respondendo à questão anterior: não... e sim. Aquele Real Madrid de José Mourinho, em 2011/12, bateu recordes na Liga espanhola, frente ao (super) Barcelona de Pep Guardiola (e Lionel Messi, que inclina qualquer campo de jogo) e, esta época, na Liga inglesa, o United não está assim tão longe do City, pelo menos no que diz respeito aos números mais simples: tem 35 golos marcados (o City tem 46) e nove golos sofridos (o City tem 10).
Voltando a Lineker: "Não podemos dizer que Pep é o belo e José é o monstro. Isso seria cruel e injusto. O United agora é uma equipa de José, muito bem organizada, a quem é muito difícil marcar golos, que cansa os adversários e que tem um registo caseiro incrível. É ótimo ver futebol fluido e ofensivo, a tentar enganar e marcar mais do que o adversário. Mas é bom que haja diferentes estilos."
O duelo Pep vs Mou joga-se em inglês desde 2016/17, época em que ambos chegaram ao Manchester City e ao Manchester United, respetivamente
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Esta tarde, em Old Trafford - onde o United não perde há 40 jogos - haverá de facto um duelo de estilos bem diferentes. Não, Mourinho não é um treinador defensivo, per se - não era isso que dizia no início da carreira sobre o jogo (antes precisamente o oposto), não foi isso que aprendeu em Barcelona, não foi isso que experimentou no Benfica, não foi isso que pôs em prática em Leiria, não foi isso que o fez ganhar tudo no FC Porto e não foi isso que o tornou especial no Chelsea.
Mas foi isso que ele levou de Itália, culminando naquele célebre jogo de 2009/10 em que o Inter aguentou estoicamente uma derrota em Camp Nou, por 1-0, com apenas 10 jogadores e sem efetuar qualquer remate, para conseguir a passagem à final da Liga dos Campeões.
“Era muito fundamentalista quando era mais novo, agora sou mais pragmático, mais estratégico e menos arrogante", admitiu Mourinho à Tribuna Expresso, em junho. "Quando cheguei ao Inter, apercebi-me da contradição entre as ideias que tinha e a equipa que tinha para fazê-lo. Os defesas eram trintões (Materazzi, Córdoba, Lúcio) e ninguém queria jogar com um bloco alto, com espaço nas costas, como jogava no FC Porto e no Chelsea. Tentei, tentei, mas não consegui. Teve de ser um bloco baixo”, recordou. “Aí, ou és fundamentalista ou tentas adaptar-te."
José Mourinho na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa, a dar uma aula aos alunos da pós-graduação High Performance Football Coaching
Nuno Botelho
É aqui que reside a diferença essencial entre Mourinho e Guardiola. Enquanto o português se adaptou e adapta frequentemente a sua equipa - "acho que todas as equipas são melhores quando se adaptam" -, o espanhol implementa a sua forma de jogar característica por onde passa - e tem mostrado que mesmo em Inglaterra um futebol baseado na posse da bola e na associação com os colegas pode funcionar em pleno (como costumam questionar os ingleses: sim, ele consegue fazê-lo mesmo numa noite fria e chuvosa em Stoke).
Ambos os treinadores querem controlar os respetivos jogos, mas fazem-no sob perspetivas claramente antagónicas: Guardiola quer ter a bola sempre que possível, para conseguir desorganizar o adversário e criar espaço para ter o maior número de oportunidades de golo; Mourinho quer, primeiro, negar ao adversário espaço para criar oportunidades e só depois procurar infligir-lhe golpes certeiros (especialmente nos jogos grandes, como fez com o Tottenham e com o Arsenal - venceu ambos).
As estratégias podem ser diferentes, mas o objetivo é igual: ganhar. "Nisso, somos gémeos", admitiu Guardiola, na antevisão do dérbi. "Queremos ganhar troféus. Acho que o Antonio Conte [treinador do Chelsea], o Jürgen [Klopp, treinador do Liverpool] e o Mauricio [Pochettino, treinador do Tottenham] são assim também", acrescentou o treinador espanhol.
Pep Guardiola treina o Manchester City desde 2016/17
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Neste momento, quem anda a ganhar mais é o City, que já leva 13 vitórias consecutivas na Premier League - será um recorde nacional caso chegue aos 14 - e lidera a tabela com 43 pontos em 15 jogos. Mas o United, 2º classificado, tem de ganhar este jogo decisivo, porque vai com oito pontos de atraso em relação ao rival - em caso de derrota, a margem é praticamente irrecuperável.
"Não sabemos o que pode acontecer. Há muitas coisas que não podem ser controladas. Somos melhor equipa do que no ano passado e o City também. Podemos vencer a Premier League, mas há outras equipas que podem ser campeãs", disse Mourinho, na antevisão do jogo, menosprezando um dos pontos fracos do City: a defesa das bolas paradas, especialmente devido à estatura da maioria dos seus jogadores. "Acho que o duelo com o Mata vai ser simples para o Kompany", gracejou.
Mas a verdade é que é aí que o United pode infligir mais danos no City, com as "torres" Lukaku, Fellaini e Matic (Pogba está suspenso), por exemplo. Contra o Southampton, a equipa de Guardiola sofreu um golo num canto - e podia ter sofrido bem mais. Mas Guardiola não está preocupado. "Até agora não nos podemos queixar em termos de resultados e especialmente em termos da nossa forma de jogar. Basta verem as estatísticas de cada jogo, além da forma como jogamos: somos melhores em criação de oportunidades de golo, em posse de bola e em oportunidades concedidas ao adversário", disse.
"Mas o United também é fantástico nisso. Quando as estatísticas lhes são favoráveis, ganham, e, quando não são, conseguem ganhar na mesma, como ganharam no Emirates, um dos estádios mais difíceis, por 3-1. Concederam 33 remates ao Arsenal, mas ganharam 3-1. Poucas equipas no mundo conseguem fazer isso. Por isso é que temos de ter cuidado. Podemos controlar o jogo, podemos jogar bem, mas eles também sabem ganhar", acrescentou Guardiola, que rejeitou a dicotomia simples "ofensivo/defensivo".
"Nunca critico os meus colegas pela forma como jogam. Nunca o fiz no passado, não irei fazê-lo. O futebol é magnífico precisamente por causa disso, porque cada treinador tem a sua maneira de querer jogar. Há diferentes formas de apreciar o futebol. É tão simples quanto isso." Domingo, às 16h30, cada adepto apreciará aquela que preferir.