Ser remontado quando se vem do país e da língua que popularizaram, futebolisticamente, a remontada, podia dar origem a tiques de trauma. Uns passes ao segundo toque por hesitarem no primeiro; dar pausa à bola quando o espaço pede para arriscar, acelerando; defender esses espaços sendo contidos, e não pressionantes.
É claro que comporta-se assim até seria compreensível. Mas a equipa remontada, a meio da semana, em Roma, foi o Barcelona. A equipa que tem Messi a ser Messi e é, cada vez mais, o que Messi conseguir ser durante um jogo.
Como ele é ignorante e desprezador de contextos, uma coisa muito terráquea, o Barça voltou a competir.
Esperou, como inegociável que sempre será essa espera, pela boleia do seu mais que tudo, uma espera que os tramou a todos na quarta-feira, quando os planetas se alinharam e um adversário anulou o pequeno génio - e, com ele, uma equipa viciada e dependente na sua contribuição.
Com o Valência pela frente, Messi foi o portador de bola e jogadas impossível de frenar, matreiro na sua paciência de arrastar tipos com ele até libertar um passe para o espaço libertado pelas suas ações. O Barça, com ou sem o argentino a assistir, teve os golos de Suárez e Umtiti, eficazes na cara da baliza.
E o Barça foi tendo os seus momentos espetaculares de tabelas consecutivas ao primeiro toque, de jogadores a correrem furiosamente área dentro, Messi a encontrá-los com a bola e as piruetas levitantes de Iniesta para as palmas.
Mas não foi, como não tem sido esta época, o Barça consistentemente superior e superiormente estável a subjugar adversários.
Foi ingénuo ao ponto de deixar Sergi Roberto sem cobertura perante o Gonçalo Guedes vertiginoso, rápido e furioso, que o bateu a cada tentativa na primeira parte. Qual criança a ser trancada no quarto uma e outra vez, de castigo. O Valência não marcou pelo português e por Rodrigo devido a ineficácia, a Ter Stegen ou até a um Piqué cortador de remates em cima da linha.
Apenas marcou pela parvoíce de Dembélé. O carrinho com que atropelou as pernas de Gayà, encurralas num beco sem saída e a cruzarem a bola para a área onde estavam mais catalães do que valencianos, deu o penálti de Parejo que passou por debaixo do corpo do guarda-redes.
Aconteceu tarde e não impediu uma vitória, manteve, isso sim, a ideia de que o Barça parece mais falível, errante e instável à medida que as épocas passam. Messi vai perdurando, quem o rodeia parece ir piorando. Mesmo que imperturbável e omnipresente, o dia chegará em que o contexto o poderá engolir.
Mas, para já, o contexto diz que o Barcelona ficou a apenas sete pontos da conquista do campeonato, dois anos volvidos. E, 38 anos depois, mesmo que irregular, não dominador e menos espetacular, bateu o recorde de 39 jogos seguidos sem perder na liga que era da Real Sociedad.
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