A despedida de Iniesta e como um bocadinho dele nos fez ser melhores
A despedida de Iniesta
David Ramos
O génio que parece parar o tempo quando a bola lhe chega, o careca que deu o pontapé na fúria espanhola, em 2010, o futebolista que é aplaudido em todo o estádio que vá jogar, anunciou o que há muito se previa: Andrés Iniesta, o capitão do Barcelona, vai abandonar o clube no final da época. Mas não deixará de jogar - vai, sim, para longe e para algum sítio "fora da Europa", onde não tenha que defrontar o seu clube de sempre
"Este viernes, a partir de las 13.30 horas, Andrés Iniesta hará una comparecencia ante los medios informativos en la sala de prensa de la Ciudad Deportiva Joan Gamper."
O anúncio é um calafrio na espinha. Saber que o atual careca mais conhecido e mais genial do futebol vai aparecer, sozinho, numa sala de conferências de imprensa, para discursar, coisa à qual nunca o associaríamos pelo espírito tímido e pacato que lhe reconhecemos, é mau. Porque qualquer pessoa atenta a futebol também saberia que a idade já apanhou Andrés Iniesta faz tempo - ele está com 33 anos e há quase dois que se fala do quanto o espanhol tem matutado sobre o dia em que abandonará o Barcelona.
O capitão pensou até ao momento, esta sexta-feira, em que entrou na sala feito um pranto, com os olhos a lacrimejarem ainda antes de se sentar, pousar os cotovelos e falar. As palavras saem-lhe com um esforço imenso, é o peso da pior coisa que já terá dito na vida.
Iniesta vai sair do Barcelona no final da época e ele é a pessoa na sala que mais sente os 22 anos passados ali. As 16 temporadas na equipa principal, os 669 jogos que somou e os 31 títulos que ganhou, um número de taças e festas que quase se confundem com os 57 golos que foi marcando. Muito menos do que os que deu a marcar, dezenas (centenas?) de assistências ou de passes desbloqueadores para depois alguém assistir, enquanto se viu rodeado por tipos iguais na genialidade, mas distintos na execução, como Ronaldinho, Xavi, Eto'o, Messi ou Neymar.
Tamanho peso fá-lo ser um homem derrotado pela emoção, um caco humano com microfones à frente, tão terreno como alguma vez pareceu, tão diferente como o fomos vendo nos relvados - a ser genial e domador das leis do espaço e do tempo a espremer-se entre adversários com a bola a tabelar entre os seus pés. Já vem de há algum tempo, Andrés Iniesta é hoje aplaudido pelos adeptos de qualquer clube, em todos os estádios, pelo quão bem jogou, o quanto ganhou e como foi sendo durante este tempo.
Sempre um senhor composto, honesto, simples e um dos últimos 'anti-futebolistas'. Um tipo escasso em golos, mas que reservou o golo e festejo mais importantes da carreira, o maior dos momentos para ser egoísta, para recordar um amigo, Dani Jarque, que era capitão do clube rival da cidade, falecera um ano antes e esteve na mensagem que Iniesta mostrou ao mundo na t-shirt.
Esse foi o pontapé que matou, de vez, a fúria espanhola, quando ia a meio da hegemonia da bola e do toque e do passe com que a Espanha conquistou dois Europeus e um Mundial. Ele conquistaria, por exemplo, mais quatro Liga dos Campeões e oito campeonatos espanhóis.
Tanto há para recordar em Iniesta que, naquela sala em Barcelona, companheiros de equipa, jornalistas e familiares choram com ele, os pais e a irmã que ali chegaram com o jogador de carro, há 22 anos, para ele tentar a sua sorte.
O que Andrés Iniesta jogou, ganhou, conseguiu e, sobretudo, construiu para deixar um legado - de que há uma maneira de jogar futebol com os pequenos e frágeis e magros e passadores de bola - é mais do que sorte. É muito futebol, e, talvez por isso, a última frase que o espanhol disse antes de as lágrimas pararem e deixar-se à mercê das perguntas dos presentes, tenha sido esta: "Muito obrigado a todos. Um bocadinho de cada um de vós faz-me ser melhor."
"Esta conferência de imprensa é para tornar pública a decisão de que esta temporada é a minha última temporada aqui. É uma decisão muito meditada e pensada a nível interno, comigo mesmo, e a nível familiar. Entendo que depois de 22 anos aqui sei o que significa ser jogador do Barcelona, para mim, a melhor equipa do mundo. Sei o que significa a exigência de jogar aqui, ano após ano, em todos os sentidos. Sei o que significa a responsabilidade de ser capitão deste clube. Portanto, para ser honesto comigo e com o clube que me deu tudo, entendo que a minha etapa acaba este ano, pelo simples motivo que este clube merece o melhor de mim, como fiz até agora. Entendo que, no futuro próximo, não lhe poderia dar o melhor em todos os sentidos, a nível físico e mental.
Se tivesse imaginado terminar a minha carreira aqui, seria dessa forma: a sentir-me útil, importante e titular, com a fome de ganhar títulos que tive durante este ano. É um dia muito difícil para mim. Fiz a minha vida aqui e dizer adeus à minha casa é complicado. Mas, por natureza e pela lei da vida, cada vez seria mais difícil continuar e não me perdoaria por passar por uma situação complicada no clube. Mais para a frente direi o que vou fazer. O que sou hoje como jogador e pessoa, em grande parte foi por La Masia [academia de formação do Barcelona].
As pessoas que passam os dias comigo, ao longo de todas estas temporadas, foram os que me tornaram melhor pessoa. Tenho de agradecer aos meus pais e à minha irmã. Há 22 anos chegámos aqui num carro e, hoje, 22 anos depois, estão aqui comigo e estou com a pessoa mais maravilhosa da minha vida, a minha mulher, e com os nossos três filhos.
Para terminar, agradecer aos adeptos, aos culés, que me viram crescer e a dar todos os passos desde que aqui cheguei, com 12 anos. Vou guardar esse carinho no coração para sempre. Muito obrigado a todos. Um bocadinho de cada um de vós faz-me ser melhor."
O que vai fazer agora?
"Definitivamente, vou sair do Barcelona no fim da temporada. Há coisas por falar e por fechar, coisas distintas. A única coisa que sempre disse é que nunca iria competir contra o meu clube, portanto, todos os cenários os cenários que não sejam na Europa são possíveis."
As desculpas da revista "France Football" por nunca lhe ter dado uma Bola de Ouro
"Não é nenhuma espinha não ganhar uma Bola de Ouro. No momento em que estive com o Xavi e o Leo, para ganhar, foi algo mágico. Não me importa se tenho, ou não, uma Bola de Ouro. O que me deixa orgulhoso é o respeito que tenho de toda a gente. Claro que toda a gente gosta desses prémios, mas não é algo que me faça mudar de opinião, ou que tenha de aceitar as desculpas."
"Durante os últimos meses, queria pensar sobre a minha vida e ser o mais honesto possível comigo e com o clube. Essa é a principal razão pela qual a minha etapa acaba aqui. Encarei este ano como se fosse o último e, graças a Deus, tudo correu francamente bem. É isso que mais gosto acerca deste ano."