Futebol internacional

Abel, o estratega, é história do Brasil

Abel, o estratega, é história do Brasil
JUAN MABROMATA

O treinador português levou o Palmeiras a uma histórica segunda vitória seguida na Taça Libertadores, ao bater o favorito Flamengo por 2-1 no Uruguai. Abel é o primeiro europeu a vencer por duas vezes o principal troféu de clubes da América do Sul e dá ao clube de São Paulo o tri que tanto buscava. Tudo sendo mais equipa que o mais talentoso rival, jogando na estratégia, talvez de forma pouco brasileira, mas terrivelmente eficaz. E na história, não se vai olhar ao lindo ou ao feio: vai-se ver o nome de Abel como bicampeão da Libertadores

No Brasil até dizem “estrategista”. E é algo a que não estavam propriamente habituados, eles, no Brasil. Mas João Martins, adjunto de Abel Ferreira, explicou-o muito bem nesta entrevista à Tribuna Expresso: com o brutal calendário que as equipas brasileiras têm ao longo do ano, com estadual, Brasileirão, Taça do Brasil mais competições continentais, é preciso fazer opções. Às vezes é preciso ser mais rato que rendilhado, é preciso abdicar, é preciso não ir a todas, é preciso jogar na inteligência, na gestão do esforço. Talvez seja anti-brasileiro. Talvez. Eles, como nós, como todos, gostam do futebol bonito, gostam do jogo apoiado, da magia, dos cabritos e das reviengas. Mas às vezes é necessário ser pragmático.

E é por isso que Abel é mais que um treinador neste contexto: é professor, é, essencialmente, um grande estratega. Outro mestre da tática que sairá do Brasil, no final do ano ou sabe-se lá quando, na história do futebol daquele país, com duas Taças Libertadores consecutivas, algo que neste século só Carlos Bianchi conseguiu, em 2000 e 2001 com o Boca Juniors. Consegui-o com uma equipa com menos talento que os seus adversários, mas que soube escolher as guerras que podia ganhar, uma equipa que é mais que um conjunto de jogadores, coesa a defender, implacável nas oportunidades que cria, particularmente fria nas competições a eliminar, onde a tática ganha um relevo decisivo e o aproveitamento dos erros pode ser fatal.

Foi então com uma vitória por 2-1, em Montevidéu, com o segundo golo a aparecer já no prolongamento, que Abel se tornou no primeiro treinador europeu a vencer a Libertadores por duas ocasiões e dar o tri ao Palmeiras, depois da vitória da última época e da de 1999. Fê-lo à sua maneira, uma maneira que ganha, com trabalho de treinador.

Foi um jogo bem diferente da final aterradoramente enfadonha da última época, em que o verdão encontrou o Santos. Ajudou o golo madrugador do Palmeiras, que entrou em campo com três centrais e um lado direito diabólico, tanto a defender como a atacar. Foi por ali que apareceu o golo aos 5’: o central Gustavo Gomez lançou Mayke na profundidade, para surpresa de Filipe Luis e David Luiz, e na linha cruzou atrasado para a entrada de rompante de Raphael Veiga. Tudo fácil, em poucos toques e processos simples - trabalho de treinador, pois claro.

EITAN ABRAMOVICH

A vencer por 1-0, o Palmeiras baixou linhas, cerrou dentes, conseguindo quase sempre com facilidade cortar as investidas de Bruno Henrique e Gabigol no ataque. Apenas aos 43’ apareceu uma oportunidade digna desse nome por parte do Flamengo: Gabigol construiu a jogada, Bruno Henrique cruzou e na área Arrascaeta rematou, para uma defesa muito atenta de Weverton.

A 2.ª parte traria mais bola do Flamengo, que empatou aos 72’, pelo inevitável Gabriel Barbosa, num remate forte do lado esquerdo, numa das únicas ocasiões em que a defesa do Palmeiras não conseguiu controlar os avançados da equipa do Rio. O Palmeiras pagou o esforço físico, perdendo os dois médios centro, e o Flamengo esteve perto de voltar a marcar ao 86’, por Michael. Mas depois disso, as equipas deixaram de arriscar: o Palmeiras por já não ter forças, o Flamengo por receio que o contra-ataque verde ainda fizesse estragos.

Não fez ali, mas faria no prolongamento. Sabendo que estava no ataque à profundidade e no aproveitamento dos espaços a oportunidade de ir buscar a vitória, Abel lançou o eléctrico Deyverson e foi na pressão que o avançado colocou em David Luiz e Andreas Pereira que surgiu o golo da vitória. Ambos os jogadores do Flamengo erraram e o suplente, mais uma vez um homem saído do banco, tal como Breno Lopes na última temporada, ficou isolado frente a Diego Alves. E não falhou.

A partir daí foi gerir, com a competência e coesão que caracteriza esta equipa brasileira, tão pouco brasileira na hora de olhar a objetivos. As finais, diz-se, são para ganhar e não para jogar. E Abel sabe o que é jogar para ganhar. Uns gostarão menos, outros mais, o vizinho de Abel, que tanto lhe chagou a cabeça ao ponto do treinador em jeito de provocação lhe dedicar a passagem a esta final, estará agora a pensar que o futebol do Palmeiras poderá não ser do mais feérico que existe, poderá até quase ofender os brasileiros mais românticos, mas dá taças, a taça mais importante da América do Sul. Duas vezes. O estratega Abel é história do futebol do Brasil. E isso ninguém lhe tirará.

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