Barça, mais do uma incerteza? Quatro boias de salvação depois, ainda não conseguiu inscrever os jogadores que contratou na La Liga
Anadolu Agency
O Barcelona contratou, este verão, Robert Lewandowski, Raphinha, Franck Kessié, Andreas Christensen e Jules Koundé por €153 milhões, dinheiro que supostamente não tem e engrossando uma folha salarial que tinha de reduzir. A estreia na La Liga é no sábado (contra o Rayo Vallecano, às 20h, Eleven Sports), mas o clube ainda não conseguiu inscrever os jogadores que comprou e os três com quem fez uma espécie de renovação de contrato
“Martiiiiiiiiin Braithwaiteeeee”. A locução, mesmo não sendo a mais entusiasmante, é exclamativa o suficiente. O speaker de Camp Nou chama a entrada dos jogadores do Barcelona, um a um, parcimonioso na distribuição de exultação como é normal acontecer em qualquer clube. Há nomes que dizem mais ao coração pelo que mostram no campo e o dinamarquês é avançado, veio ao futebol para marcar golos e em 57 jogos, espalhados por dois anos e meio, fez 10. As poucas bolas rematadas por ele que acabaram dentro da baliza não serão a razão para a sinfonia de ‘bús’ e assobios entoadas pelos adeptos, no domingo, assim que o jogador entrou no relvado.
Ainda sorria levemente quando, equipado e correndo a trote, entrou pela passadeira estendida para os futebolistas, fechando as feições quando o coro inundou o estádio. Os adeptos do Barça exprimiam a sua desaprovação não pelo jogador que é Braithwaite, mais pelo aval que, até agora, recusou dar: a espremer-se para descobrir folgas orçamentais para tapar a sua dívida e poder inscrever os jogadores que continua a contratar, mesmo não tendo dinheiro, o clube alegadamente propôs ao dinamarquês a saída para um clube da Arábia Saudita que lhe estará a oferecer um salário três vezes superior ao atual. A notícia surgiu no “Sport”, jornal catalão e próximo do Barcelona.
A badalada estória tende a retratar Braithwaite como um forreta e ganancioso, um jogador que se recusa a ir embora para um contexto mais endinheirado porque exige ao clube o pagamento dos ordenados relativos aos dois anos que lhe restam no contrato - assinado com a anterior direção, então presidida por Josep Maria Bartomeu. Um novo mauzão associado ao antigo mau da fita e eis os decibéis dos apupos em Camp Nou, a fazerem vista grossa a outras páginas desta desordem livresca: em 2020, estava o Barça com uma onda de lesões e sem um avançado de raiz disponível, a La Liga deixou o clube acionar um mecanismo nos regulamentos e, 20 dias após o fecho de mercado, comprar o dinamarquês ao aflito Leganés, por €18 milhões.
O remendo rápido de então é um dos pesos que o Barcelona pretende agora descartar, à força, como parte da ginástica na calculadora a ser feita pela atual direção, presidida por Joan Laporta, para o clube ser autorizado a inscrever os futebolistas que contínua a contratar apesar da obesidade da sua dívida. E para os reluzentes nomes de Robert Lewandowski, Raphinha, Jules Koundé ou Andreas Christensen possam ser inscritos na liga espanhola - que arranca este fim de semana -, outros jogadores mais sombreados estão a ser empurrados para fora. Martin Braithwaite não é o único.
Rescindir o contrato unilateralmente com um futebolista equivaleria ao Barça ter de lhe pagar os ordenados restantes previstos no acordo. Daí estar a tentar negociar um acordo com o dinamarquês, que o tem rejeitado. Também Samuel Umtiti, defesa central francês que o “Sport” escreve apenas estar disposto a ceder na diferença que possa haver nos valores que algum clube lhe ofereça para sair dos culés. Problema: ao internacional gaulês, aprisionado por lesões várias nas últimas três épocas, arranjar uma nova equipa está a ser um ver se te avias. No caso de Memphis Depay, neerlandês das meias rebaixadas nos tornozelos, são as pretensões por um salário elevado a solavancar as negociatas.
Porque há várias e não se cingem a possíveis outros empregadores.
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O Barcelona entrou nesta temporada com uma dívida a rondar os €1,3 mil milhões e uma folha salarial no plantel a tocar nos €560 milhões. Nas contas feitas pela La Liga - e de acordo com as regras a serem cumpridas por todos os clubes - dava ao clube - esta parelha atribuía aos blaugrana o único teto salarial negativo (-€144 milhões) do campeonato espanhol. Como tal, precisava de arranjar maneira de provar que não teria mais gastos do que receitas em 2022/23, a par de magicar uma forma de aliviar a quantidade de euros a despender na equipa principal.
A vontade em resolver os casos de Braithwaite, Umtiti e Depay como solucionou os de Philippe Coutinho, Mingueza, Riqui Puig ou Neto, que já abandonaram o clube, também se aplica a outros nomes. Deixou o contrato terminar com o desafortunado Ousmane Dembélé, cheio de lesões sofridas nos últimos anos, para rubricar um novo com o francês em vez de renovar o anterior, repetindo o processo com Sergi Roberto; o propósito é o mesmo do que se diz já ter sido aceite pelos capitães Gerard Piqué e Sergio Busquets, homens fiéis à casa, já terão aceitado reduzir os seus salários.
E há Frenkie de Jong, um dos melhores médios do mundo a tomar um jogo pelo colarinho e com a bola nos pés, que Joan Laporta, o presidente, já intuiu ter que sair para depois afirmar que é para ficar, porque o neerlandês tem um vínculo chorudo assinado nos tempos de Bartomeu cujos valores vão aumentar nas próximas épocas. O clube chegou ao ponto de alegar que o vínculo tem "claras evidências de crime", se é factível, não se sabe, mas os dedos apontados entre ambas as partes e as rotações que se dá à história nos jornais já abateram sobre o jogador outro efeito: adeptos blaugrana a apupá-lo à porta do centro de treinos.
À rebaldaria de negociações com vários jogadores têm juntado, desde o fim da época anterior e os primórdios desta, o uso do que o líder reeleito do Barcelona e toda a imprensa espanhola chama de alavancas. São uma espécie de boias de salvação financeiras para o Barcelona ir buscar receitas que redundam num princípio - vender lucros futuros do clube a terceiros para estes pagarem, no imediato, os valores acordados. Assim tem o Barça roendo os seus direitos televisivos.
Em junho, a tempo para incluir a manobra no Relatório e Contas de 2021/22, o clube anunciou a venda de 10% das receitas dos direitos televisivos dos jogos da La Liga à Sixth Street, um fundo de investimento norte-americano, por €267 milhões. No mês seguinte, vendeu outros 25% à mesma entidade, não revelando oficialmente o valor que a imprensa espanhola avançou ser de €400 milhões - isto depois de, em 2021, ser ter juntado ao Real Madrid na recusa em entrar no negócio conjunto da liga espanhola, que vendeu 10% dos direitos para os próximos 50 anos, cujos ganhos para o Barça lhe poderiam ter dado folga financeira para impedir a traumática saída de Lionel Messi.
Aos €667 milhões reunidos no primeiro par de “palancas”, assim descritas pelos espanhóis, acrescentou-se uma terceira alavanca, já em agosto: a venda de 24,5% da Barça Studios, empresa criada pelo clube para gerir os seus conteúdos digitais, à Socios.com, por €100 milhões. Por esta altura terão eclodido mais problemas para o Barcelona, quando a La Liga intuiu a hipótese de o clube ter feito uma ginástica financeira por ter investido €150 milhões dos seus próprios cofres numa nova empresa criada, juntamente com a Socios.com, para a gestão da tal percentagem vendida a esse investidor. E por essa razão, noticiou-se que quem manda na liga espanhola estaria a exigir a ativação de uma quarta boia de salvação, que seria a venda de outros 24,5% da Barça Studios por igual quantia de dinheiro.
Eis a nebulosidade que rodeia o clube, enquanto tenta ressuscitar os seus dias de supremacia estável com Xavi, o treinador com todas as constelas preenchidas por Barça e o que este representa, dando-lhe jogadores de timbre mundial para devolver à equipa uma forma de jogar de posse, toque e avalanche técnica. Falta que o buraco financeiro a jorrar problemas para cima do qual a direção de Joan Laporta atira panos em vez de tampas arranje um método para que seja possível inscrever os cinco futebolistas contratados e os restantes com quem se orquestraram ‘renovações’. No sábado, é possível que o Barcelona defronte o Rayo Vallecano com todas as novidades do plantel sentados na bancada, com vista panorâmica para o caos que ainda acompanha o dia a dia de uma instituição que se vende como “mais do que um clube”, mas sofre para conseguir ser mais do que uma gigante incerteza.