Futebol internacional

Entre a festa de Partey e a fé de Jesus, eis o Arsenal, líder da Premier League

Entre a festa de Partey e a fé de Jesus, eis o Arsenal, líder da Premier League
Shaun Botterill/Getty
A refrescante equipa de Arteta venceu o dérbi do norte de Londres, derrotando (3-1) o Tottenham. Golos de Thomas Partey, Gabriel Jesus e Xhaka deram o sétimo triunfo em oito jornadas aos gunners, que são líderes isolados do campeonato
Entre a festa de Partey e a fé de Jesus, eis o Arsenal, líder da Premier League

Pedro Barata

Jornalista

Talvez falar em “ADN" ou “identidade” de um clube seja só uma extrapolação precipitada, uma tentativa de explicar um emblema numa área em constante mutação. Agarramo-nos a tendências de uma certa fase, de um determinado período, de um treinador concreto para torná-las tão próprias da entidade como as cores da camisola ou o emblema. Na verdade, se até estes últimos vão mudando de tempos a tempos, é normal que as outras características possam ir mudando segundo quem ocupe o terreno de jogo, o banco de suplentes ou as confortáveis cadeiras de direção.

Seja por simplificação de raciocínio ou por justificada existência, se pensarmos em “ADN” do Arsenal pensamos em Wenger e no seu futebol. O francês pegou num clube conhecido pelo jogo aborrecido — os cânticos de “boring, boring Arsenal” eram uma tendência em vários estádios de Inglaterra — e deu-lhe homens técnicos, criativos, jovens, entusiasmantes. Pelo trabalho de Wenger, pensar em Arsenal foi, durante muito tempo, pensar em estética e prazer ao ver uma partida.

Mas, como a tal “identidade” desportiva talvez não seja tão identitária quanto isso, ela foi mudando. Wenger apagou-se e, com ele, o Arsenal não só deixou de ganhar, mas também de jogar daquela forma. O que era belo tornou-se bruto, o que tinha harmonia tornou-se caótico. Os craques passaram de espalhar classe no relvado para oferecerem-se para pagar o salário de um dinossauro.

No final de 2019, Mikel Arteta foi contratado para trazer de volta a tal essência perdida, qual herói em busca da alma perdida. Antigo capitão do Arsenal, desde o início que o trabalho do espanhol foi um reencontro com as bases do melhor período recente dos londrinos: aposta em jovens talentos, construção de cultura de clube, fomento de um futebol de bom pé e domínio. Houve altos, como a conquista da FA Cup e da Supertaça em 2020, e baixos, como os conflitos com Aubameyang ou ter perdido um lugar na Champions na reta final da época passada, mas, quase três anos depois da chegada de Arteta, a missão de recuperação da alma esquecida parece mais encaminhada que nunca.

Os dérbis de Londres dão para formar uma competição à parte dentro da Premier League, tal é a quantidade de equipas da capital entre a elite da bola inglesa. Mas, entre esses embates, nenhum move tantas paixões como o Arsenal - Tottenham. Na primeira edição do duelo entre gunners e spurs nesta temporada, a equipa de Arteta confirmou a tendência do arranque da campanha e venceu, com um convincente 3-1 que mantém o lado vermelho e branco de Londres sozinho no topo da Premier League.

ADRIAN DENNIS/Getty

Com Cédric lesionado e Fábio Vieira a entrar aos 80' já com o resultado feito, os primeiros 30 minutos foram uma demonstração do melhor que este Arsenal tem para dar. Pressão intensa e coordenada, vontade de ter a bola e protagonismo, capacidade para trocar a bola eficazmente. Com dinâmicas bem trabalhadas — White como lateral mais por dentro e Saka aberto na direita, Zinchenko como o lateral-médio que já era no City, Odegaard a flutuar entre-linhas —, os locais levaram os visitantes a perseguirem sombras durante meia-hora.

Aos 20', a superioridade dos líderes traduziu-se num 1-0. O elétrico Saka pausou na direita, voltando a mostrar que temporizar pode causar mais estragos do que explodir de forma supersónica. Ao fazer parar o tempo com a bola na sua posse, o extremo concentrou três adversários em seu redor.

Aproveitando o espaço livre, Saka deu para White, que rapidamente serviu Thomas Partey. O médio ganês rematou de primeira, fazendo a bola viajar rumo ao canto superior esquerdo da baliza de Lloris. A estirada do guardião campeão do mundo só serviu para acrescentar estética à fotografia do golo.

O Tottenham de Conte vive com algumas dúvidas, mas juntar Kane, Richarlison e Son na frente é sempre garantia de perigo. Uma perda de bola do Arsenal foi castigada pelo trio dos visitantes, com o brasileiro a ganhar um penálti. Kane empatou aos 31', em linha contrária ao que se tinha visto até aí.

No entanto, a segunda parte arrancou totalmente favorável aos da casa, encaminhando novo triunfo para o Arsenal. Aos 22 minutos do segundo tempo já os gunners venciam por 3-1 e tinham mais um homem em campo.

Primeiro foi Gabriel Jesus a fazer o 2-1. O brasileiro é um símbolo de muitas das virtudes deste Arsenal. Um jogador simultaneamente dotado de boa técnica, mas com vigor físico e convicção na ideia para se empenhar a fundo em cada tarefa de recuperação de bola. Um atacante com várias temporadas de Manchester City que corresponde à política de reforços escolhidos a dedo por Arteta que subiu o nível do coletivo. É o símbolo da fé neste Arsenal.

Aos 62', Emerson viu o vermelho direto por falta sobre Martinelli. Cinco minutos depois, Xhaka, que já não é tão médio organizador, mas mais homem de chegada à área, selou o 3-1 final.

O Arsenal terá, agora, de enfrentar o desafio da consistência, de manter o rendimento durante vários meses. A prova de devolução da fé já foi superada. O lado vermelho e branco de Londres é uma festa, recheado da alegria que há muito por lá não se vivia.

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