Futebol internacional

Cem dias após a final do Mundial, o que mudou para os trabalhadores do Catar? Aparentemente, muito pouco

Cem dias após a final do Mundial, o que mudou para os trabalhadores do Catar? Aparentemente, muito pouco
Matthew Ashton - AMA

Trabalhadores sem emprego, horas extraordinárias pagas ilegalmente e africanos enganados: o Mundial do Catar deveria servir de catalisador para mudanças no país mas, de acordo com o “Guardian”, mantém-se a situação difícil para os migrantes

Expresso

O Mundial de 2022 seria o catalisador das necessárias mudanças no Catar, clamaram exaustivamente as autoridades do país e a FIFA, face às críticas aos pobres registos de direitos humanos, nomeadamente dos trabalhadores migrantes, que a nação do Médio Oriente ostenta.

Mas 100 dias após a final, na qual a Argentina bateu a França, nada parece verdadeiramente ter mudado. O “Guardian” esteve no Catar e encontrou trabalhadores pagos de forma ilegal, enganados por supostos agentes de recrutamento, com dificuldade em encontrar emprego e a viver em locais sem condições.

De acordo com o jornal britânico, a Al Nasr Star Security, uma das principais empresas de segurança do país, está a pagar salários base dentro a lei, mas o mesmo não se aplica às horas extraordinárias, com trabalhadores a receber qualquer coisa como 40 cêntimos por hora, muito longe do limite mínimo legal.

Há trabalhadores que dizem que a situação “tornou-se pior” e que agora estão a ser “punidos”, obrigados a aceitar mais folgas não pagas, uma forma das empresas atuarem dentro da lei, mas que prejudica em muito o parco rendimento destes migrantes.

O “Guardian” diz ter encontrado ainda muitos trabalhadores, principalmente de origem africana, que não conseguem encontrar qualquer trabalho após o Mundial. De acordo com uma fonte do jornal britânico, após o Mundial o recrutamento de trabalhadores caiu muito, já que a necessidade de obras em infraestruturas também baixou.

Sam Tarling

O Catar vive agora também um fenómeno de migrantes que chegaram ao país com um visto de turista e que por isso não podem legalmente trabalhar. De acordo com testemunhos recolhidos pelo “Guardian”, muitos destes homens foram enganados por supostos recrutadores e entraram no país com um cartão Hayya, criado pelo governo local como visto para quem quisesse viajar até ao Catar para assistir ao Mundial. Apesar de ter validade até 2024, o cartão Hayya serve apenas para propósitos de turismo e não para trabalho.

Enganados, com dívidas e sem dinheiro para voltar a casa, muitos destes migrantes estão agora “presos” no Catar, muitos deles a viver em bairros degradados, em casas sem condições e a passar fome.

Apesar destes casos, um porta-voz do governo catarense sublinhou ao “Guardian” que o “legado do Mundial de 2022 no mercado de trabalho é claro para quem quiser ver” e que mais de 50 mil trabalhadores mudaram entretanto de emprego. “Centenas de milhares de trabalhadores beneficiaram das reformas, como a remoção das permissões de saída, introdução do primeiro salário mínimo não-discriminatório, melhoria dos standards de saúde e segurança e melhor acesso à justiça”, defendeu ainda o responsável.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt