Não é a primeira vez que o Médio Oriente é regado por uma majestosa chuva de estrelas. No início do século, quando ainda não se falava especialmente de sportswashing e nas suas virtuosas capacidades para tapar graves ataques à dignidade e à liberdade de cada um ser quem é, o Catar recebeu um camião com lendas quase inverosímeis.
Gabriel Batistuta, que bateu logo o recorde de golos da liga catarense assim que chegou em 2003, Pep Guardiola, Frank de Boer, Ronald de Boer, Marcel Desailly, Sonny Anderson, Claudio Paul Caniggia, Stefan Effenberg, Frank Leboeuf e Romário, que só fez três jogos no Al Sadd (único clube onde ficou a seco de golos), são alguns exemplos. Mais tarde, também lá passaram Raul González, Juninho Pernambucano, Wesley Sneijder e Xavi.
Em 1995, o país já recebera um Campeonato do Mundo sub-20, que teve gente como Dani, Nuno Gomes, Bruno Caires, Agostinho, Beto, Quim e José Soares, o antigo central que lembrou, em conversa à Tribuna Expresso, esse torneio e também como foi partilhar relvado com aquelas lendas nos relvados do Catar. Certo é que, depois dessa vaga estelar, o Catar organizou um Campeonato do Mundo de futebol, em 2022, e tem pela frente a responsabilidade de receber os Mundiais de Natação, em 2024, e os Jogos Asiáticos, em 2030. Também o Mundial de Fórmula 1 já passa por ali.
A Arábia Saudita, a única seleção que bateu a Argentina no Mundial e que fez meio mundo perguntar “onde está Messi?”, está a investir em larga escala no desporto, nomeadamente no futebol (e no golfe, já agora). Cristiano Ronaldo, no Al Nassr, foi o pioneiro, a grande bandeira do projeto. Seguiram-se Karim Benzema e N’Golo Kanté (falta oficializar), ambos no Al Ittihad de Nuno Espírito Santo. Será este mais um exemplo gritante de sportswashing e branqueamento ou trata-se de um súbito encantamento no desporto?
O país ainda não se descolou do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi num embaixada saudita na Turquia. Igualmente desafiante é mascarar os factos refletidos nos relatórios das Nações Unidas, que apontam a Arábia Saudita como um dos maiores violadores de direitos humanos, ao lado de países como Coreia do Norte, Síria, Irão e Afeganistão.
“Os abusos dos direitos humanos estão descontrolados e incluem torturas, detenções arbitrárias e execuções”, menciona um dos mais recentes documentos da ONU. Segundo várias organizações de defesa dos direitos humanos, as mulheres e pessoas LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais e trans) estão expostas e vulneráveis e o governo saudita é conhecido por reprimir atos de dissidência. As mulheres são alvo de forte discriminação.
Mas a caravana passa e o dinheiro fala, então os senhores e príncipes e reis daquele país agarram no desporto como quem agarra uma lanterna. Há algo a mudar e a estratégia parece ser clara: o Public Investment Fund, um fundo soberano da Arábia Saudita, adquiriu o Newcastle, e passou a controlar o Al Ittihad, Al Ahli, Al Nassr e Al Hilal, os grandes clubes sauditas. O objetivo, diz a realeza, passa por colocar aquela liga no top-10 do mundo, tal como Cristiano Ronaldo, embora mais ambicioso, vem sugerindo.
A candidatura para o Mundial 2030, que terá Portugal como rival, está em marcha, sendo que os sauditas poderão concorrer ao lado de Grécia e Egito, disponibilizando-se para construir estádios nesses países. O papel de anfitriões de uns Jogos Olímpicos também estará na mira dos sauditas.
O próximo futebolista especial a aterrar naquele país pode muito bem ser Romelu Lukaku, o infeliz finalista da Liga dos Campeões pelo Inter. De acordo com o “Guardian”, o Al Hilal, o tal clube que esteve na corrida pela contratação de Lionel Messi, terá oferecido mais de 20 milhões por época ao belga, que já terá tido uma reunião, em Paris, com os cartolas do clube onde jogam Moussa Marega e André Carrillo. O avançado canhoto até sabe o que é jogar em Riade, a capital saudita, pois foi esse o palco da Supertaça de Itália, em janeiro, entre os colossos de Milão.
Há expectativa para saber se se seguem muitos outros craques, como Hakim Ziyech e Pierre-Emerick Aubameyang, por exemplo. Ziyech tem 30 anos e não goza do impacto no relvado como antigamente, sendo mais um num desolador Chelsea. O marroquino não teria dificuldades, ainda assim, para integrar um bom clube europeu. Aubameyang, já de 33 anos, é outro peixinho no lago fundo do Chelsea e provavelmente nem contará para Mauricio Pochettino. O gabonês tem contrato com os blues até ao verão de 2024.
Kalidou Koulibaly também estará a ser cobiçado por clubes da Arábia Saudita, mas a forte aposta na sua contratação ao Nápoles e um contrato até 2026 tornam esse cenário improvável. O central senagalês, uma escolha habitual para Thomas Tuchel e Frank Lampard, tem 31 anos e por isso longe da reforma. Mas tem havido propostas, como os 100 milhões por época para Kanté, que podem precipitar algumas decisões ou projetos de vida.
O diário britânico dá conta ainda do interesse dos clubes daquele país em Riyad Mahrez, o fino esquerdino de 32 anos e atual detentor de um treble em Inglaterra, assim como uma mui específica abordagem do Al Ettifaq a Philippe Coutinho (Aston Villa, 31 anos) e Steven Gerrard, agora versão treinador, para engrossar a chuva galáctica que promete encharcar a Saudi Pro League. Wilfried Zaha, o extremo avassalador do Crystal Palace, furou a chuvada e a tentação ao alegadamente ter rejeitado uma proposta de 30 milhões por ano para jogar ao lado de Cristiano Ronaldo.
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