As gentes de Nápoles já quase não sabiam como era. Celebrar um título nacional pertencia ao passado distante e ao que é místico, assente numa lenda maradoniana. Diego conquistou dois scudetti em 1987 e 1990, os primeiros da história do clube do sul de Itália. No entanto, passado tanto tempo, uma maquinaria afinada por Spalletti, regada a mel Kvaratskhelia e concretizada pelo killer instinct de Victor Osimhen, que fez 26 golos no triunfo da Serie A em 2022/23.
Ora, é exatamente o matador que nos traz aqui. A história é inusitada. Depois do avançado nigeriano falhar um penálti contra o Bologna, na última jornada do campeonato, no domingo, o funcionário responsável pela conta de TikTok do clube napolitano publicou um vídeo aparentemente a gozar com o futebolista.
Na publicação, surge uma voz de desenho animado, acelerada, talvez com o intuito de ridicularizar ou brincar com os pedidos de penálti de Osimhen. O africano acabou por falhar o penálti, contribuindo para o empate no Stadio Renato Dall’Ara, o que torna o vídeo ainda mais insultuoso ou pelo menos bizarro, ainda que tenha sido apagado de seguida.
As consequências não se fizeram esperar. Primeiro, o avançado apagou no seu Instagram muitíssimas fotografias em que está fardado com as roupas do Nápoles. Depois, já se sabe que o jogador e a sua entourage admitem “o direito de avançar para uma ação judicial”.
O agente do atleta também reagiu prontamente. “O que aconteceu hoje, na conta oficial do Nápoles na plataforma TikTok, não é aceitável”, escreveu no X, o antigo Twitter, Roberto Calenda. “Um vídeo a fazer pouco do Victor foi publicado e depois, tardiamente, apagado. “Um facto grave que causa danos muito sérios ao jogador e que se junta ao tratamento que o rapaz está a sofrer no último período entre julgamentos mediáticos e notícias falsas.”
Calenda mencionou ainda o tal direito a avançar judicialmente e executar qualquer iniciativa útil para proteger Victor”.
O vídeo que ridiculariza o jogador surgiu depois do penálti falhado contra o Bologna e também no seguimento de ser substituído por Rudi Garcia, num momento que demonstrou a insatisfação e a tensão que eventualmente existe entre o jogador nigeriano, de 24 anos, e o treinador.
Há um outro vídeo a circular, alegadamente também publicado e apagado de seguida pelas redes sociais do Nápoles e que chama “coco” (coconut) a Osimhen. A conta do clube no TikTok tem qualquer coisa como 4,5 milhões de seguidores.
Um mergulho no Google permite compreender que esta última partilha, com a referência ao fruto, talvez não seja totalmente inocente. O tema já foi abordado no passado por “BBC”, “The Guardian” e “Times Colonist”, do Canadá, com os seguintes títulos: “É o termo ‘coconut’ racista?”, “Chamaram-me ‘coconut’ mais vezes do que posso contar, mas eu entendo”, “Vereadora considerada culpada de assédio racial por causa de uma piada sobre cocos”, “Maçã, coco, banana – de inocente fruta ao insulto racista”.
O termo sugere traição à sua raça ou aparentemente é uma referência à cor negra por fora e branca por dentro, ou seja, como se esse negro visado não fosse mesmo negro ou respeitador das suas raízes e cultura, almejando ser mais branco.
Na história da “BBC” e num dos textos referidos do “The Guardian”, que remonta a 2010, conta-se o episódio de Shirley Brown, uma vereadora negra de Bristol, que depois de um debate caloroso chamou a oponente, com origem asiática, de “coco” ou “coconut”. O artigo refere ainda outros exemplos da mesma natureza de insulto, sugerindo os chocolates “Bounty” ou “Oreo”.
A história de Victor Osimhen ainda vai fazer correr muita tinta e, para já, o clube, os atuais campeões de Itália, um país governado pela extrema-direita e onde se repetem os episódios de racismo nos estádios, ainda não reagiu.