Mourinho: a síndrome da terceira época contra-ataca e português tem o pior arranque da carreira
Ian Walton - PA Images
A AS Roma soma apenas cinco pontos em 18 pontos possíveis e o treinador português já confessou que é o pior arranque da sua carreira. Os números dão-lhe razão e mostram que até na União de Leiria, na primeira vez que iniciou uma temporada como treinador principal, acumulou mais pontos. É a quarta vez que soma menos de 10 pontos à sexta jornada das ligas em que participou desde 2001. Até aqui, a média de pontos conquistados por esta altura foi 12,2
E aqui estamos nós, na terceira época de José Mourinho num clube. Às vezes a mitologia é semeada debaixo de cimento, mas desta vez, ainda que o treinador em tempos idos tenha associado o termo “estupidez” ao tema, talvez estejamos em terreno fértil. Depois da goleada sofrida no campo do Genoa, por 4-1, a AS Roma de José Mourinho soma apenas cinco pontos em 18 possíveis na Serie A.
“É o pior início de época da minha carreira”, confessou o treinador português na ressaca do desaire em Génova, depois de já ter somado derrotas com Verona e Milan e empates com Salernitana e Torino (só tem uma vitória, o 7-0 com o Empoli) . “Mas também é a primeira vez na história da Roma que chegámos a duas finais europeias consecutivas”, referiu de seguida, numa alusão às finais de Liga Conferência e Liga Europa, naquela arte de experiente mágico que mostra uma coisa para distrair-nos do que realmente interessa no momento.
O levantamento de todas as épocas de Mou e dos pontos conquistados à passagem da sexta jornada confirmam as palavras do pesaroso técnico. E serve o presente tema para barrar cimento no fantasma que sempre aparece quando falamos nas terceiras épocas do treinador. Ou a síndrome da terceira época, como diziam em Inglaterra. E esta é a terceira temporada em Roma, onde mesmo com futebolistas como Dybala, Lukaku, Paredes e Spinazzola apresenta uma quebra preocupante. Em 2021/22 conquistou 12 pontos à sexta jornada, em 2022/23 foram 13. Agora, cinco.
Fabio Rossi
Também foi assim nos terceiros anos em Madrid, Londres (na segunda passagem) e Manchester, onde somou 10, sete e 10 pontos em 18 possíveis. No United não terminaria essa terceira temporada, depois do tal famoso segundo lugar que tanto encheu de orgulho (e com razão) o setubalense.
“Dá para ver a diferença nos jogos que ganhámos com ou sem Smalling”, explicou Mourinho. “Quando nos faltam jogadores, falta-nos solidez. Cada remate que fizeram foi golo e não estou a culpar o Rui Patrício.” A Roma somou dois sextos lugares nas primeiras épocas de José Mourinho.
Avaliando todas as temporadas da carreira de Mourinho, anulando a de estreia no Benfica e aquela em que chegou ao FC Porto, pois não as começou, este é de longe o pior arranque, com exceção para o que aconteceu em 2015/16 e 2019/20, em Londres, debaixo dos símbolos de Chelsea e Tottenham, quando somou apenas sete e oito pontos à sexta jornada da Premier League.
Até na União de Leiria, em 2001/02, antes de seduzir Pinto da Costa e de ir dar murros na mesa da conferência de imprensa a prometer o céu às gentes do Porto, Mourinho somou metade dos pontos dos 18 possíveis. E nesses seis primeiros jogos defrontou SC Braga, Boavista e Sporting.
Somando este início de temporada na AS Roma, onde amealhou os tais cinco pontos, é a quarta vez que Mourinho apresenta menos de 10 pontos à sexta jornada (Leiria-9, 2001/02; Chelsea-7, 2015/16; Tottenham-8, 2019/20).
NurPhoto
De 2001 para cá, quando deixou de ajudar outros e de traduzir ideias alheias para o campo de treinos, a média de pontos à sexta jornada na sua carreira foi 12.2 pontos. Ou seja, 66,6%, um número que, apesar da máscara diabólica, não é trágico, mas talvez seja menos do que esperávamos, ainda que, lá está, convém notar que o início e os últimos tempos da carreira do português tenham sido em clubes que não sofrem de gigantismo.
Mas porque a história tem sempre dois lados, ou mais na verdade, houve também temporadas realmente impressionantes, como o imaculado arranque em 2005/06, quando o especial José Mourinho se preparava para meter no saco a segunda Premier League. Na altura, já depois de enganar Arsène Wenger na Community Shield, conquistou nove vitórias nas primeiras nove jornadas, um dado impressionante. As vítimas, que não eram anónimos, incluiu gente talentosa fardada com as roupas de Arsenal, Tottenham e Liverpool. Em Anfield, num domingo de outubro de 2005, os blues golearam os rapazes de Rafael Benítez, por 4-1, com golos de Frank Lampard, Damien Duff, Joe Cole e Geremi.
Nas temporadas que iniciou no FC Porto, sem surpresa, acumulou 14 e 16 pontos em 18 possíveis. No Chelsea, nas sete épocas que iniciou, acumulou à sexta jornada da Premier League 14, 18, 15, 11, 11, 16 e sete pontos. Em Milão, onde a lenda de José Mourinho ganhou definitivamente uma carapaça de uma matéria forrada a ferro e ouro, somou nas duas temporadas 13 pontos nas primeiras seis jornadas da Serie A. Seria campeão sempre, ainda que na segunda época tenha sido assombrado pela Roma de Claudio Ranieri.
Em Madrid, apesar de tudo, não esteve ao nível esperado – 14, 13 e 10 pontos –, mas na segunda época no Santiago Bernabéu foi a tempo de fazer os tais 100 pontos e de marcar 121 golos (46 de Cristiano), para conquistar a La Liga contra o poderoso Barça de Pep Guardiola, que contou com 50 golos de Lionel Messi nessa liga. Que tempos que vivemos, hein?
DOMINIQUE FAGET/Getty
Finalmente, no Manchester United acumulou 12, 16 e 10 pontos na sua estadia por ali, abruptamente interrompida a poucos dias do Natal de 2018, enquanto no Tottenham conquistou apenas oito e 11 pontos até à sexta jornada, o único objeto desta indagação.
As teorias sobre a síndrome da terceira época prendem-se normalmente com o desgaste que supõe ter um homem como Mourinho no balneário. Exigente e obcecado com ganhar, parece que deixou de conectar com os jogadores como antigamente, como naqueles inícios no FC Porto, Chelsea e Inter, onde ajudou os jogadores a viajarem do estatuto de underdogs para épicos e históricos futebolistas. Foi na capital espanhola, perante um super Barcelona e com tantos egos no balneário num circo mediático assombroso, que porventura perdeu o toque mágico que o ligava aos jogadores, mesmo que ainda viesse a conquistar no futuro a Premier League com o Chelsea, numa contenda nostálgica admirável, e outros troféus com United e Roma.
Em 2015, então ao serviço do Chelsea, o treinador foi questionado sobre este tema da terceira época e a reação foi mui mourinhesca. “A minha terceira época no Porto? Não tive uma terceira época. No Inter não tive uma terceira época. Na minha terceira época no Chelsea, da primeira vez, ganhei a FA Cup e a Carling Cup e joguei a semifinal da Liga dos Campeões [caiu apenas nos penaltis contra Liverpool]”, começou por dizer, notando-se que não mencionava a performance na competição doméstica mais importante.
E continuou: “Na minha terceira época no Real Madrid ganhei a Supertaça e perdi a final da Taça e cheguei à semifinal da Champions League. Estas são as minhas terceiras épocas”, defendeu-se então, não podendo defender-se naturalmente do que viria a acontecer nos terceiros anos em Manchester e Roma.
“Por isso, cliquem no Google em vez de fazer perguntas estúpidas. Você falou na terceira época e eu estou a dizer-lhe que a questão é estúpida”, defendeu-se justa e amargamente.
Embora tenha uma lista de troféus e conquistas que nunca mais acaba, já vimos que não está imune a sofrer do mal que sofrem os outros com currículos mais humanos e normais. Mourinho, aliás, acumula quatro despedimentos na carreira, dois no Chelsea, outro no Manchester e mais um no Tottenham, este quase incompreensível a poucos dias da final da Taça da Liga.
O português terá agora jogos com Frosinone (casa), Servette (casa), Cagliari (fora), Monza (casa) e Slavia de Praga (casa) para acertar o passo, pois a seguir surgem jogos com Inter, aparentemente a grande equipa da Serie A, e Lazio. Mourinho poderá estar mais uma vez ou não na corda bamba.
A história mostra que, ainda que não esteja envolvido em polémicas ou a deixar recados que sobem paredes com a facilidade que a chuva desce das nuvens, os desfechos não são normalmente felizes. Ainda assim, para quem viu a ascensão de um dos maiores treinadores portugueses da história há sempre a esperança para testemunhar a laivos do que foi o tal “special one”, de sorriso aberto e mais cúmplice do que nunca com o seu destino.