Futebol internacional

O documentário sobre Beckham omite a colaboração com o Catar, mas o inglês garante que foi “o Mundial mais seguro” para a comunidade LGBT+

O documentário sobre Beckham omite a colaboração com o Catar, mas o inglês garante que foi “o Mundial mais seguro” para a comunidade LGBT+
Mike Marsland/Getty

A série na Netflix, realizada por Fisher Stevens, o Hugo Baker de “Sucession”, não faz referência ao papel do antigo jogador como embaixador do Mundial 2022, trabalho que levou grupos anti-discriminação britânicos a dizerem que Beckham “deixou de ser um aliado” para se tornar “num traidor”. O especialista em livres defende-se com linguagem diplomática, enquanto o realizador diz que a controvérsia, tal como “as novas tatuagens” de Bekcham, tiveram de sair do documentário para não “tentar encaixar tudo”

O documentário sobre Beckham omite a colaboração com o Catar, mas o inglês garante que foi “o Mundial mais seguro” para a comunidade LGBT+

Pedro Barata

Jornalista

A imagem pública de David Beckham é, há muito, tratada com cuidado e minúcia. Como um político que valoriza a força de aparições pontuais, que ganhem força por não serem constantes, o ex-jogador costuma ter tato diplomático a lidar com cada tema, cada questão, procurando não arriscar frases ou ações que minem uma imagem que lhe garante contratos de patrocínios e demais colaborações milionárias.

Recentemente, a imagem quase consensual de Beckham — criada, em parte, pela recusa em envolver-se em grandes polémicas ou debates polarizadores — foi afetada, justamente, por um dos acordos que rendeu muito dinheiro ao outrora rei dos pontapés livres. Para ser embaixador do Mundial do Catar, cara de promoção da competição e do turismo do país do Médio Oriente, Beckham recebeu e receberá, segundo a imprensa britânica, €177 milhões, pagos ao longo de 10 anos.

Embaixador da derrotada candidatura inglesa à organização da competição, Beckham criticou, logo após a atribuição do torneio ao Catar, em 2010, a votação, alegando que “algo estava errado com o sistema”, juntando-se ao coro de suspeitas que anunciou a corrupção e subornos em torno do Mundial. Mas, mais do que isso, a crítica à decisão de aceitar os milhões do Catar relacionava-se com questões de direitos humanos.

No regime imposto por Doha, relações entre pessoas do mesmo sexo são criminalizadas. Em novembro de 2021, a Human Rights Watch denunciou que as autoridades do país procuram e detêm pessoas LGBT+ com base na sua atividade na internet. As autoridades “excluem conteúdo LGBT+ do espaço público”, indica a Human Rights Watch. E isso choca com a posição que David Beckham foi construindo como teórica figura pública de apoio àquela comunidade.

No virar do século, o inglês foi, no Reino Unido, símbolo de uma nova masculinidade, sem pudor em preocupar-se com o corpo ou a imagem. Mas a colaboração com o Mundial foi um erro de cálculo, ou uma mera cedência ao dinheiro, na tal imagem de político que não se compromete.

Por receber dinheiro de um regime que criminaliza a homossexualidade, Beckham foi altamente criticado. Uma das mais duras vozes foi Piara Powara, diretor de um grupo anti-discriminação britânico, que disse ao “The Guardian” que Beckham “deixou de ser um aliado” para se tornar num “traidor” da comunidade LGBT+.

Gareth Cattermole/Getty

Agora, um documentário sobre a vida de David Beckham está em estreia na Netflix. Dividido em quatro episódios, foi realizado por Fisher Stevens, o Hubo Baker de “Sucession”. E na série não se aborda o papel do antigo capitão da seleção inglesa como embaixador do Mundial 2022.

Na estreia da série, Beckham foi questionado sobre esse trabalho, começando por responder com a habitual diplomacia que indica que “o futebol é um jogo que deve ser jogado em todo o mundo” e “era uma oportunidade para o mundo árabe acolher o maior evento desportivo do mundo”.

Sobre o tratamento à comunidade LGBT+ no Catar, o inglês garante que “teve muitas conversas” com pessoas dessa comunidade ao longo do torneio. “Eles disseram-me que se sentiram bem, que desfrutaram dos jogos, que foi o Mundial mais seguro para eles. Tive orgulho em ser parte da competição”, indica.

Já Hugo Baker explicou, à “GQ”, a ausência do Beckham embaixador do Catar da série. O realizador alega que questionou o protagonista sobre o tema, que não entrou por “não caber” na estrutura da narrativa. Comparando a questão às “novas tatuagens” do ex-jogador, que também ficaram de fora do documentário, Baker explica que era necessário “não tentar encaixar tudo” na série, sendo necessário “tomar decisões”.

“Quando começámos a entrar na parte do Catar com o David, tornou-se um filme diferente”, disse Baker.

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