Durante 21 anos no United, Ferguson perdeu 34 vezes em casa na Premier League. Os seus sucessores já somam 35 derrotas
Ash Donelon
O último jogo do mítico treinador do Manchester United foi numa tarde de maio de 2013, contra o Swansea de Michu e Laudrup. O discurso de despedida foi sóbrio e apontou para o futuro e quem sabe para momentos menos bons: “Vocês sabem quão bons são, conhecem a camisola que vestem e o que significa para toda a gente aqui”. Esta temporada, em nove jogos no Old Trafford, a equipa de Bruno Fernandes perdeu quatro vezes
O último jogo de Alex Ferguson dentro de uma farda do Manchester United foi um inusitado 5-5 com o West Brom. Um tal de Romelu Lukaku, um suplente, fez um hat-trick. Uma semana antes, em 12 de maio de 2023, despediu-se do seu Old Trafford. Como não podia deixar de ser, a vitória contra o Swansea de Michu e Michael Laudrup deu-se pertinho do minuto 90, para honrar os muitíssimos golos no fergie time. Que elogio à alma de um homem, ao que transmitiu aos seus jogadores, ao longo de 21 anos, um senhor obcecado com a vitória e a ética de trabalho.
“A minha retirada não significa que a minha vida no clube acabou”, avisou antes de tirar o chapéu a Paul Scholes, que também disse adeus ao futebol naquela tarde. “Vou poder desfrutar da equipa, em vez de sofrer com eles. Mas, se pensarem nisso, os golos no último minuto, as reviravoltas, até as derrotas são tudo parte deste grande clube de futebol e foi uma experiência inacreditável para todos nós, por isso obrigado a vocês por isso.”
Mais à frente no discurso de despedida, que foi breve e sem grandes sentimentalismos, o escocês deixou uma mensagem forte. “Desejo aos jogadores todos os sucessos no futuro. Vocês sabem quão bons são, conhecem a camisola que vestem e o que significa para toda a gente aqui. Nunca se desiludam a vocês próprios. A expectativa está sempre aí.” Que aura. Naquela tarde, o último 11 de Alex Ferguson foi: David de Gea, Phil Jones, Rio Ferdinand, Nemanja Vidic, Patrice Evra, Michael Carrick, Paul Scholes, Shinji Kagawa, Robin van Persie, Javier Hernández e Danny Welbeck. Anderson, o ex-FC Porto, entrou na segunda parte, tal como Ryan Giggs.
Serve esta viagem no tempo para marcar as diferenças para o que se vive hoje no pântano em que se transformou o Manchester United, que não vence a Premier League desde que Ferguson saiu. Depois de vários treinadores, de contratações sem fim e até de manifestações contra proprietários e a iminente entrada no capital por parte de um milionário, os red devils vivem um período negro, dos mais negros da história recente, pois a fasquia ficou muito alta depois de Sir Alex Ferguson. São nove derrotas em 16 jornadas da Premier League e um sem fim de reticências e hesitações e dúvidas e nuvens. E 10 pontos de distância para o líder Liverpool, que aproveitou a derrota do Arsenal contra o belíssimo e feroz Aston Villa de Unai Emery.
No sábado, o United perdeu em casa, pela primeira vez na história, contra o Bournemouth. Mas o dado mais assombroso, quiçá arrepiante até, saiu dos teclados da plataforma Squawka: o clube capitaneado por Bruno Fernandes já perdeu mais vezes no Old Trafford desde que Ferguson se reformou (35) do que durante o reinado do escocês (34), ou seja, 21 anos. Os sucessores do treinador que transformou o Manchester United no maior clube de Inglaterra foram David Moyes, Ryan Giggs, Louis van Gaal, José Mourinho, Ole Gunnar Solskjaer, Michael Carrick e Ralf Rangnick.
Em 2023/24, os red devils já perderam quatro vezes em casa (em nove jogos!), uma façanha que só aconteceu uma vez naquelas 21 temporadas com Sir Alex (seis derrotas em 2001/02).
Mike Egerton - EMPICS
Olhando para os rivais, os números caseiros são bem distintos: Liverpool, Arsenal, Manchester City e Aston Villa têm zero derrotas no seu relvado. O Tottenham soma três.
“Como equipa, não somos bons o suficiente para sermos consistentes, e temos de trabalhar para melhorar isso”, assumiu Erik ten Hag, o homem que vai caindo em desgraça depois do grandíssimo trabalho no Ajax, um clube que também anda pelas ruas da amargura. “Somos mesmo inconsistentes. Temos as capacidades para fazê-lo em todos os jogos e a cada três dias.”
A reflexão prosseguiu: “Como grupo temos de melhorar, isso é um facto. Temos de nos tornar mais duros, estar prontos para o jogo desde o início. Não podes estar nesta liga se não jogas ao mais alto nível, porque matam-te e foi isso que aconteceu nos primeiros minutos [com o Bournemouth]. Não pode acontecer concedermos um golo com tanta facilidade. Tenho de assumir a responsabilidade por isso, tenho de preparar a minha equipa para o jogo, fiquei muito desiludido com a forma como começámos”. Dominic Solanke fez o 1-0, no Old Trafford, aos 5’.
Também Bruno Fernandes, o capitão, admitiu problemas. “Se queremos estar nos primeiros lugares, temos de ser mais consistentes de três em três dias”, reconheceu o internacional português, provavelmente a maior figura de Portugal no apuramento para o Euro 2024. “Sabemos que vai ser duro. Todas as equipas jogam bom futebol. Todas as equipas são intensas e têm qualidades, por isso temos de ser mais consistentes em tudo o que podemos fazer.”
A boa notícia para o Manchester United é que, no futebol, tudo muda muito rápido e quem sabe o fado seja outro dentro de alguns tempos. A má notícia é que o calendário coloca Bayern Munique e Liverpool como próximos jogos.
O que diria Sir Alex Ferguson? Talvez o que disse na última tarde no seu querido Old Trafford: “Vocês sabem quão bons são, conhecem a camisola que vestem e o que significa para toda a gente aqui. Nunca se desiludam a vocês próprios. A expectativa está sempre aí”.